Lisboa vai doar ossadas abandonadas ao Canadá

Câmara deu resposta positiva a pedido de investigador português que trabalha em universidade canadiana e que procura agora reunir fundos financeiros para o transporte
Publicado a
Atualizado a

A Câmara de Lisboa vai doar ossadas abandonadas nos cemitérios da cidade à Universidade de Simon Fraser, no Canadá. Os esqueletos destinam-se a investigação científica, forense e arqueológica e à formação de alunos em "anatomia óssea e humana".

O processo, que teve luz verde da autarquia em junho, depois de pareceres favoráveis da Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida e do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF), está agora dependente de fundos financeiros para o transporte. Hugo Cardoso, o académico que endereçou o pedido ao município, começou por solicitar entre cem a 200 exemplares, mas ao DN explica: "Dado os valores elevados em causa para o transporte, talvez dez ou 20 ossadas sejam possíveis", um número ainda sujeito a revisão "para cima ou para baixo". O transporte, diz o investigador, obriga a uma "série de etapas e a custos elevados a elas associados, como sejam a emissão de documentos ou a exigência internacional de transporte em urna metálica selada". Professor auxiliar no departamento de arqueologia e codiretor do Centro de Investigação Forense da Simon Fraser University, Hugo Cardoso solicita no pedido dirigido à câmara a doação de "uma pequena série de esqueletos humanos modernos", com um quadro temporal "amplo", desde o final do século XIX até meados do século XX. O investigador explica no documento que os esqueletos modernos são fundamentais para o "estudo das populações do passado" - é a partir deles que é possível, por via comparativa, "conhecer a história evolutiva humana, a vida dos povos pré-históricos e históricos."

Exemplos? É a partir da observação destes esqueletos que é "possível perceber que, por exemplo, as mulheres têm geralmente um osso púbico com uma determinada morfologia que a distingue da dos homens. Ou que indivíduos mais idosos apresentam um determinado nível de degeneração de algumas articulações e que essa degeneração apresenta uma forte associação com a idade", acrescenta, em declarações ao DN. É esta a base da determinação do sexo e da idade de esqueletos históricos ou pré-históricos. Ou "até mesmo de restos humanos que necessitam de ser identificados quando encontrados em contexto médico-legal ou forense".

"As universidades e museus procuram este material porque é um material pedagógico e de investigação de grande valor, pois os esqueletos por norma estão bem preservados, existe alguma informação sobre os indivíduos, frequentemente o sexo e a idade, mas também para se conhecer o contexto em viveram e morreram", diz Hugo Cardoso. Além da componente de investigação científica, o docente sublinha no pedido dirigido à autarquia a importância pedagógica das ossadas. O seu departamento na universidade canadiana tem vindo a perder "algum do material que utiliza para o ensino devido ao uso prolongado, ao longo de mais de 50 anos, do pouco [material] existente. E acrescenta que "um pouco por toda a Europa do Sul e América do Sul este tipo de doações são comuns, mas não necessariamente frequentes". "Na minha modesta perspetiva, a utilização destas ossadas para fins científicos, e quando conservadas em condições ética e cientificamente adequadas, constituem um fim mais digno do que a sua incineração", conclui Hugo Cardoso.

Face à solicitação da universidade canadiana, a Câmara de Lisboa pediu parecer ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e ao Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses. Em ambos os casos foi dada luz verde. "Os cemitérios que tiverem a guarda de ossadas consideradas abandonadas podem cedê-las a título definitivo (doá-las) à Universidade de Simon Fraser", conclui o INMLCF. Mas com algumas condições: "Atender à vontade manifestada em vida pelo falecido, através da consulta ao Registo Nacional do não Dador" ou, à falta desta, à vontade de quem tenha legitimidade para se pronunciar sobre o destino dos restos mortais. Já o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida impõe a salvaguarda do rigoroso anonimato das ossadas.

O parecer do Instituto Nacional de Medicina Legal enquadra o conceito de ossadas abandonadas: "As ossadas depositadas em cemitérios municipais poderão ser consideradas abandonadas quando, expirados os prazos correspondentes às taxas pagas e apesar de notificados nesse sentido, os interessados nesses depósitos desistam ou não declarem desejar mantê-las."

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt