Os nossos homens em Nova Iorque

Ao longo dos últimos 60 anos, os representantes de Portugal nas Nações Unidas defenderam o melhor que puderam a política externa de dois regimes.
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O primeiro representante permanente (embaixador) de Portugal na ONU foi Vasco Garin. Entre 1956 e 1963 esteve na primeira linha de defesa de uma política ultramarina empedernida num mundo em mudança acelerada.

Não é, por isso, de admirar que Portugal fosse, desde finais dos anos 1950, o bombo da festa dos países afro-asiáticos recém-independentes. O Terceiro Mundo, supostamente "não alinhado" com os dois blocos político-militares - mas na prática coincidindo com os interesses do Bloco de Leste -, apresentou sucessivas propostas de resolução acusando Portugal de violar a Carta das Nações Unidas por manter sob o seu domínio colónias ou territórios não autónomos. A URSS e a Checoslováquia aplaudiam e pediam também a condenação de Lisboa porque em Angola havia "trabalho forçado, prisões políticas, escravatura, massacres, deportações".

Depois do discurso do primeiro-ministro britânico Harold Macmillan na Cidade do Cabo, em fevereiro de 1960, em que falou dos "ventos de mudança" que sopravam sobre África, a situação piorou para o regime português. E agravou-se ainda mais com a independência do Congo Belga, em julho de 1960. Vasco Garin, em estreita colaboração com os ministros dos Negócios Estrangeiros Marcello Mathias (até 1961) e Franco Nogueira, esforçava-se por passar a mensagem de que Portugal não tinha colónias mas sim "províncias ultramarinas".

Sem êxito: a Resolução 1542, aprovada pela Assembleia Geral em 15 de dezembro de 1960, enumerava os territórios não autónomos sob domínio português. Aos nossos diplomatas competia responder glosando o mote dado por Salazar: "... não se põe mesmo a questão de saber se são ou não territórios autónomos porque são mais do que isso - são independentes com a independência da nação."

E 1961 foi o annus horribilis de Salazar. A subida ao poder de Kennedy, nos EUA, e de Jânio Quadros, no Brasil, acentuaram o isolamento diplomático, num ano que assistiu ao assalto ao paquete Santa Maria (janeiro); ao início da guerra em Angola, depois do ataque às prisões de Luanda, reivindicado pelo MPLA (fevereiro), e dos massacres no Norte do território levados a cabo pela UPA (março); à tentativa de golpe do general Botelho Moniz, ministro da Defesa (a "Abrilada"); e à invasão de Goa, Damão e Diu pela Índia (dezembro).

Com a saída de Garin, a representação na ONU ficou entregue ao embaixador António Patrício, primeiro como encarregado de negócios interino e, a partir de 1972, como representante permanente. Coube-lhe dar a cara em alguns dos momentos mais difíceis da diplomacia portuguesa, ao lado do irmão, Rui Patrício, o último ministro dos Negócios Estrangeiros do Estado Novo.

A 30 de novembro de 1972, a Assembleia Geral apelou a todos os estados membros para auxiliarem os movimentos de libertação das colónias portuguesas em África. Menos de um mês depois, a 22 de dezembro, o Conselho de Segurança aprovou uma moção reafirmando o direito à autodeterminação e independência dos povos de Angola, Guiné, Cabo Verde e Moçambique. Em julho de 1973, o padre católico britânico Adrian Hastings denunciou no Comité de Descolonização o massacre de Wyriamu, levado a cabo por tropas portuguesas em Moçambique, em dezembro do ano anterior. A 26 de outubro de 1973, a ONU reconheceu a independência da Guiné-Bissau e, a 5 março de 1974, Portugal foi condenado, juntamente com a África do Sul e a Rodésia, numa resolução aprovada pela Comissão dos Direitos Humanos, por desobedecer a anteriores resoluções da ONU sobre a autodeterminação e os direitos humanos na África Austral.

A "revolução dos cravos" mudou a forma de Portugal estar no mundo. O primeiro intérprete da nova política externa na ONU foi Veiga Simão (1974-75), nomeado pelo presidente Spínola para trabalhar com o ministro dos Negócios Estrangeiros Mário Soares. Sucedeu-lhe como representante permanente o advogado José Manuel Galvão Teles (1975-76).

