Sociedade
15 outubro 2021 às 05h00

Transformar paisagem é a única forma de evitar que se repita Outubro de 2017

Há 47 projetos-pilotos a avançar em 26 concelhos do país, nas chamadas Áreas Integradas de Transformação da Paisagem. E estão já outros 129 a serem avaliados. Mas quatro anos depois do dia em que Portugal ardeu, o Pinhal de Leiria continua sem plano de reflorestação.

Paula Sofia Luz

É uma espécie de projeto piloto, que os especialistas consideram ser preciso expandir: promover a gestão comunitária de áreas florestais a partir de apoios públicos. E Portugal está a ser pioneiro nisso, através das Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP) que se enquadram no Programa de Transformação da Paisagem e dirigem-se a contextos microterritoriais específicos, localizados em territórios de floresta com vulnerabilidades específicas decorrentes daquilo que os especialistas consideram de "conflitualidade entre a perigosidade e a ocupação e uso do solo". O objetivo maior é aquele de que o Governo fala, amiúde, desde que em junho e outubro de 2017 morreram quase uma centena de pessoas no fogo: promover a resiliência, a sustentabilidade e a valorização do território.

Até 31 de maio foram submetidas, para apreciação e validação da Direção Geral do Território, propostas de 97 Áreas . Mas apenas 47 reuniram condições de prosseguir. Em julho, foram assinados contratos programa entre as entidades gestoras ou as proponentes (zonas de intervenção florestal e autarquias), o Fundo Ambiental, a Direção Geral do Território e o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNF).Tendo em conta um custo médio estimado por Operação Integrada de Gestão da Paisagem (OIGP ) de 3,6 milhões de euros, "perspetiva-se um montante de investimento associado às 47 AIGP de 170 milhões de euros (no âmbito do PRR)", disse ao DN fonte do Ministério do Ambiente.

As 47 AIGP estão localizadas nos concelhos de Alfândega da Fé, Alijó, Arganil, Bragança, Figueiró dos Vinhos, Freixo de Espada à Cinta, Fundão, Góis, Lousã, Mação, Mogadouro, Oleiros, Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra, Pedrógão Grande, Penamacor, Porto de Mós, Proença-a-Nova, Resende, Sabugal, Seia, Silves, Vila de Rei , Vila Nova de Poiares, Vila Pouca de Aguiar, Vouzela. Totalizam quase 100 mil hectares de intervenção. Até 15 de setembro chegaram mais 129 projetos, que se encontram neste momento em análise.

"O mais grave de tudo foi não termos feito planeamento nenhum sobre o que se pretende fazer na mata nacional de Leiria. O Governo tem andado a anunciar milhões de euros, ano após ano, já se aplicou algum dinheiro. Mas nunca houve uma definição de prioridades de intervenção sobre a mata, nem do que se pretende para o futuro dela. Houve um ensaio para iniciar esse caminho e depois não se saiu do ensaio".

O deputado Ricardo Vicente, eleito pelo Bloco de Esquerda pelo distrito de Leiria, já perdeu a conta às iniciativas em defesa da reflorestação do Pinhal do Rei que ele próprio tomou, mas enumera de cabeça aquelas que foi vendo acontecer "e que não deram em nada", ao longo destes quatro anos. Terá sido essa inconsequência que o levou a demitir-se do Observatório, por exemplo. Mas dá alguns exemplos. "O Governo constituiu uma Comissão Técnica Independente, que não deu em nada. Havia - e há - um grupo de especialistas que produziu um relatório para a recuperação das matas litorais, não só do Pinhal de Leiria. De todas as outras, até Aveiro. Isso foi um ensaio para iniciar o planeamento. Só que esses especialistas escreveram uma série de recomendações, produziram uma série de recomendação científica, e o Governo nunca deu seguimento a nada disso", afirma Ricardo Vicente.

Engenheiro agrónomo de profissão e pós-graduado em alterações climáticas e políticas de desenvolvimento sustentável, o deputado insiste na leviandade com que todo este processo foi conduzido: "das centenas de recomendações feitas ao Governo, até hoje não se conhece uma que tenha sido aceite ou recusada. Ou seja, o Governo ignorou aquilo tudo, e ainda nem sequer produziu o plano de gestão florestal. O que está em vigor tem mais de 10 anos. A mata não é a mesma depois do incêndio".

Ricardo Vicente lamenta essa falta de definição de prioridades, que não deixa perceber "o que é que já se fez e onde é que foi gasto o dinheiro". Para além disso, enquanto deixamos passar "todos os prazos de primeiras intervenções, houve medidas de salvaguarda de biodiversidade que nunca foram implementadas , e que eram recomendadas por esses especialistas". É o caso de lagos artificiais para colmatar a falta de água, ou do controlo de plantas invasoras, que avançam descontroladamente.

Em março deste ano, o ministro do Ambiente defendeu taxativamente que devemos esperar pela regeneração natural da floresta. As palavras de João Matos Fernandes tiveram o condão de incendiar os ânimos. Francisco Rego, do Observatório Independente dos Incêndios, sublinhou já várias vezes que "qualquer regeneração natural acontece nos primeiros dois anos".

A Assembleia da República aprovou, ao longo destes quatro anos, vários projetos de resolução sobre planeamento do futuro da mata e do seu ecossistema. "Nenhum deles foi implementado", afirma Ricardo Vicente.