“Desde miúdo que sempre tive o sonho de ser militar e o oceano sempre me fascinou”, começa por dizer, a partir do Navio Patrulha Oceânico Sines, ao largo dos Açores, o grumete Edgar Martins Pereira, 21 anos. “Além disso, queria desenvolver-me tanto a nível pessoal como profissional e achei que a Marinha podia oferecer-me isso”, prossegue..Edgar está na Marinha Portuguesa desde novembro de 2023. Inscreveu-se, passou pelo Centro de Recrutamento da Armada e todas as provas de aptidão física e psicológica, fez a recruta e a posterior formação na Escola de Tecnologias Navais, na Base do Alfeite, em Almada. .Esse mesmo percurso pode, agora, ser trilhado por outros jovens que queiram ingressar na Marinha: os concursos para praças estão abertos até ao dia 30 de setembro. Entre estes, encontram-se também a especialidade de fuzileiros. Aliás, a Marinha partilhou uma publicação na rede social X onde apela: Procura-se 1ª ‘Fuzileira’. .Ao DN, a capitão de fragata Marta Gabriel, chefe de repartição de recrutamento e seleção da Marinha, do Centro de Recrutamento da Armada, explica: “Desde 2008 que, em todos os ramos das forças armadas, os concursos estão abertos a rapazes e raparigas. No caso dos fuzileiros, as provas físicas são todas iguais. No caso dos outros praças, existem diferenças nas provas físicas, para masculinos e femininos. Mas nos fuzileiros o esforço é exatamente igual”..Já houve mulheres a concorrer à especialidade de fuzileiros mas nenhuma conseguiu concluir a formação e receber a boina. “Temos tido candidatas, com exceção do ano de 2021, em que na classe de oficiais não tivemos”, desvenda Marta Gabriel. “Não tem faltado interesse, sobretudo ao nível de praças. Só que entre a inscrição e a efetivação da candidatura se calhar pensam um bocadinho mais e acabam por não o fazer”, acrescenta a capitão de fragata.."Neste momento, só passaram duas raparigas, em 2019 e em 2023. Só que ainda não tivemos nenhuma que lograsse sucesso, finalizasse e e recebesse a boina. Nos dois casos acabaram por desistir por questões de saúde, por se terem magoado”, acrescenta a chefe de repartição de recrutamento e seleção da Marinha. “Estas duas meninas chegaram a fazer a recruta, chegaram a jurar bandeira e iniciaram o curso de formação complementar de praças. As desistências aconteceram por estes motivos, mas também acontece o mesmo com rapazes”..A cerimónia de receber a boina acontece no final do curso complementar de formação, que dura cerca de seis meses. “A boina é um momento muito importante em que os militares ficam muito emocionados. A boina não é dada a toda a gente. É aquele momento que ainda se mantém com alguma solenidade e dignidade porque essa entrega, efetivamente, só acontece àqueles que aguentam até ao fim e têm essa capacidade”..Ainda no Centro de Recrutamento da Armada, a capitão de fragata Marta Gabriel especifica as funções daquele departamento. “Temos uma componente de divulgação, da comunicação das nossas oportunidades profissionais e a publicação de concursos”, afirma. “Estamos, também, no terreno, a fazer essas divulgações, com presenças nas escolas, por exemplo. A maior parte das vezes, até, isso acontece a convite e nós aproveitamos para fazer a divulgação de carreiras e para esclarecermos os cidadãos sobre o que temos para oferecer em termos de perfis profissionais, o que é que as pessoas poderão fazer se vierem colaborar connosco enquanto militares, na Marinha”..Para entrar na Marinha é preciso ter nacionalidade portuguesa, o mínimo de 18 anos de idade, o registo criminal limpo e ter frequentado o Dia da Defesa Nacional. As profissões que se podem desenvolver na Marinha são diversas, como dá conta a capitão tenente Liliana Santos. “Temos a subclasse de Serviço Naval de comunicação, cozinheiros, padeiros, técnicos de armamento e operações, mecânicos e motoristas, administrativos”..E explica o motivo da multiplicidade de profissionais que são formados e necessários na Marinha. “Quando temos um navio no mar temos de garantir que aquele navio é uma bolha social e que funciona em pleno, de forma independente e autónoma. Portanto, temos de garantir que temos todos os perfis profissionais a bordo, que nos garantam todas as necessidades daquela comunidade que ali se encontra. Além de todas as profissões de que já lhe falei, também precisamos de médicos e enfermeiros a