Filipe Rosas: Sismo em Lisboa? "Não devemos alarmar-nos, o medo é sempre mau conselheiro"
Professor e geólogo admite que o território nacional "é uma zona de risco sísmico", mas sublinha que o risco aqui "não é igual ao da Anatólia ou da Califórnia". O facto de a falha que nos afeta estar no mar ajuda: "Não temos o perigo debaixo dos pés". E por isso acredita que tão cedo não haverá um abalo como o de 1755, ainda que apele à fiscalização de construção e treino de emergência.
1 de novembro de 1755: Lisboa acordou nesse dia com frio, mas sol e às 9h30 da manhã, durante sete minutos, de acordo com uns relatos, ou 15, segundo outros, a cidade e arredores foram sacudidos por um terramoto de nove pontos na Escala de Richter - que vai até dez. Lisboa colapsou. Estima-se que mais de 50 mil pessoas tenham morrido, 35 igrejas, 55 palácios e cerca de 10 mil casas terão acabado em escombros.
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O terremoto desta semana, na Turquia e na Síria, fez soar de novo os alarmes para a discussão: estamos ou não preparados para um novo terramoto? Geólogo, investigador e professor universitário, Filipe Rosas vai guiar-nos na descoberta.
O sismo que aconteceu na Turquia surpreendeu-o pela gravidade?
Sou geólogo da Faculdade de Ciências e os meus colegas sismologistas dizem que naquela área em particular já há muito tempo que não havia uma magnitude tão elevada. Nesse sentido, corresponde a uma surpresa, mas no aspeto científico não é de estranhar porque os sismos ocorrem em cima de uma falha e quanto mais tempo decorre entre um sismo e outro, maior é a quantidade de energia que se tende a libertar. Portanto, o facto de não ocorrer um há muito tempo potencia a ocorrência de sismos de maior magnitude - nesse sentido, não é surpreendente. Mas, de facto, naquela zona que é a chamada falha da Anatólia Leste, uma das que acomodam o movimento lateral do bloco da Turquia e da Anatólia para oeste em relação ao Mar Egeu, e já não havia sismos de magnitude tão elevada desde 1970, se não estou em erro. Houve vários sismos, há sismicidade bem monitorizada, mas não havia sismos com magnitude maior do que seis ou sete, pelo menos, há bastante tempo.
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Porque é que essa zona é tão propensa a sismos e isso tem algum paralelo com Portugal?
Acho que antes de falarmos dos casos em concreto seria interessante para as pessoas que nos estão a ouvir perceberem o que é um sismo. Primeiro digo o jargão técnico, depois tento descodificar. Os sismos são a manifestação súbita de energia elástica, isto é, o material rompe-se de forma brusca e liberta essa energia na forma de ondas sísmicas. O que é isto da energia elástica? O comportamento elástico é aquele que se caracteriza pela circunstância de quando aplico uma força a um determinado corpo. Por exemplo, estou a tentar dobrar uma régua e até ao limite da elasticidade, se deixar de dobrar a régua ela recupera a sua forma original. Mas a partir de um determinado limite, há uma rutura e uma libertação súbita de energia, portanto, do ponto de vista mecânico - e de forma muito prosaica -, isto é o que caracteriza o comportamento elástico. Por oposição a este comportamento, e a coisa é mais complicada, mas vale a pena dar o contraponto, temos o comportamento viscoso. Imaginem a plasticina, por exemplo, que sofre uma deformação permanente quando exercemos força, isto é, se deixarmos de fazer força ela fica imediatamente registada na distorção que o corpo sofre.
Há estes dois contrapontos do ponto de vista do comportamento mecânico. E um dos aspetos essenciais que condicionam o tipo de resposta mecânica, elástica ou viscosa, é evidentemente a temperatura a que o material se encontra.
Como é que influencia?
