André Fernandes, foi comandante nacional da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (2020-2025) e durante esse período procuraram preparar-se para enfrentar tudo o que correu mal em 2017, incluindo os cada vez mais frequentes fenómenos climáticos extremos. Como é que sente ao assistir ao que tem acontecido nos últimos dias, às críticas de descoordenação e aos dedos apontados à Proteção Civil?Por vezes podemos cair na tentação da crítica fácil. Muitas vezes é uma crítica destrutiva e não construtiva. Infelizmente, penso que o próprio sistema em que todos nós vivemos também alimenta esta tendência. Quem está de fora acha fácil apontar o dedo, mas só quem nunca esteve envolvido na gestão de grandes emergências — seja ao nível estratégico ou no terreno — é que pode, por vezes, lançar críticas fáceis e destrutivas.Pode explicar como é que a Proteção Civil se prepara para este tipo de eventos? Como se planeia e organiza um dispositivo de resposta?A Proteção Civil prepara o sistema, porque é a entidade responsável pela coordenação do Sistema de Proteção Civil e do Sistema Integrado de Operações de Proteção e Socorro. Essa preparação assenta na análise de todas as situações vividas na época anterior, num processo de melhoria contínua a que chamamos “lições aprendidas”. Ou seja, corrigem-se aspetos que não correram tão bem e reforçam-se os que funcionaram.Essa preparação inclui treinos operacionais, formação especifica de supressão a Incêndios Florestais, sobretudo para os corpos de bombeiros, mas também para outros agentes de proteção civil. No âmbito do Sistema Integrado de Gestão de Fogos Rurais, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil tem a responsabilidades diretas nos processos pré-supressão e supressão.Treina-se desde o primeiro passo das funções de um comandante de operações de socorro: o reconhecimento ao chegar ao teatro de operações, a solicitação de reforços, a forma de elaborar pontos de situação, o comandamento de setores, a análise do comportamento do fogo e a segurança no terreno. É uma formação muito importante para bombeiros e agentes de proteção civil — desde os Bombeiros, a Força Especial de Proteção Civil (FEPC), GNR e ICNF — para que compreendam as características do incêndio e garantam a sua segurança.No comando operacional, realizam-se treinos conjuntos e exercícios de aprontamento, que simulam toda a cadeia da emergência: desde o foco inicial até à evolução pelas diferentes fases. O Sistema de Gestão de Operações garante comando e controlo, assegurando que todas as funções são preenchidas por quem tem formação para as executar, desde o chefe de equipa até ao comandante da operação.As passagens de testemunho estão bem definidas para todos os intervenientes. Fazem parte do próprio Sistema Integrado de Proteção e Socorro, que estabelece claramente quem pode, em cada momento, assumir a função de comando.Quando começa e acaba a responsabilidade da ANEPC?A ANEPC tem de zelar pelo cumprimento do Sistema de Gestão de Operações. O sistema tem seis fases. Nas duas últimas, a função de comando só pode ser assumida por um elemento da estrutura operacional da ANEPC.Nas fases um a quatro, o comando é assegurado por elementos dos bombeiros — e assim acontece em 98% das ocorrências. Pode também ser alguém da estrutura da ANEPC, mas na prática quase sempre são bombeiros.Nos restantes 2%, o comando pode ser assumido por outros agentes de proteção civil, como a Unidade de Emergência de Proteção e Socorro da GNR, os sapadores florestais ou o ICNF, no ataque inicial. Quando chegam primeiro ao local, o chefe da equipa assume o comando. No entanto, logo que uma equipa de bombeiros chega, o comando da operação passa automaticamente para esse elemento dos bombeiros.Depois, à medida que a ocorrência evolui, entram em cena os elementos da estrutura da Autoridade Nacional, que podem assumir o comando das operações. Importa lembrar que 95% desses elementos vêm dos corpos de bombeiros.A alteração da organização territorial, com os novos Centros de Comando Operacionais, não cria entropias na fluidez