Diogo Gaspar Ferreira Foto: Católica Lisbon
Diogo Gaspar Ferreira Foto: Católica Lisbon

Operação Marquês. "Vale do Lobo? Tudo foi feito com o maior rigor", garante ex-CEO

As últimas audições desta semana realizam-se nesta quinta-feira, dia 11. O arguido Diogo Gaspar Ferreira garante que nunca foi mencionado o Governo ou José Sócrates, no âmbito do empréstimo da CGD.
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"Irish deals? O que criou a queda foi a crise, a partir de 2008"

Após uma pausa de 15 minutos na sessão, a procuradora do Ministério Público que está presente na sala pediu que o tribunal confrontasse o arguido com um estudo feito sobre o Vale do Lobo - Resort Turístico de Luxo, S.A.

"Os números, a nossa avaliação e as conclusões foram todas feitas por mim", garante, mesmo reconhecendo que a apresentação em causa "talvez" tenha ficado a cargo de outro profissional, nomeadamente o "dr. Pedro Neto", alega.

Acerca dos 'irish deals', diz que 2007 "foi o ano em que os irlandeses mais compraram diretamente e mais compraram através de promotores, diz, assegurando que os dados estatísticos confirmam esta tendência. Posto isto, diz que o mercado estava em alta e "o que criou a queda [dos irish deals] foi a crise, a partir de 2008", garante.

Os procuradores do Ministério Público trazem à baila a análise de risco sobre o projeto de Vale do Lobo, a par de uma série de questões para o arguido.

A procuradora questiona sobre se é habitual uma analise de risco antes de avançar com uma proposta desta índole. Gaspar Ferreira não tem dúvidas de que se trata de um procedimento “completamente normal e seria anormal que não o fizessem”.

“Foi o que ele me perguntou [sobre o modelo de negócio] e eu fui explicando durante seis meses (…), não há nada de errado aqui”.

Afinal, cada acionista não avançou com 1,6 milhões de euros... mas sim 1,2 milhões. CGD investiu com 2 milhões

Os cinco investidores individuais do empreendimento de Vale do Lobo (entre eles Diogo Gaspar Ferreira) entraram com "1,6 milhões [de euros]", diz, quando requisitado para ser mais preciso a este respeito.

Ora, para avançar com este valor, o antigo CEO do empreendimento pediu um empréstimo ao Millenium BCP. "Era o meu banco", justifica. Questionado sobre se os restantes acionistas terão pedido empréstimos, "não faço ideia", reconhece.

Alertado depois para a incongruência dos valores investido por cada um dos cinco acionistas, perante os dados obtidos pelo MP, Gaspar Ferreira fez um exercício de memória e acaba por dizer que cada um dos cinco investidores terá colocado em cima da mesa 1,2 milhões de euros, ao passo que a Caixa avançou com 2 milhões, "para fazer os 8 milhões", aponta.

Sobre garantias, diz que colocou "uma casa que valia muito dinheiro", que era propriedade do próprio.

De resto, o projeto terá sido apresentado de forma direta à administração do banco público e o arguido explica o motivo. "A expetativa de que uma operação muito grande seja apresentada ao balcão [de um banco] não existe", afirma. Nesse sentido, frisa que este tipo de projetos, quando são postos em andamento, são apresentados diretamente à administração do banco em causa, para a obtenção de um financiamento.

Questionado sobre nomes de empresas recolhidos pelo Ministério Público, reconhece que podem ser as “sociedades veículo” dos acionistas, mas deixa claro que os nomes não lhe levantam qualquer memória.

Áudios de conversas ao telefone levam MP a crer que a relação com Armando Vara não seria de âmbito exclusivamente profissional

Foram exibidos pelo tribunal três áudios de conversas telefónicas entre o arguido que está a ser ouvido e Armando Vara, a par das respetivas transcrições. Na primeira ouviu-se uma conversa em que os dois se tratavam por “tu” e de forma amigável, quando o assunto era falta de toalhas junto a uma piscina de Vale do Lobo.

Foi este o critério que levou o Ministério Público a querer usar tal áudio como prova, esclareceu o Procurador Rosário Teixeira.

Noutro áudio, Diogo Gaspar Ferreira convida Armando Vara para um desses eventos, onde poderiam jantar e "ver a final" de um torneio de ténis.

Na interpretação do MP, este leva a crer que mais alguém estaria convidado. Algo que o arguido nega e, sobre a realização do convite, diz que constituía algo normal e prática habitual.

Zero contactos com Sócrates ou Carlos Santos Silva e relação meramente profissional com Armando Vara

Diz que nunca contactou José Sócrates nem Carlos Santos Silva, nem partilhou o mesmo espaço com qualquer um dos dois. De resto, negou contactos com a vasta maioria dos arguidos da Operação Marquês.

Questionado pela procuradora do MP e pela juíza Susana Seca sobre se haveria encontros marcados entre ambos, para além da vida profissional, Diogo Gaspar Ferreira sublinha que as conversas "nunca" saíam "da relação profissional".

