O que é ser patient advocate?

O que é um patient advocate? Raquel Abreu explica: "Um profissional que procura soluções para doentes com doenças crónicas, graves, raras no país e no estrangeiro. Raquel é contra a eutanásia, mas também contra a distanásia.
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Raquel Abreu é desde há cinco anos uma patient advocate. Ou seja, um profissional que procura soluções para doenças crónicas, graves e raras no país e no estrangeiro. Diz que uma das ideias que melhor a define é a de uma pessoa que superou, contra todos os prognósticos médicos, uma doença grave e incapacitante. "A falta de conhecimento científico sobre a doença que tinha levou-me a mudar para Londres, onde permaneci cinco anos. Dediquei-me de corpo e alma à pesquisa de soluções médicas para a minha doença e encontrei-as." O tornar-se patient advocate tem que ver com o facto de se ter apercebido de que existe em Portugal uma grande falta de apoio a doentes com patologias graves, crónicas e raras. "Quando somos diagnosticados com doenças como estas, ficamos desorientados, confusos, e sentimo-nos muito frágeis e indefesos." Por isso, é bom ter alguém que nos oriente. Raquel afirma-se contra a eutanásia, mas também, em relação à distanásia, defende "saber parar tratamentos quando não há mais nada a fazer".

É contra a eutanásia mas também contra a distanásia. A sua história de vida ajudou-a a fundamentar esta posição?

A minha história de vida consolidou a minha posição, mas seria sempre contra a eutanásia. E não sou contra apenas por uma crença individual, defendo que a vida é para ser vivida com plenitude com todos os sofrimentos que são comuns a qualquer vida. O sofrimento toca-nos a todos. Entristece-nos, deixa-nos apavorados por termos de passar por algumas situações, mas há sempre soluções.

Fala de quais?

Temos conhecimento de doentes em oncologia que sofrem horrores no fim de vida, que já não tinham melhoras e que mesmo assim lhes foram propostos mais tratamentos. Isto é má prática médica, é distanásia, a imposição de tratamentos a doentes que sofrem de doenças que não têm fim à vista. E isto não se resolve com uma boa rede de cuidados paliativos. Resolve-se acabando com a distanásia. No exercício da medicina é preciso bom senso e humanidade, para que se decida o que é mais importante para o doente, ainda que para mitigar a dor possa eventualmente ter de se reduzir o tempo de vida. Mas é preciso tratar os doentes com bom senso e humanidade. Senão estamos a dizer à sociedade que só há duas soluções inconciliáveis: ou sofres ou morres.

Mas o que defende para doentes em que a medicação já não faz efeito?

Há a sedação ética que é dada e bem feita em Portugal, o doente fica bem e confortável. Deixar o doente bem não tem necessariamente de se encaminhar o doente para cuidados paliativos. Há mais de 60 mil doentes que não têm acesso a este tipo de cuidados, não estou a dizer para se parar com a criação destas unidades de saúde, mas é preciso começar a investir noutras soluções. E, acima de tudo, os médicos têm de perceber o que a medicina tem para dar ao doente. Podemos ajudar o doente não desistindo dele. Faz falta consenso nesta ideia de que é preciso perceber que quando não podemos fazer nada curativo ainda temos de tratar a pessoa, dar-lhe todo o apoio e acompanhá-la.

Desempenha as funções do que se chama patient advocate, em Portugal não é muito comum...

Quem me procura são sobretudo pessoas com problemas oncológicos, mas também com doenças autoimunes. Muitas a quem é dito: "Não tenho mais nada para lhe oferecer." E é nessa altura que muitas vêm ter comigo porque querem experimentar a imunoterapia celular, mas há cada vez mais pessoas a querer experimentar estes tratamentos assim que lhes é diagnosticada a doença. Há pessoas que experimentaram este tratamento e que estão vivas há 20 anos. Já acompanhei cerca de 300 doentes e a proporcionalidade de homem-mulher é absolutamente a mesma.

Mas o que faz concretamente?