O que acontece é que a Terra tem uma temperatura muito maior no seu interior do que na superfície, mas não quer dizer que o interior esteja fundido ou líquido - porque não está, à exceção do seu núcleo externo. De facto, a sua camada mais exterior, a mais fria, tem um comportamento elástico, parte-se, é crocante e estaladiça e está subdividida num conjunto de pedaços a que chamamos placas tectónicas. O que acontece é que estes bocados da camada crocante e estaladiça da Terra movem-se uns em direção aos outros. É nesta fronteira entre as placas que ocorrem os sismos, como resultado da acomodação deste movimento. O movimento à escala do tempo geológico, que é um tempo enorme que toma por unidade um milhão de anos. Portanto, à escala desse tempo o movimento das placas é contínuo, mas à escala antropogénica o que acontece é que como o comportamento das placas é elástico, quando duas chocam ou deslizam uma em relação à outra, acumula-se energia. Depois da acumulação da tensão elástica que resulta desse contacto, a partir de um determinado limite de resistência mecânica do material gera-se uma falha - ou uma que já lá estava propaga-se ainda mais -, rompe-se um novo sítio e isso suscita uma libertação de energia mecânica na forma de ondas sísmicas. As ondas sísmicas resultam da vibração das partículas materiais, dos átomos e das moléculas que constituem o meio que estamos a considerar. E o facto de serem elásticas faz que a vibração que sofrem quando a onda se propaga seja recuperada, isto é, quando a onda passa a deformação não é permanente, é recuperável. A onda propaga-se através desse pulsar que tem diferentes geometrias e, em função disso, as ondas classificam-se de maneiras diferentes. É isso que gera à superfície a destruição e propagação dessa energia, que por sua vez gera o efeito destrutivo que vemos.
"As réplicas podem durar várias semanas (...) sendo que os sismos que resultam são progressivamente e necessariamente de menor magnitude, mais espaçados e em menor número."
E este efeito destrutivo pode ter várias réplicas. No caso de um sismo tão grave como este, quanto tempo podem durar as réplicas?
As réplicas podem durar várias semanas. Quando temos um sismo grande, como há esta libertação súbita de energia, a distribuição do estado de tensão regional muda. Se tivermos duas placas tectónicas a moverem-se uma em relação à outra e a acumularem tensão antes de haver libertação de energia, a tensão está a concentrar-se progressivamente e de repente é propagada pelas ondas sísmicas causando a falha e o sismo. E isso implica uma reorganização da energia da tensão elástica nessa zona e essa reorganização faz-se no primeiro momento, sobretudo através da libertação de energia sísmica no sismo principal, mas depois demora o seu tempo a terminar essa reorganização. As falhas e acidentes mais pequenos vão representar o prolongamento da dissipação dessa energia, sendo que os sismos que resultam disso são progressivamente e necessariamente de menor magnitude, mais espaçados e em menor número. Há uma coisa que gostava de explicar: as falhas sísmicas não devem ser vistas isoladamente.
"O problema do risco sísmico não pode ser visto considerando isoladamente uma falha (...) A ideia que as pessoas têm de que a seguir a um sismo há um período de latência, de forma geral está correta, mas depende criticamente da distribuição das falhas no local. Um sismo numa falha pode antecipar novo sismo noutra."
De que forma?
Isto é, falamos da falha do Marquês de Pombal, da Ferradura ou da Anatólia Leste, mas havendo uma área de rutura preferencial, o que vamos ter é um sistema de falhas. Ou seja, o problema do risco sísmico não pode ser apreciado e quantificado considerando uma falha isoladamente. No caso do sismo da Turquia temos a placa arábica que choca com a placa euro-asiática a norte, mas no meio "entalada" entre as duas temos a Turquia, a que chamamos o bloco da Anatólia. O que acontece é que esse bloco está a ser espremido e começa a deslocar-se para o Mar Egeu. Essa deslocação faz-se à custa de um deslizamento lateral, portanto, em vez de ser um movimento que coloca uma placa em cima da outra, é um movimento que faz deslizar uma placa lateralmente em relação a outra. Esse movimento deslizante que acomoda o escape lateral do bloco da Anatólia coexiste com outro movimento que é de choque frontal entre a placa arábica e a euro-asiática. Portanto, o que é expectável é que tenhamos duas famílias de falhas, umas são as falhas do desligamento e as outras são as que acomodam a compressão. Se uma destas falhas estiver a cortar a outra, se uma rompe, a outra que estava perto de romper fica muito mais próxima de quebrar. Portanto, a ideia que as pessoas têm de que a seguir a um sismo há um período de latência, de uma forma geral está correta, mas depende criticamente da configuração do desenho da distribuição das falhas no local. Isto porque um sismo numa falha pode antecipar um novo sismo numa outra falha.
