Ordem dos Médicos envia sentença para Conselho Disciplinar para averiguar se há assédio

Tribunal do Trabalho do Porto condenou o Hospital de Viana do Castelo por despedimento ilícito de médica do Serviço de Medicina Intensiva. Ordem já pediu à administração celeridade no inquérito que abriu em março, devido a uma queixa de 44 profissionais contra o diretor deste serviço e quer que Colégio da Especialidade faça visita com caráter de urgência. A FNAM pede suspensão "imediata do diretor" e a Direção Executiva diz que não comenta o caso, que é da responsabilidade da ULSAM.
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O bastonário dos Médicos, Carlos Cortes, vai enviar a sentença do Tribunal do Trabalho do Porto (TTP), datada de 16 de junho deste ano, para o Conselho Disciplinar do Norte, para que este avalie se estamos perante "matéria de assédio laboral", afirmando ao DN: "Parece-me que há matéria para o Conselho Disciplinar averiguar se estamos na presença de um caso de assédio laboral, se houver, sem dúvida deve ser avaliado disciplinarmente."

A sentença do TTP, publicada em partes num trabalho na edição de ontem do DN, veio colocar de novo em cima da mesa a queixa de 44 profissionais do Serviço de Medicina Intensiva ao Conselho de Administração do Hospital de Santa Luzia, em Viana do Castelo, que integra a Unidade Local de Saúde do Alto Minho (USALM), contra o diretor que agora também é visado nesta sentença, José Caldeiro, por despedimento ilícito.

Na altura, e depois de a queixa ter sido noticiada, o hospital anunciou que abriu um inquérito às práticas denunciadas pelos profissionais, mas até agora nada se sabe sobre r resultados e o bastonário diz que tal "é inacreditável", anunciando que a Ordem já enviou um ofício ao Conselho de Administração, liderado por Franklin Ramos, a pedir que acelere o inquérito que abriu. "Enviámos um ofício ao Conselho de Administração a pedir celeridade na questão do inquérito. Sabemos que este ainda não está fechado, o que consideramos inacreditável. É preciso fechar esta avaliação, para haver decisões e poder-se virar a página", argumentou ao DN.

O bastonário afirmou ainda que foi pedido ao Colégio da Especialidade de Medicina Intensiva uma visita com caráter urgente ao serviço do Hospital de Viana de Castelo para percebermos qual "o impacto" desta situação e da sentença que agora foi publicada. "É normal que a situação possa estar a ter impacto internamente, até em termos formativos". Além do mais, justifica, "estamos a falar de um serviço que é um bom serviço de cuidados intensivos, onde as pessoas querem trabalhar e onde estão dedicadas aos seus doentes, mas, evidentemente, que este ruído e o facto de não haver uma decisão, pode criar alguma instabilidade que pode prejudicar o ambiente e a própria imagem do serviço".

Na queixa apresentada no início de março, os profissionais relatavam serem alvo de "insultos, intimidações e ameaças físicas", dizendo-se com "medo, intimidados, à beira do esgotamento psicológico e geridos sob uma atmosfera tóxica". E, segundo a advogada do Sindicatos dos Médicos do Norte, que defendeu a médica que foi até à barra do tribunal com uma queixa contra o diretor de serviço, esta sentença do Tribunal do Trabalho do Porto, "diz-nos que os tribunais condenam, e vem dar alguma esperança aos médicos que continuam com medo de irem até ao fim na luta por justiça, independentemente das dificuldades que existem na denúncia do assédio".

De acordo com Maria Antónia Beleza, "na sua fundamentação, a juíza dá como provado que a decisão para o despedimento partiu do "diretor de serviço"", por uma questão de "personalidade", em relação à autora da queixa, por "ser alguém mais competente do que ele e pelo género". A sentença condena o Hospital de Santa Luzia, em Viana do Castelo, por "despedimento ilícito", obrigando a unidade a compensar a médica por danos morais e patrimoniais causados por esta decisão, e a reintegrá-la, visando o diretor de serviço, já que deu como provado que a decisão foi sua.

O hospital, Ré, no processo, fundamentava o despedimento desta médica com o período experimental, o que à luz do Código do Trabalho é permitido ao contratante, só que esta médica desempenhava funções na unidade desde agosto de 2021 como prestadora de serviços.

Este contrato terminou no final de dezembro, já que através de concurso a médica aceitou uma vaga no serviço, mas agora com contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, que entrou em vigor em janeiro de 2022, e o hospital usa este contrato como argumento para justificar o despedimento durante o período experimental, não considerando os cinco meses de trabalho anterior da médica.

Segundo o Tribunal, "através das testemunhas arroladas e da documentação anexa", ficou provado que "a médica desempenhou exactamente as mesmas tarefas, sob as ordens do mesmo director de serviço, com os mesmos colegas de trabalho, cumprindo escalas organizadas da mesma forma. Portanto, "tudo se manteve inalterado". Logo, à luz dos artigos do Código de Trabalho, "o período experimental já tinha esgotado nos cinco meses do contrato anterior."

O DN contactou o Hospital de Viana do Castelo na sexta-feira, através do seu gabinete de comunicação e secretariado de administração, para saber o que tinham a comentar a esta sentença e se vão recorrer da mesma para o Tribunal da Relação, já que o prazo para tal só termina em setembro, mas não obteve qualquer resposta.

O DN contactou ainda a Direção Executiva do Serviço Nacional Saúde para saber se iria ser tomada alguma posição sobre este caso e sobre a queixa que atinge o serviço de medicina intensiva de Viana do Castelo, mas a resposta que chegou foi no sentido de que não fará comentários, devendo ser contactada a ULSAM.

A Federação Nacional dos Médicos (FNAM), que integra os sindicatos do Norte, Centro e Sul, emitiu um comunicado considerando que a sentença do Tribunal do Trabalho do Porto é "exemplar contra o assédio laboral", o qual tem de resultar "na responsabilização ministerial e administrativa bem como na reintegração da vítima". Para a FNAM com esta sentença ficam provadas "as diversas práticas abusivas de assédio moral por parte do diretor do departamento de Medicina Intensiva", exigindo "a sua suspensão imediata".

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