bordo, socorristas, e todos sabemos como combater um incêndio ou um alagamento”. A capitão tenente Liliana Santos resume: “Há um sem fim de papéis e de oportunidades de formação e de enriquecimento profissional e pessoal para todas as pessoas que vêm para a Marinha”..Para quem ingressa em regime de contrato, no final, quando regressa à vida civil, pode encontrar trabalho na sua especialidade. “Há um paralelismo natural entre a Marinha e a comunidade. Depois, há funções mais específicas, como os manobras, em que esse paralelismo não é tão óbvio. Mas se olharmos para uma comunidade mais restrita, de quem anda no mar, em embarcações de recreio ou de pesca, imediatamente também há aqui oportunidades”, realça a capitão tenente Liliana Santos. .Já a capitão de fragata Marta Gabriel dá o seu exemplo pessoal para mostrar que é possível estudar e evoluir dentro da Marinha. “Está a falar com uma professora de Inglês/Alemão. Eu comecei, precisamente, como praça, como grumete de logística, e hoje sou capitão de fragata. Quando entrei já tinha o primeiro ano de faculdade e a Marinha acabou por ser a casa que me acolheu e me permitiu estudar”..Marta Gabriel garante: “Nós gostamos que as nossas pessoas estudem e se valorizem e foi isso que, eu própria, encontrei na Marinha. A minha intenção, tal como dos outros contratados, era seguir a minha vida da docência e ir dar aulas. Só que, entretanto, a Marinha abriu um concurso, estava interessada em professores de Inglês, e eu concorri. Até hoje, já são 31 anos de Marinha”..Além das competências profissionais, Marta Gabriel elenca outras: “A diversidade de oportunidades que se encontram na Marinha acabam por alavancar competências sociais e de enriquecimento pessoal. De nos relacionarmos uns com os outros, em sociedade. De criar bons cidadãos e cidadãs. A Marinha, como parte do país, está a preparar estas pessoas. Não somos um grupo isolado. Somos cidadãos e cidadãs inseridos no país e temos muito gosto em proporcionar estas aprendizagens aos nossos jovens”..Os dados revelam que tem havido uma procura crescente pelo ingresso na Marinha. Em 2021 foram admitidos 109 praças. No ano seguinte, o número baixou para os 99, mas em 2023 houve um grande aumento, com a entrada de 358 praças. Este ano, já entraram na Marinha 145 praças. “Temos vindo a melhorar substancialmente. Queremos acreditar que tem sido por um esforço conjunto de mitigar e de reconhecer onde é que tínhamos alguns problemas. Fomos também melhorando e adequando o nosso modo de comunicar, para ir ao encontro da linguagem da população mais jovem. Por exemplo, se nós dissermos que precisamos de pessoal da taifa, se calhar, ninguém entende. Mas se falarmos em cozinheiros, já toda a gente percebe”, explica a capitão tenente Liliana Santos. .O DN passou, ainda, um dia inteiro na Escola de Tecnologias Navais (ETNA), na base do Alfeite, onde acompanhou os alunos que já passaram pela recruta e estão ali a fazer a sua formação, neste caso os praças da classe de Serviço Naval. “É na Escola de Fuzileiros que eles fazem o curso de formação base, que é a recruta”, começa por dizer o capitão tenente Marques Araújo, chefe do Departamento de Formação Geral da ETNA. “São seis semanas de formação em que eles aprendem o b-a-ba daquilo que é ser-se militar: saber marchar, uniformizar-se, manejar uma arma e, ainda, conhecer os valores e as regras da Marinha”..No final da recruta há o juramento de bandeira. “Depois, consoante as classes para as quais eles concorreram e foram aceites, partem para as respetivas escolas. O que pôde observar aqui foi a classe de Serviço Naval mas todas as restantes classes, exceto os mergulhadores, acabam por divergir para a ETNA, onde recebem a formação técnica, durante cerca de nove meses”..Logo pelas 08:20 da manhã o DN assistiu à “Ordem Unida”, ou seja, a formatura, na parada, seguida de vários exercícios, durante uma hora. Mais tarde, passámos pelas salas de aulas práticas de motores, por uma aula teórica de cibersegurança e ainda pela piscina, onde os formandos aprendem tudo o que precisam para salvaguardar a sua segurança, bem como dos camaradas, em meio aquático. Depois do almoço, houve aula de procedimentos de marinharia - em que os alunos aprendem a fazer os diversos nós em cordas - e ainda uma aula de condição física geral, que incluiu corrida, flexões e abdominais. .O comandante