Com os incêndios florestais a constituírem uma preocupação cada vez maior num mundo onde as alterações climáticas em curso propiciam fogos mais frequentes e violentos - como Portugal voltou a sofrer na pele neste verão -, a investigação por novas técnicas de recuperação de áreas queimadas ganha também uma importância acrescida. Na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, as investigadoras Juliana Monteiro e Cristina Branquinho lideram um projeto que tem no musgo o protagonista principal de uma solução de “restauro ecológico” que pode ajudar a uma regeneração “mais rápida, eficiente e sustentável” dos solos ardidos..Os musgos fazem parte do conjunto das chamadas crostas biológicas de solo, ou biocrostas, que contemplam ainda outros organismos como líquenes e cianobactérias, uma comunidade que “não recebe a devida atenção quando se fala em gestão ambiental ou florestal”, refere ao DN a investigadora Juliana Monteiro. Estas biocrostas “revestem a camada superficial do solo, como se de uma pele se tratasse, e são fundamentais nos ecossistemas”. Ora, além das árvores e arbustos, também esta pele sai queimada dos grandes incêndios, deixando os solos mais vulneráveis à erosão e às escorrências superficiais, problema comum com as primeiras chuvas após os fogos..Segundo a investigadora, os musgos “são capazes de estabilizar o solo, agregando partículas e evitando a perda por erosão”, e “ajudam a aumentar a infiltração de água, essencial para a regeneração do solo”, além de serem também benéficos para o ciclo de nutrientes do solo. “Fixam nutrientes essenciais como o azoto e o carbono, o que aumenta a fertilidade do solo e promove o estabelecimento de outras plantas”, aponta. “Esse processo de fixação de nutrientes é crucial, especialmente em solos que perderam matéria orgânica após incêndios”, acrescenta Juliana Monteiro, catalogando estes organismos como “engenheiros do ecossistema, porque desempenham importantes funções que vão alterar o espaço daquele ecossistema”..Descendentes das algas verdes, os musgos terão sido as primeiras plantas a evoluir em ambiente terrestre, há centenas de milhões de anos, e, acredita a comunidade científica, terão sido responsáveis pela transformação do ambiente terrestre estéril primitivo, abrindo caminho à evolução de diferentes expressões da vida no planeta..Neste projeto, que está a ser desenvolvido na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, a equipa de investigadores desenvolveu já trabalho de campo em áreas ardidas, em concreto na zona da Beira Alta, em florestas de carvalho negral que ardem com muita frequência, comprovando a capacidade destes organismos para colonizar as áreas ardidas e promoverem o restauro ecológico. Uma regeneração que pode ser potenciada se “promovermos a aplicação destas biocrostas ao longo das zonas afetadas”, defende Juliana Monteiro..Para isso, o projeto liderado por esta cientista no âmbito do seu doutoramento, e supervisionado por Cristina Branquinho, visa a criação de uma técnica de restauro baseada no cultivo de musgos em laboratório e estufa, para posterior implementação nas áreas queimadas, tendo identificado já as espécies de musgos mais resistentes à seca..“Se repararmos, eles têm formas muito diferentes. Há uns que formam uma espécie de leques, que são as espécies que gostam mais de estar em áreas húmidas, e depois há outros que formam umas espécies de almofadas. Ora, esta é uma adaptação à perda de água. Estas espécies mais resistentes à seca são aquelas que surgem primeiro logo após o fogo. E naturalmente também são espécies com uma grande taxa de crescimento, desenvolvem-se rapidamente, conseguem resistir àquele ambiente muitas vezes inóspito, próprio do pós-fogo”, explica Juliana Monteiro..É, de resto, essa capacidade de regeneração que torna estas biocrostas nos candidatos ideais para a recuperação de solos degradados. “Os musgos têm a incrível habilidade de se regenerar a partir de fragmentos”, explica a especialista. Mesmo pequenas partes de uma folha de musgo podem dar origem a novas plantas, graças à sua reprodução vegetativa. Essa capacidade, combinada com o fato de que os musgos crescem horizontalmente, cobrindo o solo, faz deles uma espécie de “esponja natural”, ajudando a reter água e a proteger o solo da desidratação..“Esses musgos são mais resilientes do que se imagina. Mesmo em áreas queimadas com alta severidade, onde o solo está praticamente reduzido a cinzas, eles conseguem regenerar-se em pouco tempo, formando uma cobertura significativa em menos de dois meses”, afirma a cientista, que passou uma temporada nos Estados Unidos, na Northern Arizona University, onde aprendeu técnicas de cultivo de musgos e colaborou em estudos semelhantes. “Nos EUA, a pesquisa sobre crostas biológicas está a avançar, sendo utilizada não apenas para recuperação de áreas queimadas, mas também para solos afetados por desertificação”, refere.