O Kerensky português na análise de Kissinger

Equívoco. Perante a situação portuguesa, o secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger comparou o líder socialista português ao social-democrata russo derrotado por Lenine. Costa Gomes ("primeiro chefe de Estado português a visitar oficialmente os Estados Unidos", mas cuja deslocação a Washington, como anotou o embaixador Hall Themido, passou para a história como sendo de Mário Soares), na conversa com Luís Nuno Rodrigues, lembrava que, no almoço de 18 de novembro de 1974, "Kissinger foi muito agressivo connosco, em especial com Mário Soares, a quem apelidou de Kerensky" (Costa Gomes - No Centro do Furacão).
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Num erro de análise, o americano "levou tempo a convencer-se de que Mário Soares era uma escolha acertada como interlocutor", escreveria Hall Themido, ao ponto de, em conversas informais com o embaixador, considerar que se tratava de "um político ingénuo" (Dez Anos em Washington). E Soares recordaria o que ele lhe tinha dito: "Você fique cá, porque eu vou cuidar de si, vou arranjar-lhe um lugar numa universidade. Se você for para Portugal ou é fuzilado ou fica preso toda a vida." (O Que Falta Dizer).

Mas seria o próprio Kissinger a admitir, em Anos de Renovação, que "este aparte não constituía qualquer juízo quanto às boas intenções de Soares; depois de derrotar os comunistas, ele viria a dar um contributo fundamental para o seu país, enquanto primeiro-ministro e, mais tarde, como Presidente".

E Rui Mateus, no livro Contos Proibidos, recorda que, no encontro seguinte, Kissinger "fez questão de afirmar perante os seus principais colaboradores ter-se enganado em relação a Mário Soares quando o classificou de "Kerensky português". Essa admissão causaria grande surpresa no Departamento de Estado, pouco habituado a atos de humildade do seu ministro, mas a verdade é que Soares era também, (...) naquela época de desorientação nacional, o exemplo do lado bom da política externa norte-americana".

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