Marques Araújo avança: “Eles têm uma formação muito ampla. No final, têm de estar preparados para desempenharem logo as funções de um praça a bordo de uma unidade naval. Todos saem daqui preparados para operar em qualquer navio, exceto submarinos. Esta diversidade formativa abre portas a que eles possam, de uma forma mais diversa, explorar todas as possibilidades que têm no futuro”. .Não há um perfil específico do candidato à Marinha. “Temos aqui apanhado várias pessoas, de várias origens, de locais diferentes e com diversas histórias de vida”, observa Marques Araújo. “As pessoas chegam com diferentes motivações. Há quem venha de meios mais pobres, como há aqueles que são de classes sociais mais altas. Há candidatos com o nono ano, como há casos que estão aqui e têm cursos de formação superior já adquiridos. No entanto, encaram o percurso na Marinha, nomeadamente o percurso como praça no Serviço Naval, como uma oportunidade para poderem fazer outras coisas que, eventualmente, não se estavam a rever na formação que tiraram”..O chefe do Departamento de Formação Geral da ETNA indica o grande objetivo da escola. “Aquilo que damos aos nossos militares são tudo ferramentas para eles agarrarem todas as oportunidades com as quais se podem cruzar na vida”..Ao mesmo tempo, o capitão tenente dá conta da capacitação humana dos militares da Marinha, alicerçada nos valores desta entidade militar. “Os grandes valores da Marinha são a coragem, a lealdade e a camaradagem. São pedras basilares. A lealdade é o cimento que nos cola, porque se não formos leais não temos a confiança de ninguém”, analisa. “Não temos a confiança uns dos outros. E não podemos confiar em quem está ao nosso lado no meio do navio, que, ainda por cima, é um espaço confinado. Por muito bonito que seja o meio envolvente, que é o mar, é um ambiente adverso. E por mais esforço que empenhemos para poder correr tudo bem, o perigo existe e está sempre presente”, avisa. “Temos de ter confiança no camarada ao nosso lado. E usando a palavra ‘camarada’, a camaradagem é isso mesmo. É estarmos uns com os outros”..Há ainda, segundo o capitão tenente, outros valores essenciais, na Marinha. “A disciplina é essencial e não é por uma questão de subordinação. Temos de ter disciplina para conseguirmos levar as coisas adiante. A disciplina é a mãe da organização”, completa o chefe do Departamento de Formação Geral da ETNA..O papel de Marques Araújo é amplo, na ETNA. “As minhas funções, enquanto comandante do Corpo de Alunos, será administrar e gerir as pessoas, no caso os alunos desta unidade, no que diz respeito à componente militar. Não se trata de uma mera supervisão: tenho de ter contacto de proximidade com os alunos”..Quando surge alguma questão, Marques Araújo está na linha da frente para dar todo o apoio ao aluno. “Quando eles têm problemas, não é só ao psicólogo que tem de ir. Quando há histórias sensíveis, eu tenho de os ouvir”..Aliás, Marques Araújo realça: “A parte mais relevante da minha função como comandante de alunos é essa. É acabar por perceber, principalmente nas fases em que eles mais precisam da nossa mão, o estado em que eles estão e como é que nós os podemos ajudar. Temos de perceber o que é que os pode deitar mais abaixo: É a exigência física? É a disciplina? Mas, normalmente, são sobretudo questões de caráter pessoal ou familiar e nós damo-nos conta disso quando, por exemplo, o rendimento de um aluno baixa ou ele pensa em desistir”..Quem não pensa desistir é o grumete Andrade Crispim, de 20 anos, que o DN encontrou na ETNA. “O meu bisavô foi marinheiro e resolvi seguir-lhe as pisadas. Do que tenho aprendido aqui posso dizer-lhe que tenho gostado de tudo”. O mesmo sucede com Lourenço Martins e Ana Amorim. “Estou muito entusiasmada e feliz. Sempre quis fazer parte das Forças Armadas e até agora está tudo a corresponder às minhas expetativas”, assegura a grumete..Lourenço Martins já antevê o momento de embarcar, em alto mar. “É uma sensação de alegria podermos participar numa coisa que não é possível no mundo lá de fora. Visitar novos países, ter novas experiências, conhecer novos camaradas. Acho tudo isto incrível!” Ana Amorim concorda com o camarada: “Ingressar em missões é algo que me anima bastante. Dá-me a possibilidade de concretizar os dois maiores objetivos da minha vida: servir o meu país e conhecer o mundo”.