Onde eu estava... pelo almirante Manuel Martins Guerreiro

Onde eu estava... pelo almirante Manuel Martins Guerreiro

É licenciado em engenharia naval e mecânica pela faculdade de engenharia da Universidade de Génova. Foi destacado dirigente do movimento da Marinha na revolução. Nasceu no ano de 1940, em São Brás de Alportel.
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Um dia de janeiro de 74: tinha 33 anos, morava em Algés, na Rua Parque Anjos onde ainda moro, deslocava-me de casa para a Direção das Construções Navais (DCN), no Ministério da Marinha, que ficava na Rua do Arsenal em Lisboa - ia de comboio ou de carro, se estava ligeiramente atrasado. No trajeto demorava cerca de 20 a 25 minutos, o trânsito era fluido quase sem paragens. 

Levantava-me às 07.50, tomava o pequeno-almoço com a minha mulher, que nessa altura estava a fazer o curso de Educadora de Infância em Benfica. Antes de partir, cerca das 08.30, beijava as filhas de 3 e 2 anos que dormiam ainda. 

Às 09.00 iniciava a jornada de serviço no departamento de Estudos da DCN, onde acompanhava e verificava os desenhos, estudos, cálculos e especificações do projeto de construção, em Espanha, das corvetas da segunda série, classe Baptista de Andrade, anotando lacunas, falhas e erros. O projeto de construção de um navio exige milhares de desenhos, cálculos, especificações técnicas manuais. Por vezes, ocupava-me ainda do estudo de algum problema específico dos navios operacionais em serviço.

Às 13.00 almoçava na messe dos oficiais no Ministério da Marinha, momento importante, em especial ao café, para trocar impressões com camaradas de outros serviços sobre a situação política portuguesa e a guerra colonial. E para combinarmos ações e atividades extra serviço 

Entre as 14.00 e as 14.30 retomava o trabalho na DCN. Ou deslocava-me à margem Sul, à Base Naval ou Arsenal para visitar navios e fazer verificações a bordo. Visitas aproveitadas para contactar os jovens oficiais embarcados e sentir o seu estado de espírito

Cerca das 17.30 acabava o serviço na DCN e iniciava um part time na Rua do Ferragial ao Cais de Sodré, na Mútua dos Navios Bacalhoeiros. Como engenheiro-inspetor da Mútua competia-me elaborar pareceres técnicos sobre todos os acidentes dos navios da pesca do bacalhau na Terra Nova ou nos portos nacionais de armamento, com vista à indemnização dos respetivos custos. Pelas 19.00 regressava a casa em Algés, estava com a família e brincava um pouco com as filhas, via os desenhos e bonecos que haviam feito no papel ou nas paredes, em espaço destinado a esse efeito.

Muitas vezes depois do jantar havia reuniões em que desenvolvia então outro tipo de atividade - a mobilização da Marinha para a futura mudança política, atividade iniciada em 1970 e que nos ocupava três ou mais horas por dia. E muitos fins de semana. Esta atividade passava em parte pelo Clube Militar Naval, a cuja direção, presidida pelo Comandante Pinheiro de Azevedo, pertencia.

Em paralelo a estas três atividades diárias, era professor da disciplina de arquitetura Naval na Escola Náutica, e dava aulas a um curso de marinheiros preparando-os para fazerem o 5.º ano do liceu. 
O meu dia de trabalho tinha cerca de 9 a 10 horas de trabalho. Só possível porque a minha mulher, parte ativa no processo, foi a âncora firme da nossa família.

Depoimento recolhido por Alexandra Tavares-Teles

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