Neste caso específico, porque é que está a ser tão letal? Tem que ver com a profundidade do próprio sismo?
Exatamente. Isto acontece por duas razões: primeiro, a falha atinge um domínio continental, e a segunda razão tem que ver com a profundidade ser crostal, ou seja, a crosta terrestre tem uma espessura média de 35 quilómetros e este sismo ocorreu a cerca de 18 quilómetros de profundidade. Portanto, a infraestrutura material e as cidades estão potencialmente sobre o acidente tectónico e, por isso, a proximidade da fonte de energia é muito maior e o potencial risco de destruição é muito grande.
Em Portugal pode acontecer algo deste género?
Primeiro, é preciso dizer que o território nacional é uma zona de risco sísmico, mas a segunda coisa a dizer é que o risco não é igual ao da Anatólia ou na Califórnia. Não sendo igual, não quer dizer que não tenha a capacidade de gerar sismos de grandes magnitude como o de 1969 que teve uma magnitude de 7.9, um pouco mais elevado que o da Turquia. Mesmo o de 1755, não sendo ainda possível medir a magnitude dos sismos naquela altura, teve uma magnitude estimada de 8.8, diria. O que a magnitude traduz é a quantidade de energia libertada no hipocentro, isto é, associada à rutura no plano de falha, enquanto a intensidade é a medida de destruição de um sismo.
Ou seja, um sismo de menor magnitude pode ter uma intensidade maior, como é o caso da Turquia, precisamente por ser mais superficial e numa zona continental. Mas pode haver sismos de grande magnitude em Portugal, aliás, já houve em 1969 - a geração dos meus pais lembra-se perfeitamente desse sismo.
"Como as placas se mexem muito mais lentamente, os sismos são menos recorrentes na proximidade do nosso território, mas a magnitude pode ser, e é, igualmente elevada (...) Outra vantagem é as nossas principais fontes sismogénicas e tsunamigénicas estarem no offshore."
Mas é diferente em Portugal?
Explicando porque é que Portugal é diferente e porque é que o risco sísmico não é o mesmo - isto pode ser mais claro se tivermos em conta aquilo que comecei por dizer, que é que os sismos são a acomodação do movimento entre as tais placas tectónicas. Portanto, se as placas se mexem rapidamente a atividade sísmica é mais recorrente, mas se se moverem lentamente os sismos são menos recorrentes, mas isto não significa que não possam ter uma magnitude mais elevada. Por exemplo, na Anatólia as placas movem-se a uma velocidade de 1,5 a 2 centímetros por ano, portanto a placa arábica move-se para norte a uma velocidade que é aproximadamente a velocidade a que crescem as nossas unhas e o nosso cabelo. Numa falha que tem muitas semelhanças com a da Anatólia, a falha de Santo André, na Califórnia, a velocidade é ainda maior, são cerca de cinco centímetros por ano. Ou seja, estamos a falar de contextos geotectónicos em que a velocidade na Turquia é cerca de cinco vezes maior e na Califórnia cerca de dez vezes maior do que a velocidade a que se mexem as placas na proximidade do nosso território. No nosso território existe uma falha muito importante, a Falha da Glória, que une o ponto triplo dos Açores a Gibraltar e é também uma falha de deslizamento direito. Portanto, a placa euro-asiática e a placa africana chamada núbia movem-se uma deslizando em relação à outra, mas a uma velocidade muito mais lenta, em média quatro milímetros por ano.
Então esse pode ser um aspeto positivo para Portugal?
É um aspeto que deve ser tido em conta quando se avalia o risco sísmico, mas não é o único. Como as placas se mexem mais lentamente, os sismos são menos recorrentes, mas a magnitude pode ser, e é, igualmente elevada. A outra diferença muito substancial do ponto de vista do risco sísmico é que no nosso território, as principais fontes sismogénicas e tsunamigénicas - as estruturas tectónicas e geológicas capazes de gerar sismos de grande magnitude e até tsunamis -, estão no offshore, não atravessam o território. Temos algumas falhas que atravessam o território diretamente, mas que não têm o potencial de perigo sismogénico das grandes falhas que existem no offshore do sudoeste ibérico. Toda aquela área para sudoeste do Cabo de São Vicente e no sul do Algarve no offshore, é uma zona com falhas de enorme potencial sismogénico.
