Só os consumidores podem salvar quem vive do carapau

Portugal vai poder elevar no próximo ano as capturas de quase todas as espécies sujeitas a quota, em especial o carapau. Já a pescada e o bacalhau perderam possibilidades de pesca, mas o impacto no setor será reduzido.
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Há condições para que o preço do carapau desça no próximo ano, tendo em conta a decisão do Conselho Europeu das Pescas de aprovar o aumento Total de Captura Autorizado para aquela espécie, numa subida de 64% para 45 mil toneladas.

O carapau é das espécies mais baratas em lota. Ainda na última semana, os preços divulgados pela Docapesca mostram que o valor mínimo foi transacionado na Póvoa de Varzim, a 0,75euro por quilo. No ano passado, o preço médio em Portugal, apurado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), ficou-se nos 0,92euro, quando a sardinha atingiu 1,43euro e a pescada 2,35euro.

O TAC sobe para 45 mil toneladas em 2015, mas, no ano passado, a quota final para o carapau foi de 22.414 toneladas. Apesar desse limite máximo, só foram capturadas 19.823 toneladas. Ou seja, a quota atribuída a Portugal teve uma utilização de 88%, segundo o INE.

O setor não põe em causa se tem ou não capacidade para responder à hipótese teórica de pescar mais carapau. A questão está em saber se o consumidor quer ou não mais desta espécie, como assinala António Cabral, da Associação dos Armadores das Pescas Industriais. Em sua opinião, serão precisas campanhas para promover o consumo.

"Primeiro, é preciso saber se o mercado está recetivo a comprar mais carapau. Depois, é preciso rentabilizar os meios, ajustando a capacidade de pesca ao que o mercado quer". No essencial, defende a necessidade de um "equilíbrio" para que a possibilidade de pesca agora conquistada não conduza ao reverso, com inundações do mercado, que não compensem o esforço de cada saída ao mar.

Bacalhau e pescada

Apesar do "acordo histórico", como classificou a ministra da Agricultura e Pescas, por dar a Portugal um aumento global nas capturas de 18%, o bacalhau e a pescada ficaram a destoar. No caso do bacalhau, as capturas dizem respeito apenas a 5% do que se consome em Portugal. São as que estão a cargo dos navios portugueses na Noruega e no Canadá, porque, todo o resto é importado. A redução prevista é de 288 toneladas. Será um "ajustamento mínimo", como refere António Cabral, face ao aumento de 30% na quota nos últimos três anos.

Para Paulo Mónica, da Associação dos Industriais do Bacalhau, a descida também não é relevante nem o stock está em risco, mas o setor gostaria que o Governo português interviesse mais junto de Bruxelas, para que nas negociações com países terceiros (Noruega e Canadá) se conseguissem "resultados mais favoráveis aos países comunitários".

No caso da pescada, Portugal não está a usar a quota disponível. Em 2013, só usámos 65% (INE). E António Cabral lembra que as quotas têm vindo a subir consecutivamente 15% ao ano desde 2008, apesar de estar ainda em vigor o plano de recuperação da espécie, que só termina no próximo ano. Além disso, há a possibilidade de mais dias de pesca em 2015.

"Critérios são mais políticos que ambientais"

Adriano Bordalo e Sá, professor no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, especialista em Hidrobiologia, considera que o resultado alcançado no Conselho Europeu das Pescas, com um aumento generalizado das quotas para Portugal, "traduz o poder negocial que os países têm em Bruxelas, mais do que a real situação dos stocks de peixe nos diferentes mares dos países da União Europeia".

Qual é a situação, então?

Repare-se, em 2013, a quota da bacalhau subiu 49% e a da pescada 15%. Dois anos depois, vão diminuir as quotas. Isto tem muito pouco a ver com a real situação da pescada e do bacalhau. As quotas resultam de critérios que são em geral mais políticos do que ambientais.

O impacto é relevante?

A esmagadora maioria do peixe fresco que se consome em Portugal não é capturada no país. Isto [o aumento das quotas] é bom para quem vai ao mar todos os dias, mas a eficácia - em termos globais para o país - é questionável, porque dois terços ou três quartos do peixe é importado.

O que se pode corrigir?

Há uma necessidade urgente de rever a forma como é vendido o pescado em Portugal. Se queremos ser competitivos e defender os stocks, a indústria e os pescadores, temos de mudar de paradigma. Não podemos continuar a apresentar o mar como um desígnio nacional, quando depois não há uma política de investimento integrado. O atual sistema não melhora o nosso potencial de pesca.

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