Declaração de Lisboa aprovada. Agora é "preciso ação"
Agora é "preciso ação". Foi com estas palavras que Marcelo Rebelo de Sousa encerrou ontem a Conferência dos Oceanos, minutos depois de o plenário ter aprovado por consenso o texto final do encontro, que ficará como a Declaração de Lisboa, um documento-guia para a preservação dos oceanos. Foi o desfecho de cinco dias de trabalhos da conferência coorganizada por Portugal e pelo Quénia, e que decorreu no Pavilhão Atlântico, em Lisboa.
"Queríamos, juntamente com o Quénia, fazer desta conferência um sinal de paz, numa altura de pandemia e guerra", referiu o Presidente da República, defendendo que a cimeira que decorreu no Pavilhão Atlântico superou as expectativas e apresentando-a como uma vitória do "multilateralismo" contra o unilateralismo.
Miguel Serpa Soares, subsecretário-geral da ONU, chamou-lhe "uma declaração musculada", defendendo que o texto vai além do diagnóstico e define prioridades e orientações políticas que devem guiar a ação dos Estados na preservação dos oceanos. Declarações feitas na conferência de encerramento, já depois de ter falado ao plenário da conferência em nome do secretário-geral da ONU, António Guterres. Para Serpa Soares, a aprovação do texto "manda um sinal forte da necessidade de agir decisiva e urgentemente para melhorar a saúde, o uso sustentável e a resiliência" dos oceanos. "Apesar de desafios avassaladores, a conferência foi um enorme sucesso", sustentou, apontando a cada vez maior centralidade do tema dos oceanos na agenda pública mundial: "Inesperadamente, 2022 está a transformar-se num super-ano para os oceanos". "Há esperança de que haja a vontade política necessária para salvaguardar o futuro do oceano", acrescentou o responsável da ONU, sustentando que "ainda não é demasiado tarde para quebrar o ciclo do declínio da biodiversidade, aquecimento, acidificação e poluição marinha".
Mas se é certo que a declaração (cujo texto já tinha sido acertado em Nova Iorque e não foi reaberto em Lisboa) foi aprovada por unanimidade, não deixaram de se ouvir algumas declarações de voto com reparos, nomeadamente dos Estados Unidos, a lembrar que há limites à partilha de dados abertos - uma das medidas que é preconizada no documento.
Nada que tenha ensombrado as palavras de regozijo das Nações Unidas e dos dois países responsáveis pela organização da conferência. Na conferência de encerramento, o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, anunciou que foram "inscritos mais de dois mil compromissos" numa plataforma criada para o efeito e que 670 desses compromissos são quantificáveis."Em termos de financiamento, temos compromissos na ordem dos 10 mil milhões de euros, sete mil milhões vindos da União Europeia", avançou o governante.
A Declaração de Lisboa defende que é necessária "mais ambição a todos os níveis para resolver o terrível estado do oceano", com os signatários a afirmarem-se "profundamente alarmados pela emergência global que o oceano enfrenta" e que se reflete na subida do nível das águas, na crescente erosão das regiões costeiras, num oceano "mais quente e mais ácido". "A poluição marinha aumenta a um ritmo alarmante, um terço dos stocks de peixe são sobre-explorados, a biodiversidade continua a diminuir e perdeu-se aproximadamente metade dos corais, enquanto espécies invasoras colocam uma substancial ameaça aos ecossistemas marinhos", refere o documento. Intitulado O nosso oceano, o nosso futuro, a nossa responsabilidade, o texto admite o "falhanço coletivo" em quatro das dez metas previstas no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 (um dos 17 objetivos definidos pelas Nações Unidas em 2015) e que deveria ter sido alcançada em 2020. O texto enuncia vários objetivos a atingir no futuro - promover o estudo científico e a recolha de dados, desenvolver formas inovadoras de financiamento da economia azul, reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa do transporte marítimo internacional -, mas sem especificar prazos de implementação.
Ao longo da conferência, vários países assumiram, a título próprio, compromissos para o futuro. Foi o caso de Portugal, com António Costa, logo no dia de abertura, a prometer "transformar a pesca nacional num dos setores mais sustentáveis e de baixo impacto a nível mundial", com "100% dos stocks dentro dos limites biológicos sustentáveis", ou a classificar "30% das áreas marinhas nacionais" até 2030 (uma promessa que foi deixada por vários países). O primeiro-ministro português disse também querer atingir os dez gigawatts de capacidade em energias renováveis oceânicas até 2030 e duplicar o número de startups na economia azul. Já os países da CPLP acordaram a criação de uma plataforma de cooperação para a promoção da pesca sustentável e o combate à pesca ilegal.
Um dos anúncios mais significativos foi feito pela Austrália, que anunciou o investimento de 1,1 mil milhões de euros, nos próximos dez anos, na preservação da Grande Barreira de Coral, classificada como Património Mundial da UNESCO, e que tem sido fortemente afetada pelo aquecimento global. Com uma superfície de 348 mil quilómetros quadrados, o maior sistema coralino do mundo está a sofrer um branqueamento massivo de corais e corre o risco de ser declarado Património Mundial em Perigo.