da cadeia de comando?Não, não cria. A cadeia de comando está devidamente definida e os procedimentos operacionais são claros.Tínhamos 18 distritos e passámos a ter 24 sub-regiões. A ANEPC foi ouvida durante esta reestruturação, esteve envolvida na arquitetura do sistema e avaliou o impacto operacional. Claro que em qualquer sistema pode haver uma ou outra dificuldade, mas não na sua totalidade.A meu ver, a discussão está a ser feita no sítio errado. A questão não é a existência de 24 subregiões. A discussão certa é sobre o futuro e sobre como evoluir.Qual era exatamente o objetivo desta reorganização? O que se pretendia alcançar?Esta reorganização pretendia garantir maior proximidade às comunidades intermunicipais e também ao nível municipal. Mas, como disse, a discussão não deve centrar-se tanto em “onde nos mexemos”, mas sim em como evoluímos.Com a tecnologia existente, penso que o futuro deve passar por uma reorganização diferente. Uma coisa são os elementos de comando; outra coisa são as salas de despacho de meios. O nosso território é pequeno. Se olharmos para os Açores ou para a Madeira, vemos que têm salas conjuntas. Penso que a evolução do sistema em Portugal deve ir nesse sentido. Em vez de termos 23 ou 24 salas sub-regionais, mais cinco regionais e uma nacional, faria sentido termos cinco salas regionais, dois comandos metropolitanos e uma sala nacional.Claro que quem está no terreno tem de continuar a garantir a organização e o cumprimento dos procedimentos. Mas estas salas poderiam, por exemplo, integrar também o despacho dos meios de emergência médica pré-hospitalar. É uma discussão sobre o futuro, não sobre o passado. E já temos bons exemplos em território nacional (Regiões Autónomas) e também em França ou Espanha, onde há salas conjuntas que maximizam recursos. Que maiores dificuldades identifica hoje no sistema, sobretudo no combate aos grandes incêndios?Diversas personalidades já identificaram esse problema: existe um excesso, não direi de entidades, mas de competências distribuídas por várias instituições, o que gera sobreposições.Dou-lhe um exemplo: recentemente falou-se em transformar a Força Especial de Proteção Civil numa unidade logística. Discordo completamente dessa visão. Foi aflorado pelo presidente da Liga, António Nunes, no podcast Soberania… .Incêndios. Um sistema em que o combate falha, a prevenção é lenta e a repressão ainda é pouco eficaz. Discordo frontalmente. Essa deve ser a força em que o Estado aposta para evoluir, tornando-a ainda mais capaz do que já é.A GNR, por exemplo, deve focar-se sobretudo na vigilância. Tem know-how e não o perderá. Os seus elementos podem participar na vigilância de proximidade e até no ataque inicial, em equipas terrestres. Mas devemos olhar para a Força Especial de Proteção Civil como uma força distinta e essencial no âmbito do combate aos incêndios florestais e outros riscos.Quando esta Força foi criada, os elementos que a integram tinham de ser obrigatoriamente bombeiros voluntários com três a cinco anos de serviço. Ou seja, já traziam experiência e formação, além do espírito de bombeiro. E, no combate ao fogo, quem deve combater são os bombeiros. Essa competência está-lhes atribuída desde sempre.Esta é a minha visão: integração e trabalho conjunto, sim, mas sem diluir a identidade dos Bombeiros e desta Força.E, neste momento, quantos elementos tem essa Força Especial de Proteção Civil?Penso que neste momento terá perto de 300, talvez mais de 250 operacionais ativos. Quando saí, tinha sido aberto concurso para mais 117, mas não sei quantos já foram integrados entretanto.Não são poucos?São poucos, sim. Mas têm valências muito grandes. Trabalham com máquinas de análise do fogo, dominam combate direto e indireto, aplicam técnicas diferentes e usam tecnologia avançada. Têm capacidade para operar bombas de grande volume, essenciais em incêndios e também em cheias.Estamos muito centrados nos incêndios, mas as alterações climáticas afetam Portugal de múltiplas formas. Esta é uma força com implantação nacional, capaz de apoiar bombeiros locais — que têm