Portanto, o perigo está no mar e não imediatamente debaixo dos nossos pés, mas ainda assim chega cá de algum modo. Daquilo que sabe e pelo que estuda, considera que estamos preparados para uma situação destas?
Vou responder em duas partes. A primeira parte tem a ver com o progresso científico alcançado nos últimos anos, desde que comecei a estudar estas coisas o progresso foi brutal. Foi um esforço conjunto de vários cientistas fantásticos com os quais tive a sorte de trabalhar e de ter sido orientado, podia citar vários, mas posso mencionar o Pedro Terrinha no IPMA, o Miguel Miranda que é o atual presidente do IPMA, o Luís Matias e o João Duarte, enfim, são muitas pessoas. Há uma série de pessoas que fizeram da sua vida e do seu trabalho científico a compreensão da perigosidade sísmica à boleia do que era o mistério do sismo de 1755. É que o sismo de 1755 tem uma magnitude de 8.8 e esse tipo de magnitudes está geralmente associada às chamadas zonas de subducção - zonas em que uma placa tectónica se mete por baixo de outra, como aconteceu no Japão com tsunamis devastadores -, portanto, o grande mistério de 1755 é onde é que está a tal zona de subducção capaz de gerar esse sismo.
E ainda hoje não se sabe onde está?
Já se tem uma ideia muito melhor, mas há uma enorme discussão sobre isso. Mas o que aconteceu é que motivados por esse enorme mistério próximo da costa europeia, houve uma cartografia detalhadíssima do fundo do mar.
Mas o caminho que a investigação fez terá sido acompanhado da preparação das infraestruturas e das autoridades que acorrem nestas situações?
Primeiro, esta parte do avanço científico é fundamental para a segunda parte, mas o meu papel enquanto cientista e profissional termina na primeira parte. A resposta, a organização dos meios que existem na sociedade, é um assunto que me transcende, mas é evidente que o conhecimento que deve informar todas essas decisões. Hoje é totalmente diferente. Portanto, não há tanta desculpa, digamos assim.
"É inegável que há muita construção antiga que não foi fiscalizada e que foi construída numa altura em que essa legislação não existia ou era menos sofisticada."
Mas esse conhecimento que está disponível está a ser aplicado nos edifícios públicos e nas novas construções privadas?
Não gosto de falar sobre o que não conheço bem, mas enquanto cidadão sei que há muitos edifícios antigos que têm problemas de fiscalização. Penso que tem havido um progresso interessante e positivo do ponto de vista da legislação, embora deva confessar a minha ignorância sobre as leis em concreto. Mas daquilo que oiço dizer e das opiniões que vejo serem trocadas por especialistas da área, creio que o problema não está tanto no enquadramento legislativo que existe, mas mais da sua implementação e fiscalização. Além do facto inegável de que há muita construção antiga que não foi fiscalizada e que foi construída numa altura em que essa legislação não existia ou era menos sofisticada.
Mas acredita que as construções mais recentes, desde que há lei, estão a cumprir as normas de construção antissísmica ou não?
Também faço esta questão porque, esta semana, o Presidente da República disse que ia perguntar ao ministro da Saúde se os hospitais foram construídos com regras antissísmicas. Portanto, esta pergunta nem devia ser feita?
Está a fazer-me uma pergunta sobre um assunto que não conheço, não sei mesmo, não posso responder com honestidade intelectual a essa pergunta. Sei que tem havido progressos e que as coisas não estão como estavam há uns anos, mas se me pergunta se os hospitais têm sido construídos observando essas normas, quero crer que sim, mas não lhe sei responder.
"Os sismos não têm nada que ver com as alterações climáticas, já existiam sismos muito antes do aparecimento da humanidade e continuarão a existir muito depois de a humanidade desaparecer."
Enquanto cidadãos, como é que nos podemos preparar para um acontecimento deste género?
