A partir desta sexta-feira e até domingo, dos 172 serviços de urgência do Serviço Nacional de Saúde (SNS) 11 a 12 vão estar encerrados. Quase todos da área da Ginecologia-Obstetrícia, excetuando três na área da Pediatria, e quase todos na região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT), menos Leiria que fecha Obstetrícia, e Viseu, que fecha Pediatria. Mas a situação toma outra dimensão quando três das maternidades que vão encerrar servem a mesma população na Margem Sul do Tejo, que é atendida pelos hospitais de Setúbal, Barreiro e Almada. .De acordo com o mapa de escalas publicado no Portal do SNS, esta sexta-feira há sete serviços encerrados, seis de Obstetrícia e um de Pediatria, este último no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, e dois que vão estar como referência, obstetrícia e Pediatria do Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra), só para alguns casos. No sábado, estão encerrados 11 serviços, 8 em Lisboa e Vale do Tejo e, no domingo, 12, sendo 9 em LVT. Os hospitais afetadas são: São Bernardo, em Setúbal, Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro, que fecha Obstetrícia e Pediatria, nos dois dias, Garcia de Orta, em Almada, Beatriz Ângelo, em Loures, Vila Franca de Xira, Santa Maria, São Francisco Xavier e Torres Novas, que fecha Pediatria. .A falta de médicos ginecologistas-obstetras e de pediatras para assegurar as escalas estão na base dos constrangimentos durante o verão. A situação não é nova, vem de há vários anos, e com maior ênfase desde 2022, ano em que a ministra da altura, Marta Temido, acabou por se demitir, após a morte de uma grávida, que teve de ser transferida da maternidade de Santa Maria para a do São Francisco Xavier. Este ano, o caso de uma mulher que abortou à porta do Hospital das Caldas voltou a dar outra dimensão ao que se vive no SNS. .O bastonário dos médicos, Carlos Cortes, garantiu ao DN que a Ordem “está a fazer tudo para poder ajudar nesta situação” e esta quinta-feira “a Direção Executiva do SNS pediu-nos que avaliássemos a reorganização das tarefas médicas para que, no futuro, se evitem encerramentos plenos, quando existem dois a três especialistas nas equipas a trabalhar. Carlos Cortes disse ao DN que já ativou “o Colégio da Especialidade para seja desencadeado este trabalho que vai no sentido de redefinir, ou se quiserem, clarificar, a forma como devem funcionar as equipas de obstetrícia nas urgências”..O caminho é reorganizar e concentrar meios.O representante dos médicos afirmou ainda não ter dúvidas que face à falta de recursos humanos na especialidade e no SNS “este tem de ser o caminho a seguir”. “Não tenho dúvidas de que temos que reorganizar as tarefas nos serviços de urgência, senão ninguém aguenta o que se vive atualmente. Uma urgência que fecha hoje, amanhã abre e depois volta a fechar. Isto não é solução. É preciso estabilizar o trabalho nas maternidades para que possam prestar cuidados com qualidade e segurança”, defendeu. Por outro lado, reforça, que este Governo de ter coragem oara tomar algumas medidas, nomeadamente no que toca á cocnentração de meios. .Mas Carlos Cortes especifica que esta reorganização “não é uma revisão do número de médicos especialistas nas urgências, este número não vai ser alterados, porque há parâmetros internacionais que têm de ser cumpridos. O que vamos fazer é avaliar e perceber do ponto de vista técnico o que pode fazer um serviço de urgência de uma maternidade que, em vez de ter cinco ou seis especialistas, tem dois, três ou quatro, sem ter de fechar em pleno sistematicamente”. .O bastonário sabe de antemão que “esta avaliação do ponto de vista técnico é difícil e complexa, porque há parâmetros de qualidade e de segurança, mas há funções que podem ser atribuídas quando não há equipas com o número ideal de médicos”. E dá um exemplo: “Vamos olhar para a cirurgia, quando um serviço de urgência tem dois a três cirurgiões não fecha portas, dois não conseguem fazer o que fazem três ou quatro, mas há sempre atos que podem concretizar e que podem encaminhar sem ter de fechar sistematicamente”. .É isto que a Ordem vai fazer agora em relação à Ginecologia Obstetrícia e depois em relação a todas as outras especialidades, porque fala-se muito desta especialidade, mas há outras no SNS já com grande carência em recursos, como pediatria, medicina interna, ortopedia. No caso da Obstetrícia “este trabalho é urgente, embora não possa ser feito já para este agosto ou para este verão”..Carlos Cortes refere “não ter de cor o número de obstetras que seriam necessários para dar resposta às necessidades dos utentes do SNS da forma como está hoje organizado”, mas tem uma certeza que é: “Os que existem são insuficientes”. Basta referir que uma boa parte dos médicos inscritos na Ordem nesta especialidade, se não quase metade, trabalha sequer no SNS. .Metade dos obstetras tem mais de 60 anos e não trabalha no SNS.Aliás, de acordo com dados divulgados pela Ordem, em 2022, dos 1871 médicos ginecologistas obstetras inscritos, só 897 é que trabalham no SNS. Mas a agravar a questão há também o fator idade dos médicos na especialidade. .No final de 2023, estavam inscritos na Ordem 1910 médicos, apenas mais 39 do que no anterior, sendo que 1299 são mulheres e 611 homens. Deste total, 993 estão acima dos 60 anos, idade em que é permitido aos médicos deixar de fazer urgências. Mas os dados indicam ainda que entre os 61 e os 65 anos há 258 médicos e, acima dos 65, está a maior fatia de profissionais, 735. Ou seja, uma boa parte já em situação de entrar na reforma e a outra a chegar a esta fase. .Até aos 55 anos, idade em que os médicos podem deixar de fazer urgências à noite, há só 675 médicos. E a agravar o facto de nem todos trabalharem no SNS. Isto porque. reforça Carlos Cortes, “há dois fenómenos que levam a uma maior carência de recursos, o facto de os internos já não escolherem o SNS quando terminam a especialidade e os especialistas, que por insatisfação, saem cada vez mais do SNS. E não é uma questão de geração, já acontece em todas as gerações”.. O bastonário afirma que se a Ordem “está a desencadear este processo é para apoiar as decisões que têm de ser tomadas, tendo em conta os poucos recursos, porque vamos chegar a uma altura em que tudo se vai romper”. Mas é preciso que “os políticos cumpram o seu papel e que cheguem a um consenso no sentido de uma reforma profunda do SNS”.