Faço várias coisas, mas a primeira é, por exemplo, um doente vem ter comigo e diz "eu quero ir a esta ou àquela clínica" e eu organizo num dossiê toda a sua informação clínica para a enviar a esses locais, de forma a que os médicos possam fazer uma triagem rápida. Já tive recusas de doentes, porque esta triagem tem que ver com critérios de autonomia do doente e do estado em que se encontra. Mas também é verdade que já houve doentes que foram vacinados em coma e que agora estão vivos, são menos de 1%, mas que existe, existe. Depois, uma vez aceite o caso, acompanho os doentes às clínicas, às consultas, às reuniões com os médicos e aos tratamentos. Há quase sempre um problema com as línguas, por exemplo o alemão, que eu resolvo também, falo várias línguas.

Com que clínicas ou médicos tem parcerias?

Tenho parcerias com o Dr. Thomas Nesselhut, que foi a primeira pessoa do mundo a produzir células dendríticas, com a Dra. Oppermann, na Alemanha. E isto porque considero que a imunoterapia celular é uma resposta médica que parte do princípio de que a forma de combater as doenças deve ser feita atuando diretamente sobre o sistema imunitário. Neste momento, já tenho doentes que fazem a vacina de imunoterapia lá e que depois vêm cá acabar os tratamentos, embora não seja fácil, porque muitos doentes que escolhem esta opção acabam por ficar com as portas fechadas cá, em alguns serviços médicos. Por outro lado, temos médicos que já nos enviam doentes e que dizem: "Faça lá a imunoterapia celular e depois fazem cá a rádio e a quimioterapia. Há cada vez mais médicos que estudaram biomédicas e que percebem que isto é apenas a combinação da investigação com a medicina.

A Raquel é um exemplo de doente que não desiste

Na década de 1990 fiquei 15 dias internada no Hospital de Santa Maria. Achavam que tinha um tumor no pulmão. Decidi ir a Londres e disseram que não tinha nada disso. Foi-me detetada uma síndrome de fibromialgia. Mudei-me de armas e bagagens para lá e fui ter com um médico que me tinha sido referenciado. Na altura, andava de canadianas e ele confirmou que tinha o sistema imunitário muito frágil. Comecei a ter falhas de memória, de discurso, etc., mas disse-me que iria ajudar-me e eu disse-lhe que não iria ficar numa cadeira de rodas. Eu própria comecei a estudar a doença com duas outras doentes que estavam na clínica dele com o mesmo problema. Tinha dores horríveis, quando ia aos tratamentos tinha de estar ligada ao monitor cardíaco. Fiz tratamentos na Suíça, candidatei-me a um ensaio para um medicamento nos EUA e consegui. Tomei este medicamento durante cinco anos. Ao fim deste tempo, deixei as canadianas e fiquei bem. Na altura tive de arranjar trabalho em Londres para pagar os tratamentos. Os cinco anos em Londres custaram 850 mil euros, não tinha esse dinheiro. Ao fim de três anos comecei logo a trabalhar, candidatei-me a um cargo no Parlamento inglês, consegui. A minha vida lá tinha imenso sentido, nunca desisti. Hoje, quando me dizem que tenho isto ou aquilo, penso sempre que há imensas soluções... Em 2014, foi-me detetada outra doença autoimune que cria líquido à volta do coração. Tive um ataque cardíaco, recuperei, mas posso ter outro a qualquer momento. Foi na Alemanha, com as células dendríticas, que me tratei.

Mas já há críticas em relação a esses tratamentos...

Há, porque também já há pessoas que estão a pagar-se muito caro para fazer tratamentos e alguns sem qualidade. Mas o que posso dizer é que a UE financia consecutivamente esta clínica do Dr. Thomas e não há aqui nada a esconder.

Foi voluntária em África, trabalhou em ONG, mas acabou por regressar a Portugal.

É mais fácil ajudar os outros assim do que estar em estruturas corrompidas. Não me sinto menos útil em Portugal. Aliás, sinto-me muito viva a fazer este trabalho. É aquilo que eu gostaria de ter tido quando fiquei doente.

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