Vivemos num mundo muito marcado por um certo catastrofismo, sobretudo os jovens até pelo efeito antropogénico nas questões do clima. No outro dia fui à televisão e um dos jornalistas dizia-me que o seu sobrinho, com cerca de dez anos, lhe perguntou se os sismos eram um sintoma de o planeta estar doente e de o ser humano estar a estragar o planeta. Isto é como se fosse uma espécie de complexo judaico-cristão, mas geológico, é um complexo de culpa que me parece muito perturbante. Mas para deixar claro para quem nos ouve, os sismos não têm nada que ver com as alterações climáticas, já existiam sismos muito antes do aparecimento da humanidade e continuarão a existir muito depois de a humanidade desaparecer. Mas para responder à sua pergunta, acho que o ponto de partida deve ser o de não nos alarmarmos, não termos medo, porque o medo é sempre um mau conselheiro. A aflição e a irracionalidade que a acompanha deve ser contrabalançada com a informação e pelo cultivar do prazer que decorre de aprender sobre a geologia, sobre a tectónica e sobre a situação de Portugal. Não temos tempo de o discutir aqui, mas as falhas do sudoeste são fascinantes e as coisas que estão a acontecer são muito interessantes do ponto de vista geológico. A segunda coisa, além de cultivarmos o gosto pela informação, até porque isso nos ajuda a perceber e a relativizar o risco, o passo seguinte é estarmos preparados enquanto cidadãos para seguirmos as recomendações, da Proteção Civil, nomeadamente.
Não sei se aqui na TSF fazem os simulacros sísmicos, suponho que sim, os miúdos nas escolas sabem o que fazer porque fazem estes exercícios. Depois, é preciso conhecer o que fazer se estivermos, por exemplo, numa praia e sentirmos um tremor de terra. A minha mulher brinca comigo, diz que sou paranoico porque estou sempre a ver para que praia vou, sobretudo se não tiver uma arriba. Mas isso é algo que está no meu subconsciente, tentar pensar onde está a rota de saída, porque nos modelos que têm sido feitos, as ondas têm alguns quilómetros, portanto, se uma pessoa sentir um tremor de terra e sair da praia, entrar no carro e conduzir para o interior, à partida sairia da área mais afetada.
No entanto, claro que isto é totalmente impraticável numa praia com centenas de pessoas e se houver um sismo de magnitude elevada.

© Gerardo Santos / Global Imagens
"Não nos devemos organizar do ponto de vista das medidas e da gestão em função da possibilidade de estar para vir um grande sismo, mas sim em função da realidade, que é que vivemos numa zona de risco de sismos com magnitude média a alta. Dizer exatamente quando vai ocorrer é muito difícil."
Ou sobretudo se estivermos em pânico, num país pouco disciplinado como o nosso e sem treino de proteção civil. Concorda?
Acho que a prática não é tanta quanto seria desejável, mas também já não é a ausência total, como era antigamente. Se estes desastres naturais servem para alguma coisa nesse plano, espero que seja para chamar a atenção às pessoas, mas não para as assustar. O conhecimento e a ciência devem ser sempre fonte de bem-estar, diria eu.
Sem querer alarmar ou provocar medo, sendo Lisboa uma cidade com risco sísmico elevado, há algum modelo ou previsão que estime quando pode ocorrer um novo sismo de grande dimensão?
Não é fácil. É complicado responder a essa pergunta e acho que não nos devemos organizar do ponto de vista das medidas e da gestão em função da possibilidade de estar para vir um grande sismo, mas sim em função da realidade, que é que vivemos numa zona de risco sísmico de sismos com magnitude média a alta. Dizer exatamente quando vai ocorrer é muito difícil.
Mas há alguma janela temporal nesse milhão de anos de unidade de medida?