De qualquer forma "acho que ele [Vara] foi a um dos eventos do ténis", diz o próprio, após lembrar que participava ativamente em eventos, realizados no Algarve. Ora, neste contexto, admitiu ter falado com Armando Vara, também ele arguido na Operação Marquês.

De qualquer forma, garantiu que "tudo isso era no âmbito profissional".

Posição do MP é "desconhecedora" e o insucesso foi natural, em virtude da crise

A "tese" defendida pelo Ministério Público (MP) de que "os investidores de vale do lobo" enganaram a Caixa é uma coisa "desconhecedora" sobre o processo.

Gaspar Ferreira sublinha que nem ele nem qualquer outro empresário estaria disposto a "arriscar o seu dinheiro e a sua vida para propor algo que não fazia sentido". Logo de seguida, faz alusão à crise que teve início em 2008, com o colapso do Lehman Brothers, nos EUA, com fortes consequências para o setor imobiliário e da construção em todo o mundo.

"Todo este processo só não teve um final feliz porque não teve um final feliz para nenhum dos outros resorts". Não fosse a queda do mercado, o empreendimento de Vale do Lobo "teria sido um sucesso e teríamos avançado para outros negócios", salienta.

"Tudo isto foi feito com o maior rigor, com o maior profissionalismo", assegura, sobre a realização de negócios que acabariam por não ter o sucesso desejado.

Recomeça a sessão com explicações sobre o financiamento da Caixa

A sessão retomou com alguns minutos de atraso. Diogo Gaspar Ferreira recorda que a Caixa informou que estava disposta a financiar Vale do Lobo.

Posteriormente, a CGD fez propostas de financiamento, ficando definidas as condições exigidas pela Caixa, na posição de financiadora e, simultaneamente, na posição de acionista.

A juíza Susana Seca perguntou depois sobre o financiamento acordado entre a Caixa Geral de Depósitos e os acionistas de Vale do Lobo. O antigo CEO daquele empreendimento falou de uma linha de 194 milhões de euros, montante que "estava sustentado em hipotecas" de Vale do Lobo inteiro.

No mesmo acordo, a taxa de juro ascendia a 2,25%, variável consoante o montante alcançado em amortizações. Ao mesmo tempo, a amortização mínima obrigatória anual era de 20 mil euros, com direito a período de carência no primeiro ano, entre outras condições que foram descritas pelo arguido.

Ficou ainda estipulado acordo sobre os suprimentos era de 28 milhões de euros. Neste âmbito, havia "uma série de assuntos que misturavam o caráter de acionista com o caráter de financiador, mas aceitamos", diz ainda.

Aquele que seria o "melhor negócio de sempre" domina declarações finais da primeira metade da sessão

Os responsáveis conseguiram vender um lote de Vale do Lobo por 4,5 milhões de euros, sem uma casa construída mas com autorização para o novo proprietário construir.

"Foi o melhor negócio de Vale do Lobo de sempre" e vai mais longe "eu diria que foi o melhor negócio de sempre [de venda de um lote] em Portugal"

"Foi sempre dito que não havia qualquer hipótese de haver dinheiro de fora", pelo que diz que "é falso" que tal tenha acontecido, a respeito da acusação nesse sentido

Diogo Gaspar Ferreira quer abordar "a base de sustentação da acusação do Ministério Público" nesta matéria, o que fica adiado para depois de almoço. A juíza Susana Seca anunciou uma pausa que deverá durar até às 14 horas.

Entregar Vale do Lobo a fundo de reestruturação seria "adiar o problema"

Após uma pausa de 15 minutos na sessão, Diogo Gaspar Ferreira assinala que a situação de incumprimento se estendeu para o ano seguinte, ou seja, 2010.

"Todos os resorts em Portugal foram à falência com exceção de dois", que eram detidos por entidades "ricas". Dos 17 que faliram, todos os outros passaram a ser geridos por fundos de reestruturação, o que significa que optaram por "adiar o problema", descreve. O mesmo não aconteceu com Vale do Lobo, já que era detido pela Caixa, que não o quis fazer.

Ora, as negociações entre outros bancos e outros resorts permitiram baixar as taxas de juro e estender os períodos de amortização, entre outras medidas que ajudavam as empresas imobiliárias. Porém, a CGD não tomou a mesma posição relativamente a Vale do Lobo.

Em 2011, não apenas não baixou a taxa de juro, como até a aumentou, "de 2,4% para 4%", pelo que "começamos a sentir problemas que se foram agudizando", diz Gaspar Ferreira. "Não percebemos" estas tomadas de posição da Caixa, explica o próprio.

A participação em causa no empreendimento de Vale do Lobo acabaria por ser vendida à ECS, em 2018.

Tudo a correr "muitíssimo bem"... até ao colapso do Lehman Brothers

Poucas semanas se passaram até que ficou estabelecido que a CGD entrava com "suprimentos" e ficava com 25% do capital, de acordo com Diogo Gaspar Ferreira. "O grande objetivo da Caixa era ganhar dinheiro", frisa.

