Parlamento aprovou, mas diabéticos adultos ainda esperam bombas de insulina grátis

A Assembleia da República aprovou uma resolução para que o governo alargue o regime de gratuitidade aos diabéticos insulinodependentes a partir dos 18 anos, mas tal ainda não foi cumprido e já lá vão quase dois anos. A deputada e líder do Bloco de Esquerda quer saber o porquê e pediu esclarecimentos ao Ministério da Saúde.

Crianças e jovens até aos 18 anos já usufruem de bombas de insulina grátis, comparticipadas a 100% pelo Estado, mas os diabéticos adultos ainda não. Em novembro de 2020, uma proposta foi apresentada pelo Bloco de Esquerda na Assembleia da República para que este regime se estendesse aos maiores de 18 anos. A proposta foi discutida e aprovada, apenas com os votos contra do PS, mas até agora ainda não foi aplicada. Na semana passada, a deputada e líder do BE, Catarina Martins, pediu esclarecimentos ao governo através do Ministério da Saúde.

No requerimento enviado, a deputada do Bloco diz querer saber qual "a justificação que o governo tem para ainda não ter cumprido com a decisão da Assembleia da República no sentido do alargamento da disponibilização gratuita das bombas de insulina a maiores de 18 anos" e "quando é que será publicado o novo regime de comparticipação e quais as suas características". O DN questionou também o Ministério da Saúde sobre esta situação, que confirmou que "o alargamento da disponibilização gratuita das bombas de insulina, em específico, a maiores de 18 anos foi concretizado no Orçamento do Estado para 2020, e que "desde então têm sido contabilizados todos os utentes com indicação clínica para este tipo de tratamento, independentemente da idade, para efeitos de aquisições de dispositivos e consumíveis". O ministério refere ainda que, "no final de 2021 estavam registadas mais de 3800 pessoas em tratamento ao abrigo deste programa, das quais cerca de 62% eram adultas".

No requerimento a pedir explicações, o BE recorda ter também, através de uma iniciativa legislativa, conseguido a comparticipação a 100% destes dispositivos para a faixa etária até aos 18 anos. Uma medida que considera ter tido "efeitos muito positivos, reduzindo complicações de saúde presente e futuras associadas à diabetes e garantindo uma melhor qualidade de vida das crianças e jovens".

Aliás, por isto mesmo esta medida tem sido muito reivindicada pelas associações de doentes com diabetes, pela própria Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD) e pela Federação Portuguesa das Associações de Pessoas com Diabetes (FPAPD). Em junho de 2019, 15 destas associações, com o apoio da SPD e da FPAPD, lançaram uma petição para que uma proposta de projeto-lei fosse discutida e aprovada na AR. E conseguiram 20 mil assinaturas. Mas foi depois de observar os resultados que a medida teve nas crianças e jovens até aos 18 anos que o Bloco decidiu avançar com a mesma proposta para os diabéticos insulinodependentes maiores de 18 anos e com indicação médica para utilização de tal terapêutica.

A proposta foi aprovada e, depois de discussão na especialidade, resultou numa resolução da AR onde se recomenda ao governo que "proceda à comparticipação a 100% dos dispositivos de perfusão subcutânea contínua de insulina (PSCI) a todas as pessoas com diabetes tipo 1 maiores de 18 anos, inscritas na Plataforma PSCI da Direção-Geral da Saúde, com indicação clínica expressa do seu médico assistente e aptas a utilizar o dispositivo, definindo as prioridades para a colocação do mesmo, e que regulamente, no prazo de 60 dias, o regime de comparticipação previsto".

Só que, e segundo refere o BE no seu requerimento, "tal não foi concretizado, não obstante ter passado quase um ano desde a publicação desta resolução". É ainda referido que o governo não só não publicou o regime que alarga a gratuitidade de acesso a bombas de insulina como não alargou a sua comparticipação a mais utentes, quando "existem cada vez mais adultos a deslocar-se a centros autorizados para a colocação de bombas de insulina com a esperança de conseguir aceder a este dispositivo". Catarina Martins diz mesmo que "o caminho continua barrado, não obstante a clara posição do Parlamento sobre a matéria".

No pedido de esclarecimento ao governo, o partido justifica esta medida pelas vantagens da sua utilização, nomeadamente: "Permite um melhor controlo da diabetes e uma maior flexibilidade na vida de um utente com diabetes, evitando cumprimento de horários de refeições e um ajuste para o caso de quem profissionalmente trabalhe por turnos, além de ter uma segurança de limite máximo de insulina injetada, algo que não é possível com as atuais canetas, que podem levar a hipoglicemias graves ou mesmo até à morte em situações de doses incorretas ou de troca de insulina lenta por insulina ultrarrápida. Permite menos injeções no corpo - das atuais 6 a 10 com canetas, seria apenas necessária a inserção de um cateter de três em três dias, e quando ligada a um sistema de leitura contínua de glicose (CGM) pode suspender a insulina em caso de hipoglicemia e em modelos recentes a serem lançados na Europa permite o funcionamento do sistema chamado de "pâncreas artificial", controlo automático da administração de insulina baseando-se nos valores da glicemia." E exige saber a justificação que o governo tem para ainda não ter aplicado a resolução da AR.

Portugal é o segundo da UE com maior prevalência

Portugal, de acordo com o último relatório da OCDE, é um dos dois países da UE com maior prevalência da doença em adultos, a seguir à Alemanha. O documento indicava que 9,8% da população entre os 20 e os 79 anos tinha sido diagnosticada com diabetes tipo 1 e 2. A prevalência na Alemanha era de 10,4%, enquanto a média na UE é de 6,2%, com a Irlanda, a Lituânia e a Estónia a registarem das mais baixas taxas, nomeadamente 3,2%, 3,8% e 4,2%, respetivamente. Na altura, o próprio relatório defendia que, devido a esta prevalência e às complicações que a doença acarreta, já que diminui a qualidade de vida do doente e aumenta o risco de morte antes dos 70 anos, "é cada vez mais importante definir um plano para a prevenção e controlo da diabetes, construindo campanhas de sensibilização e de prevenção junto da população".

O Plano Nacional para a Diabetes de 2019 apontava para um reforço da vigilância epidemiológica, até para se ter acesso a números reais e atualizados da população que possa sofrer da doença, mas a pandemia não permitiu que avançasse. Mas, de acordo com as associações que representam os doentes, estima-se que cerca de 20 mil pessoas possam não ter tido acesso ao diagnóstico precoce da patologia. E indicam ainda que a pandemia fez aumentar o número de internamentos por condições agudas de diabetes e que milhares de consultas e de tratamentos foram adiados, o que, a médio e longo prazo, poderá trazer consequências graves à saúde dos doentes. A diabetes foi considerada uma das doenças de risco para a infeção pelo SARS-CoV-2, e a ausência ao trabalho foi mesmo recomendada a diabéticos com mais de 60 anos, para evitar o risco de complicações graves e de morte.

anamafaldainacio@dn.pt

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