É um assunto muito discutido. Por exemplo, qual é o período de recorrência do sismo de 1755? É uma pergunta que é muito batida e difícil de responder, porque depende de uma outra coisa que é perceber qual é a fonte sismogénica e tsunamigénica do sismo de 1755. Ou seja, qual foi a falha, entre o conjunto de falhas que se conhecem no offshore do sudoeste ibérico, que gerou o terramoto de 1755. Quando conhecemos a falha é mais fácil, justamente porque a quantidade de energia libertada pelos sismos é proporcional à área de rutura. Portanto, se tivermos uma falha grande a área de rutura é maior e, por isso, a magnitude é maior e o período de recorrência é suscetível de ser estimado com base nisso. As falhas pequeninas têm um poder de recorrência mais pequeno. Uma forma de abordar o problema de uma maneira muito simplista e que não resulta, é pegarmos nos sismos pequenos e nas falhas pequenas que conhecemos, que têm um período de recorrência que conseguimos medir, e estabelecer uma relação linear entre o tamanho das falhas e o intervalo de tempo em que os sismos ocorrem. Se tivermos essa distribuição linear podemos extrapolar para os grandes sismos, mas o problema é que o sistema é natural, dinâmico e não-linear, em vez de ter uma reta tenho uma regressão linear e isso há de ter um erro.
Essa pequena oscilação representa um erro muito grande para os sismos de maior magnitude. Ou seja, mesmo quando conhecemos a falha, já a estudámos bem e já andamos a fazer medições há tempo suficiente, o problema de saber quando é que a falha que deu origem ao sismo de 1755 vai romper outra vez, debate-se logo com o problema de saber que falha é. Além disso, há uma enorme discussão porque gerou um tsunami. Por exemplo, há uma montanha do tamanho dos Alpes debaixo de água, a sudoeste do Cabo de São Vicente, o seu topo está a uns 15 metros e a base está a cinco quilómetros de profundidade. Essa montanha tem uma falha, cresceu à custa dela, e quando os geólogos fizeram essa cartografia pensaram ter encontrado a fonte sismogénica. Mas, na realidade, quando se fazem contas para a área de rutura que seria necessária para aquela quantidade de energia, a falha não é suficiente. Lá está, depois entra-se na especulação de que se calhar não foi só uma falha, mas sim várias, enfim, existem várias nuances. Estou a dizer isto para ilustrar a complexidade que enquadra o problema e a enorme dificuldade que é prever quando vem o sismo.
Mas quando diz que não dá para prever exatamente estamos a falar de uma escala de dez anos ou de 100 anos?
Vou responder correndo um risco, porque há colegas meus que não estão de acordo com isto, mas não acho que o período de recorrência do sismo de 1755 esteja para breve. Porque a interpretação que faço dos dados que estudei da tectónica da região, leva-me a presumir, com enorme dúvida, que o período de recorrência é bastante maior. No entanto, há colegas meus que acham precisamente o contrário e que dizem que devíamos estar preparados. Mas, evidentemente, um sismo de 7.9 ou de 8.8 não é a mesma coisa, mas a preparação e os meios que requer são bastante parecidos. Portanto, acho que devemos estar preparados, independentemente de estar por vir o de 1755 ou o de 1969. Não é propriamente a questão de saber qual é a recorrência do sismo de 1755 que deve condicionar a preparação.
E haverá algum relatório ou estudo científico recente que conheça que contenha a previsão das consequências de um possível sismo?
Deve haver certamente. Há vários trabalhos que lidam com aquilo a que chamamos o risco sísmico e até houve um projeto europeu onde participaram portugueses que trabalha isso de forma muito recorrente. Exatamente que zonas seriam mais afetadas e onde o grau de destruição seria maior, há estudos feitos sobre isso, até porque as companhias de seguros devem querer essa informação, embora não conheça isso em pormenor. Mas, por exemplo, a minha colega Madalena Baptista que estuda os tsunamis, há uns anos fez um estudo sobre as zonas mais afetadas por um potencial tsunami na zona do Algarve e também na zona de Lisboa. Não tenho a certeza se o estudo estará publicado ou não, porque como imagina são informações sensíveis do ponto de vista económico, da construção e da valorização.
E o governo sabe disso?
Penso que saberá, mas com toda a honestidade intelectual não tenho a certeza. No entanto, diria que é um dos elementos fundamentais, certamente. É uma boa pergunta para fazer aos responsáveis do IPMA que saberão responder a isso de imediato, já eu sou cientista e trabalho mais na área de estudar o fenómeno do que propriamente em projetar as respostas a dar a essas situações. Mas confesso a minha ignorância desse ponto de vista.
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