Neste âmbito, a Caixa tinha direito a ter um administrador "que ia lá regularmente", de forma a estar a par de toda a atividade. Tratava-se de Jorge Guimarães, que participava nas reuniões mensais do Conselho de Administração e recebia os relatórios mensais sobre a atividade.

"O ano de 2007 correu bastante melhor do que nós tínhamos previsto", salienta, de tal forma que "estava tudo muitíssimo bem", em resumo. "Em 2008, a coisa começou a correr bem no primeiro trimestre", recorda, até que a situação se deteriorou, na segunda metade do ano.

Aquele que seria o maior contrato de Vale do Lobo até à data foi cancelado pelo potencial comprador, em função de receios de uma futura crise imobiliária, diz o próprio Diogo Gaspar Ferreira. O cenário veio a confirmar-se, primeiramente com o colapso do Lehman Brothers, no terceiro trimestre de 2008.

"Conseguimos ainda em 2008 e 2009 fazer algumas vendas (...) mas logo em 2008 conseguimos ver que vinha uma crise que podia ser muito grave". O impacto foi de tal forma significativo que, "a partir de 2009, entramos em incumprimento".

"Nunca senti qualquer influência de natureza política"

O arguido confirma que os promotores concordaram em avançar com um valor total na ordem de 8 milhões de euros, ao passo que a CGD entrava com um financiamento de 220 milhões

"O que foi combinado foi que eu enviaria o modelo financeiro para o senhor Armando Vara", então na administração da CGD. Tal acabaria por acontecer "por volta de junho ou julho de 2006", recorda Diogo Gaspar Ferreira.

No que diz respeito a avançar para a compra de Vale do Lobo (como um dos acionistas), "nunca senti qualquer influência de natureza política", sublinha. Em simultâneo, deixa a garantia de que nunca foi mencionada uma eventual alegada interferência do Governo da altura ou de José Sócrates, então primeiro-ministro, fosse de forma direta ou indireta, com o propósito de os responsáveis obterem crédito da CGD.

"Não houve assim tantas reuniões [com Armando Vara]", reitera Gaspar Ferreira, deixando claro que só teve uma reunião com Armando Vara, numa altura em que este último integrava a administração da Caixa. Daí para a frente, as reuniões foram realizadas entre o antigo CEO de Vale do Lobo e Alexandre Santos.

Recorde-se que este último desempenhava, na Caixa Geral de Depósitos, o cargo de diretor responsável pela área do segmento de empresas do sul do país.

"Vale do Lobo era o maior resort português", diz Diogo Gaspar Ferreira

Diogo Gaspar Ferreira iniciou a sua primeira intervenção com uma exposição do seu percurso pessoal e académico. Seguiu-se uma esplanação referente ao que está envolvido na Operação Marquês.

Em 2006, o arguido queria entrar no capital do empreendimento Vale do Lobo. Com este propósito, falou com Rui Horta e Costa (foram colegas na Universidade Católica e eram amigos) e propôs-lhe que entrasse no projeto.

Garante ao Tribunal que tinha consciência de que uma crise imobiliária nos primeiros dois anos de projeto seria altamente prejudicial. Por outro lado, salienta que Vale do Lobo, à data, era "o maior resort português" e tinha um "potencial de venda de um bilião de euros" beneficiava de um grande prestígio no estrangeiro.

Ali vendiam-se, por um lado, lotes (espaços de terreno para construção) e, por outro, construíam-se e vendiam-se casas. "Nunca as vendas em Portugal tinham corrido tão bem no imobiliário residencial", recorda, remetendo para aquilo que descreve como alto grau de "otimismo" do setor. Grande parte das vendas eram feitas a estrangeiros, para quem as casas passam a ser segunda habitação.

O objetivo "era vender todos os lotes", o que Gaspar Ferreira acreditava que fosse concretizado em 10 anos. "A grande questão era saber o preço e o ritmo de venda".

Ora, naquela altura, era frequente os bancos financiarem este tipo de construção. “BES não queria, fomos tentar CGD e Santader”, afirma.

Ficou estabelecido um empréstimo de entre 230 a 250 milhões de euros, da parte da Caixa Geral de Depósitos (CGD). A proposta final ficaria fixada em 230 milhões de euros. "Cada um de nós entrava com capital próprio de dois milhões de euros", assinala.

Começa a audição, com 46 minutos de atraso

A audição, agendada para as 9h30, tem início pelas 10h16. Diogo Gaspar Ferreira é o primeiro arguido a ser ouvido. Durante 12 anos, foi CEO e acionista de Vale do Lobo e, em 2015, foi constituído arguido da Operação Marquês.

Posteriormente, será ouvido Rui Horta e Costa, que também está presente na sala de audiências, no Campus de Justiça, em Lisboa.

Pela primeira vez, uma audição no âmbito da Operação Marquês conta com a presença do procurador do Ministério Público Rosário Teixeira.

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