competências definidas por lei e desempenham-nas muito bem — mas que precisam de ser complementados por esta força nacional.. Qual é, em concreto, o papel que desempenham?Têm uma componente muito importante ligada ao uso do fogo e contam com um núcleo de apoio à decisão operacional. Esse núcleo funciona na sede do Comando Nacional e é constituído por analistas de incêndio que estudam a evolução provável de cada ocorrência, utilizando tecnologia para modelar o comportamento do fogo, são eles que garante a tal especialização do Sistema.Essa informação chega aos teatros de operações e serve de apoio ao Comandante da Operação de Socorro, que pode ou não adotar as propostas operacionais apresentadas. Além disso, fazem coordenação aérea dos meios, têm equipas no terreno para análise direta e executam manobras de fogo tático. Guarnecem também os aviões de avaliação, que usam tecnologia avançada para delimitar perímetros, identificar pontos quentes e fornecer dados cruciais em tempo real.Ou seja, aliam conhecimento operacional, técnico e científico, até académico, para produzir os melhores instrumentos de decisão em cada ocorrência.No teatro de operações, apresentam-se ao comandante local, seja dos corpos de bombeiros ou da estrutura da Autoridade, e executam as missões que lhes são atribuídas. Além disso, têm outras valências: podem integrar resposta à emergência médica pré-hospitalar, apoiar no combate a incêndios urbanos e florestais, atuar em cheias, recolher informação, e até, dar apoio logístico diferenciado. Mas não deviam ser uma força multirriscos?Claro que sim. Mas agora, nesta altura do ano, estão centrados sobretudo nos incêndios florestais. É o que acontece, pelo menos até ao final do verão.E como é que tudo isto se articula com os bombeiros voluntários e profissionais?Em Portugal temos um sistema misto. A grande maioria são bombeiros voluntários, mas também existem profissionais. Estes podem ser sapadores bombeiros ou elementos das equipas de intervenção permanente. Muitos são contratados através de protocolos entre a ANEPC, as câmaras municipais e as associações humanitárias. São profissionais altamente especializados.Se olharmos para o sistema, percebemos que os corpos de bombeiros cedem elementos para várias estruturas: para a ANEPC, para a Força Especial, para as câmaras municipais. Muitos coordenadores municipais de proteção civil são oriundos de corpos de bombeiros. O ICNF também vai buscar elementos aos bombeiros.Isto mostra que os corpos de bombeiros são um grande viveiro de excelência: pela sua formação e experiência, produzem quadros para todo o sistema de proteção civil.Se calhar está na altura de criar uma carreira de bombeiro. Há vários modelos possíveis. Dou muitas vezes o exemplo francês: um sistema híbrido, com voluntários e profissionais, em que os cargos de chefia e direção, do ponto de vista operacional, são ocupados por oficiais bombeiros. Se recuarmos no tempo, percebemos melhor a evolução da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil. Em 2003 houve a fusão de dois serviços do Estado e de uma comissão técnica especializada: o antigo Serviço Nacional de Bombeiros foi fundido com a Proteção Civil e integrou também a Comissão Especializada em Fogos Florestais.Depois, em 2006, passou a chamar-se Autoridade Nacional de Proteção Civil e, em 2018, Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil.Ou seja, todas as competências que eram do Serviço Nacional de Bombeiros e do Serviço de Proteção Civil passaram para este serviço. A estrutura operacional da autoridade usa uma farda porque herdou essas competências. Há algumas nuances, claro, mas o essencial manteve-se. Mas a farda não é vermelha... A farda não é vermelha, mas o que interessa não é a cor do uniforme, é a eficácia e as competências que existem.O que mudou foi que, antes de 2018, a competência disciplinar estava nos comandantes distritais. Depois passou a estar no Diretor Nacional de Bombeiros, que faz parte da estrutura da Autoridade.. Tendo em conta esse percurso, como vê a reivindicação da Liga para a criação de