Vasco Futscher Pereira foi o responsável pela representação entre 1977 e 1981, tendo encabeçado a primeira candidatura ao Conselho de Segurança. Depois dos representantes permanentes Rui Medina (1981-86) e João Matos Proença (1986-88), coube a Fernando Reino (1988-92) apresentar a segunda candidatura ao Conselho de Segurança. A eleição realizou-se já durante o mandato de Pedro Catarino (1992-96).

Freitas do Amaral foi escolhido para presidir à 50.ª sessão da Assembleia Geral, entre 1995 e 1996. Fundador do CDS, ministro dos Negócios Estrangeiros do go-verno de Sá Carneiro (voltaria a sobraçar a mesma pasta num governo socialista, em 2005), e candidato à Presidência da República em 1986, Freitas presidiu à aprovação de várias resoluções, incluindo a abolição de testes nucleares, a assistência às vítimas de genocídio no Ruanda, a situação dos direitos humanos em muitos países, ou a violação e abusos sobre mulheres na ex-Jugoslávia.

O apreço generalizado pela forma como Freitas do Amaral conduziu a Assembleia Geral e o desempenho português no Conselho de Segurança no biénio 1997-98, já com António Monteiro como embaixador (entre 1997 e 2001), terão sido argumentos a favor de uma terceira candidatura àquele Conselho, no ano 2000, com os olhos postos no biénio 2011-2012.

Entre 2001 e 2002, Portugal foi representado pelo embaixador Seixas da Costa, eleito vice-presidente da Assembleia Geral, presidente da Comissão de Economia e Finanças e vice-presidente do Conselho Económico e Social (ECOSOC). Seixas da Costa foi também escolhido por Kofi Annan para membro da administração do fundo para as parcerias internacionais (UNFIP). Além disso, coube-lhe coordenar a resposta portuguesa na ONU aos atentados de 11 de setembro de 2001.

Gonçalo Santa Clara Gomes (2002-2004), João Guerra Salgueiro (2005-2009) e José Moraes Cabral (2009-2013) sucederam-se à frente da nossa representação em Nova Iorque. Durante o mandato de Moraes Cabral coincidiram a eleição para o Conselho de Segurança no biénio 2011-12 e ainda a apresentação de mais uma candidatura - a quarta - para 2027-2028.

O atual embaixador do nosso país na ONU é Álvaro Mendonça e Moura.

Hoje, Portugal está presente ao mais alto nível na organização. Desde 2013 que Miguel de Serpa Soares, antigo membro do Tribunal Permanente de Arbitragem, em Haia, é o subsecretário-geral para os Assuntos Jurídicos. Mais recente - 23 de junho - foi a eleição do procurador-geral adjunto José Manuel Santos Pais para o Comité dos Direitos Humanos, o primeiro português a ser escolhido para este órgão. Marta Santos Pais é outra portuguesa com funções de destaque na ONU: representante especial do secretário-geral para a Prevenção da Violência contra as Crianças. O intendente Luís Carrilho, da PSP, é o comandante da polícia das Nações Unidas na República Centro-Africana.

Em breve, mais portugueses poderão vir a desempenhar altos cargos na ONU, além de António Guterres - e do antigo presidente da República Jorge Sampaio, que foi enviado especial do ex-secretário-geral Kofi Annan contra a tuberculose e alto-representante de Ban Ki-moon para a Aliança das Civilizações.

Patrícia Galvão Teles (filha do cineasta e jurista Luís Galvão Teles), doutora em Direito Internacional e antiga conselheira jurídica da Representação Permanente junto da UE, é candidata à Comissão de Direito Internacional da ONU para 2017-2021, com eleição marcada para novembro.

O comandante Aldino Campos será, em junho próximo, candidato à Comissão dos Limites da Plataforma Continental, área em que o oficial da Marinha é um reconhecido especialista (foi coordenador da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental) e que poderá aumentar de forma substancial o "tamanho" do nosso país.

Ainda em 2017, Portugal será candidato ao Conselho Executivo da UNESCO.

Notícia alterada às 12.55. Incluído paragrafo sobre o embaixador Seixas da Costa.

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