"Demolições e despejos em Portugal devem acabar já"
Esteve em Lisboa, Porto, Loures, Amadora. Como escolheu os locais a visitar?
Escolhemos os grandes centros urbanos, Lisboa e Porto, para ter uma noção geral e eu sabia da situação no bairro 6 de Maio, na Amadora, onde estão a ocorrer demolições e desalojamentos. Recebemos uma comunicação sobre isso, portanto tinha de ir lá ver.
Que problemas encontrou?
Ficámos muito preocupados com as condições em locais de habitação informal, nomeadamente em Loures, onde há comunidades a viver sem eletricidade, nem água canalizada. Estive no Porto, nas chamadas "ilhas" onde as pessoas vivem em condições deploráveis. Nunca tinha visto nada assim. São casas com 16 metros quadrados, com condições terríveis: materiais degradados, escorrimentos de águas, ratos. É uma verdadeira crise em termos de direitos humanos, com muitas pessoas doentes nas famílias que contactei por causa das condições em que vivem.
A quem cabe resolver a situação?
De acordo com as legislação internacional dos direitos humanos, a responsabilidade de solucionar estes problemas é dos governos a nível nacional e local. A mensagem que temos tentado passar aqui é a de que todos devem trabalhar em conjunto para isso. Parece que as questões de habitação são de jurisdição municipal, mas estas não podem fazer tudo sozinhas, com recursos limitados. Portanto, os dois têm a obrigação imediata de resolver esses problemas.
Quais são as suas recomendações nesse sentido?
Ainda são preliminares, mas há obrigações imediatas que as autoridades nacionais e municipais têm de implementar com urgência. Uma delas é acabar com demolições e despejos, sobretudo se deixam pessoas desalojadas, porque isso viola o direito à habitação.
Está a falar do bairro 6 de Maio?
Exato. Outra medida de caráter imediato é começar a desenvolver planos de recolocação para aquelas comunidades, bem como para as que estão nas "ilhas", o que terá de ser discutido com as próprias comunidades. Mas tem de se começar já. As pessoas precisam de saber que não serão despejadas e que há um plano para habitação adequada para elas.
Falou das medidas imediatas. E as recomendações a médio prazo?
É preciso desenvolver instrumentos legislativos e políticos de apoio à habitação condigna. Nesse sentido, deveria ser criada legislação nacional para dar suporte ao artigo 65 da Constituição portuguesa que garante esse direito e que forneceria a possibilidade legal de o fazer cumprir. Os direitos humanos não existem se não houver forma de os reclamar junto da justiça. A minha última recomendação tem a ver com o turismo e a liberalização do setor da habitação que ele tem ajudado a promover. Vi isso aqui em Lisboa, na Mouraria, e no centro histórico do Porto, com a proliferação de apartamentos de luxo para arrendamento por períodos curtos, o que me preocupa porque as pessoas podem ser despejadas para que os senhorios rentabilizem esses apartamentos com preços que os próprios inquilinos não podem pagar.
E isso, como se combate?
Terá de haver mais regulamentação, mas preciso de analisar o que poderá funcionar melhor em cada cidade. Há certos mecanismos, com taxas, que podem ser usados, mas isso não garante preços acessíveis aos locais.
Que problemas viu em Portugal que podem ser diretamente relacionados com a crise e austeridade imposta pela troika?
A austeridade é uma ideologia, uma fórmula, e viu-se isso muito claramente com a liberalização do mercado de habitação. Com isso veio uma série de medidas com um impacto negativo nas pessoas em situação mais vulnerável, como a maior facilidade de os senhorios despejarem os inquilinos. Não digo que a legislação não devesse ser modernizada, na verdade isso deveria acontecer a cada cinco anos, porque a dinâmica socioeconómica muda e em Portugal ela não mudava há muitos anos. Mas houve uma liberalização para além do que devia, o que chamo uma "uberliberalização". A pobreza subiu para 20% em Portugal. É muito. Os gastos com habitação social em Portugal, em 2008, representaram 0,9% do PIB e, em 2014, 0,7%. Os números falam. Quando se tem uma população pobre com poucos recursos e apartamentos de luxo em construção, a habitação social pode ser a única opção viável para um segmento da população.
Faz este tipo de investigação há 20 anos, e nos últimos dois para a ONU. Que tendência marca estas duas décadas?
As coisas têm piorado: as condições em que as pessoas são obrigadas a viver e a complacência dos governos para com isso. A habitação é cada vez mais um produto financeiro. Ao contrário da saúde e da educação, não é encarada como um bem social, mas como um negócio. E à medida que caminhamos para o "ubercapitalismo"e que abraçamos a liberalização generalizada, torna-se mais difícil fazer progressos na habitação enquanto direito humano.