um Comando Único de Bombeiros? Isso tornaria o combate mais eficaz?Não quero entrar diretamente nessa discussão. Penso que estamos a falar mais ou menos todos do mesmo, mas com abordagens e caminhos diferentes.Defendo, sim, a especialização e a criação de uma carreira válida e remunerada para os corpos de bombeiros. Isso permitiria que os bombeiros crescessem profissionalmente e assumissem cargos de comando.Um elemento da Autoridade Nacional que deixou de exercer funções no corpo de bombeiros continua a ser bombeiro. Têm competência para exercer esses cargos, mas é preciso definir como o fazemos. Tem de existir uma entidade do Estado que garanta essa monitorização e coordenação — não pode ser entregue a uma estrutura privada.Vejo a solução na criação de uma carreira equiparada em termos de índice às forças de segurança, como GNR e PSP. Mas isso exige investimento financeiro. Os orçamentos da GNR e da PSP não são comparáveis ao da Autoridade, e não basta querer fazer tudo com base voluntariosa.E depois há o fator das alterações climáticas, que já afetam todos os níveis de planeamento e resposta.Mas a Liga reivindica o tratamento equiparado ao da GNR, por exemplo, no Centro de Comando Nacional...Quando iniciei funções na Autoridade, em 2008, as federações de bombeiros distritais já eram convidadas a participar nos briefings dos centros operacionais distritais. Recentemente, essa integração foi alargada até a briefings diários.A Liga representa associações, não diretamente os bombeiros, mas traz a visão do movimento associativo. Recebe dados estatísticas do Comando Nacional, faz análises muito importantes e apresenta questões pertinentes em reunião, assim como as outras Associações representativas do setor, como a Associação Nacional de Bombeiros Profissionais e a Associação Portuguesa dos Bombeiros Voluntários.Cada entidade tem a sua missão e competências: a Autoridade, a GNR, a Liga, as associações profissionais e outras entidades representativas do sector. A participação destas estruturas representativas faz sentido e enriquece o sistema, trazendo contributos relevantes. No caso do incêndio de Arganil, que foi confirmado como o maior de sempre em Portugal, a quem se pode pedir contas pela gestão e pela organização do combate?A responsabilidade pela organização e gestão do combate é da Autoridade. A Autoridade é responsável, numa primeira fase por despachar os meios solicitados pelo Comandante da Operação, e a partir dai monitoriza a ocorrência até, se for necessário assume o comandado da operação.Mas atenção: temos de perceber bem a quem se deve exigir responsabilidades. Não é só uma questão de apontar o dedo. Responsabilidade existe sempre que alguém exerce cargos públicos. Mas mais importante do que atribuir culpas é garantir que as autoridades fazem o seu trabalho e explicam o que aconteceu do ponto de vista operacional.Pode haver situações que não tenham corrido bem, seja por questões de comando, seja porque alguma estrutura não conseguiu cumprir o que estava determinado. Isso pode acontecer. Mas é preciso perceber o porquê. Mais do que falar de responsabilidades, é preciso analisar o que correu bem e mal e fazer esse histórico.No caso concreto, tudo indica que o incêndio foi causado por uma trovoada. Ora, isso levanta outra questão: quem é o responsável pelo território? O que estava feito em termos de prevenção?Não há explicações simples. É preciso olhar para as coisas com calma e não ceder à crítica fácil. Hoje em dia não faltam “experts” que começam logo a disparar opiniões. Mas o essencial é manter os pés bem assentes no chão, perceber o que aconteceu, e se houve erros, assumir essa responsabilidade de forma assertiva.Mais importante ainda é preparar-nos para o próximo incêndio. Como referi, há uma camada da nossa cultura que mudou: o clima. Isto é um facto, contra factos não há argumentos. O clima mudou e nós temos de mudar também, incluindo a nossa relação com o fogo.E quando falo em relação com o fogo não me refiro apenas às queimas e queimadas, à gestão de combustíveis ou à pastorícia. Falo também do