Miguel Arruda vs Chega. As contradições de uma relação cortada
O caso do deputado Miguel Arruda contraria a retórica do Chega, uma vez que o açoriano eleito pelo partido de André Ventura foi alvo de buscas pela PSP e constituído arguido por suspeita do furto de malas em aeroportos nacionais. No centro da polémica, o deputado contrariou também a vontade do presidente do partido, mas garantiu que ficaram de "boas relações" e que continuará ao lado do Chega. O partido, contudo, tem uma versão diferente.
As contradições entre o deputado tornaram-se visíveis esta sexta-feira, no início dos trabalhos no Parlamento, depois de Miguel Arruda, que diz que se desfiliará do partido, se sentou entre a bancada do PSD e a do Chega.
"Não nos sentimos confortáveis por o deputado Miguel Arruda se sentar ao lado dos deputados do Chega porque, como sabem, as coisas, não foram pacíficas, não posso responder pelo meu grupo parlamentar e pelo que possa acontecer nesta sessão plenária", afirmou Pedro Pinto, líder do grupo parlamentar do Chega.
“O deputado manter-se sentado ao lado do grupo parlamentar de que saiu acho que não é correto. Não é correto porque desrespeitou, quer grupo parlamentar, quer o presidente do partido, quer o presidente do grupo parlamentar e até esta casa”, acrescentou.
Naquele momento, o presidente da Assembleia da República, Aguiar Branco, suspendeu os trabalhos pedindo que os líderes parlamentares se deslocassem ao seu gabinete. A decisão acerca do lugar de Miguel Arruda deverá ser tomada numa futura reunião de Líderes.
As afirmações de Pedro Pinto, contudo, contradizem por completo o que Miguel Arruda disse na quinta-feira, em entrevista à TVI.
"Tive uma conversa muito franca com o líder do meu partido [André Ventura], a quem desde já mando cumprimentos. Foi uma conversa muito franca, muito aberta - gostei muito da conversa", afirmou quando questionado sobre se se mantinha ao lado do Chega, na sequência da investigação judicial de que é alvo.
"Ficaram de boas relações, o senhor e o Chega?", questionou a jornalista. "Muito boas relações. Não há motivo para haver más relações entre mim e o Chega", respondeu, revelando que, apesar de se desfiliar e passar a deputado não inscrito, continuará a votar ao lado do partido.
"É o meu partido, o partido dos meus ideais. Irei entregar o meu cartão de militante mas não deixarei de ser do Chega. Agora, o facto da minha imagem estar associada ao Chega, como deputado, será contraproducente", argumentou.
Aquela não é a única contradição entre Miguel Arruda e o Chega.
Também na quinta-feira, André Ventura veio a público defender a suspensão ou renúncia do mandato de Miguel Arruda.
"Se as explicações não forem suficientes, se as explicações não forem aceitáveis, então há um de dois caminhos: a suspensão do mandato ou a renúncia ao seu mandato", defendeu o líder do Chega junto dos jornalistas, antes de se reunir com o deputado suspeito de furtar bagagens em viagens entre Lisboa e os Açores.
Antes de Ventura falar já o deputado tinha feito saber que iria passar a não inscrito. E na referida entrevista à TVI, que se realizou depois da reunião com Ventura, Miguel Arruda esclareceu porque se mantém como deputado.
"Eu acho que tenho de dar a cara. Eu não sou culpado. Se eu saísse do Parlamento agora eu próprio sentir-me-ia mal comigo mesmo. Sou culpado - desculpe o termo -, saio com o rabinho entre as pernas e metem-me fora do Parlamento. Não senhor. Estou ali para dar a cara e no sítio certo, que é no tribunal, demonstrar a minha inocência cabalmente. E espero que no dia em que demonstrar a minha inocência, que os jornalistas que andaram aí a comer as notícias - e não estou a falar de si (apontando para a jornalista da TVI Sandra Felgueiras) - das dezenas e centenas de malas, que eu tinha confessado no aeroporto e em casa, que tinha sido o meu periquito ou meu cachorro, ou não sei o quê, que tinha confessado, espero que no momento certo essas pessoas venham dizer 'olha, o homem afinal estava inocente", disse.
Na mesma entrevista reiterou ter pedido informações sobre o levantamento da imunidade parlamentar e que pediu presidente da Assembleia da República, Aguiar Branco, para passar a deputado não inscrito.
"E vou dar a cara já amanhã no Parlamento", acrescentou, insistindo ser capaz de exercer o mandato.
Ora, na tarde desta sexta-feira, já após o mal-estar do grupo parlamentar do Chega por Miguel Arruda se ter sentado, no hemiciclo, junto da bancada do Chega, o deputado açoriano fez saber que vai meter baixa psicológica e regressar aos Açores, sem revelar uma data de regresso à política ativa.
Miguel Arruda foi eleito deputado à Assembleia da República pelas listas do Chega nos Açores.
A polémica surgiu na terça-feira, quando a PSP realizou buscas nas casas de Miguel Arruda em Lisboa e em São Miguel, nos Açores, tendo por base suspeitas de crimes de furto qualificado e contra a propriedade. O deputado terá, segundo as autoridades, furtado malas dos tapetes de bagagens das chegadas dos aeroportos de Lisboa e de Ponta Delgada quando viajava de e para os Açores no início e no final da semana de trabalhos parlamentares.
Na quinta-feira, o comentador e militante socialista Miguel Prata Roque, recentemente candidato à Federação de Lisboa do PS, denunciou na rede social Instagram a existência de uma conta na aplicação de venda de roupa Vinted com o nome e ano de nascimento do deputado do Chega (miguelarruda84) onde estão à venda várias peças de roupa. A conta foi apagada.
"Pois, soube disso à bocado. Eu penso que ela [referindo à esposa] tem uma conta na Vinted, para se entreter um bocadinho", afirmou na entrevista à TVI, adiantando que terá de falar com a esposa "para saber dessa situação da Vinted. Com certeza que irei encontrar uma justificação para isto, mas tudo dentro da lei, sou uma pessoa que cumpre a lei".
O deputado confirmou ter nascido em 1984, referindo-se ao nome do utilizador da conta mencionada, mas não confirmou nem desmentiu ter tido uma conta na plataforma Vinted.