uso do fogo como ferramenta de preparação no defeso, quando não há incêndios, para criar faixas de contenção, e numa abordagem diferente ao combate, com mais “cérebro” que analise as oportunidades onde o uso do “musculo” pode ser eficaz.Aqui, a Força Especial dos Bombeiros e a Proteção Civil têm essa capacidade, em articulação com outros agentes. E temos de mudar a forma como olhamos para isto desde 2017 — e até antes. Não é um problema novo..Podcast Soberania: os incêndios em Portugal. E quanto às “lições aprendidas”? Porque é que tantas vezes se diz que não se implementam? Veja o relatório feito após os fogos da Serra da Estrela: havia 95 medidas, e até ao final de 2024 tinham sido totalmente implementadas apenas 15...Algumas são simples: mudar conteúdos programáticos de formação, corrigir procedimentos, melhorar a capacidade de um veículo. Outras exigem recursos financeiros ou reorganizações complexas, que demoram mais tempo.Ainda assim, nesse relatório, a Autoridade foi a entidade que implementou o maior número de medidas corretivas. Entre elas estavam, por exemplo, reforço de máquinas de rasto, formação específica ou a criação de Equipas de comando regionais com capacidade técnica diferenciada.E quanto à gestão da emergência nestes últimos incêndios? Onde é que pode ter havido falhas?Na minha opinião, o Mecanismo Europeu de Proteção Civil poderia ter sido acionado mais cedo. Acho também que a Comissão Nacional de Proteção Civil devia ter reunido e que devia ter sido decretada situação de contingência.Porquê?Porque uma coisa é gerir um ou dois incêndios isolados. Outra é gerir um incêndio que foi o maior alguma vez registado em Portugal, acompanhado por múltiplas ocorrências em várias regiões.Os planos existem por uma razão. A situação de contingência aciona automaticamente estruturas de coordenação institucional e de direção política, desde planos municipais até planos nacionais. Dá ao presidente da câmara a capacidade de dirigir a sua emergência, não no terreno, mas na gestão de meios e recursos.Além disso, permite convocar a Comissão Nacional de Proteção Civil, onde se sentam os ministérios. O Centro de Coordenação Operacional Nacional faz a coordenação institucional, mas não substitui a articulação política entre ministérios. E em situações desta dimensão, isso é essencial.Ou seja, havendo capacidades extras — transportes, obras públicas com maquinaria pesada — esses meios poderiam ter sido alocados a operações de combate?Sim, poderiam. Não estive envolvido na gestão, mas sugiro que essas capacidades poderiam ter sido mobilizadas. Essa articulação caberia ao Governo, numa lógica de gestão interministerial das capacidades de cada ministério.Mas isso não foi uma opção política?Sim, foi. Mas em 2022, por exemplo, foi decretada a situação de contingência nacional e a Comissão Nacional de Proteção Civil reuniu, e houve essa mobilização mais alargada.Deixe-me perguntar-lhe uma coisa que me faz alguma confusão. Porque é que os bombeiros em combate precisam sempre que as populações ajudem com a alimentação? Não há um planeamento logístico preparado?A logística no combate aos incêndios rurais tem vários níveis e tem até a Diretiva Financeira da ANEPC, que de facto faz e diz como é que é processada esta logística em particular do ponto de vista até dos dos pagamentos.Ou seja, numa primeira linha, nas ocorrências de menor dimensão, essa logística está baseada naquilo que é a disponibilidade existente que as associações humanitárias têm de fazer essa contratualização e depois são ressarcidas dessa despesa que têm.E à medida que as ocorrências vão aumentando o seu volume de operacionais, a logística pode depois também ser apoiada pelos serviços municipais.E, em última instância, pode ser apoiada até por meios externos. Por exemplo, solicitar às Forças Armadas as cozinhas de campanha. Portanto, tem vários níveis, sendo que os custos que as associações humanitárias têm são ressarcidos depois pela ANEPC, com base nos valores existentes na Diretiva Financeira.As populações também dão apoio, mas o teatro de operações deve ter a sua própria logística, deve estar organizada e há maneiras e procedimentos para colocar esta logística em andamento e em operação.Quando se está a preparar o dispositivo também se falam com as associações e há um levantamento dessa disponibilidade logística. Muitas delas têm já a contratualização, esses serviços externos a empresas ou até com capacidade própria de confeção e também junto dos municípios.Há esse trabalho no sentido de se preparar essa parte logística, mas não é fácil. Ou seja, há um planeamento, um levantamento de capacidades E quando de facto existe uma responsabilidade máxima de garantir que a logística está a ser efetivada, é de facto também do comandante da operação de socorro.E os comandos subregionais também vão fazendo esse levantamento e esse acompanhamento junto das ocorrências, a questionar e a validar, a fazer essa monitorização.A ANEPC tem hoje poder suficiente para responder às exigências atuais?Penso que deve ser revisto o enquadramento jurídico da Autoridade. Hoje, na prática, é uma Direção-Geral com uma estrutura operacional. Devia ter mais capacidade e mais poder, e a sua Estrutura de Comando ser dotada de uma carreira aproveitando os elementos que já exercem funções.Aí talvez se encontre o espaço para a tal emancipação e para reforçar o papel dos bombeiros dentro do sistema.Qual foi para si o combate mais difícil?Diria que em 2018, o incêndio que deflagrou na Serra de Sintra, em direção a Cascais, Guincho e Malveira da Serra. Foi uma das situações mais complexas que tive, onde também depois acabei por assumir o comando da operação, mas em que o trabalho das diferentes entidades e em particular dos Corpos de Bombeiros do Distrito de Lisboa e dos outros distritos, na altura que nos vieram dar apoio, permitiram mobilizar mais de 1000 operacionais num curto espaço de tempo. Nesta operação, com o trabalho que foi feito de planeamento através com os bombeiros, com o comando inicial dos corpos de bombeiros, tudo correu dentro do que era expectável e para aquilo que nós treinamos.Houve uma gestão e um comando e controlo bastante eficaz, tendo o incêndio estado ativo não mais de oito horas. Foi prontamente debelado e não houve danos materiais avultados na área ardida do Parque Natural. Mas não houve habitações ardidas, nem feridos graves.Também na campanha 2022, com o incêndio da Serra da Estrela, e os incêndios no Norte, em particular no distrito de Vila Real, onde foi também um combate bastante duro e complexo, onde teve que se fazer de um trabalho de fundo, de projeção de meios e monitorização, de rendição de todos os que estavam no terreno. Foi também foi muito complexo de gerir.Como é estar num combate e ter-se a sensação que se vai perder o controlo do incêndio?Há sempre trabalho para fazer e há sempre algo que se possa fazer. Acontece por diversas vezes devido a alterações nos fatores, em particular meteorológicos, como uma rotação de vento que não era expectável ou os próprios ventos locais, que acontecem e de repente quando estamos a fazer uma manobra que achávamos que ia estabilizar o incêndio e o incêndio acaba por escapar e evoluir de uma forma desfavorável.Essa sensação é sempre uma sensação de um murro no estômago, porque era um trabalho que nós queríamos efetivar com sucesso.Quem trabalha no planeamento tem sempre um plano A, B ou C e aciona automaticamente a outra modalidade de ação que está prevista.Há, de facto, incêndios e situações em que o combate direto às chamas não é possível, porque a intensidade é de tal ordem que não é possível e o incêndio está na sua taxa de expansão máxima.Mas temos trabalho para fazer, como identificar as janelas de oportunidade e preparar os meios para essas janelas de oportunidade.Rever essas manobras que vamos executar e depois defender, obviamente, as pessoas e as suas habitações. Fazer confinamentos e evacuação de aldeias ou de áreas urbanas.Temos que fazer essas defesas milimétricas e acionar todos esses protocolos e modalidades de ação. Mas há sempre trabalho a fazer.Um operacional não quer é que o incêndio fuja. Mas acontece.