O período oficial de campanha para as legislativas de 10 de março começa hoje - e com ele regressam também os tempos de antena. Os sorteios já foram feitos e estão disponíveis no site da Comissão Nacional de Eleições (https://www.cne.pt/). Passarão na televisão (canais da RTP, SIC e TVI) e na rádio (canais da RDP, RR, RFM, Comercial, TSF, M80 e Posto Emissor do Funchal). .Com os media convencionais, como a televisão e a rádio (e os jornais), a perderem cada vez mais importância na formação das opiniões dos eleitores, os tempos de antena, vistos pela primeira vez em Portugal nas eleições legislativas de 1976, são, para os especialistas em comunicação política ouvidos pelo DN, um produto antiquado e desadequado a este tempo. “Uma coisa um bocadinho anacrónica”, como diz Paula do Espírito Santo, professora no ISCSP (Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas) que cruza na sua formação Comunicação Social (licenciatura), Ciência Política (mestrado) e Ciências Sociais (doutoramento)..No seu entender, os tempos de antena foram um formato que “tiveram o seu tempo”, um tempo que passou e no qual “não existiam tantos meios de comunicação”. “É um formato pouco dinâmico, onde o contraditório não entra” e, sendo assim, “não se cumpre o objetivo de aproximar os eleitores dos eleitos”..Vasco Ribeiro, doutorado em Ciências da Comunicação e professor da Comunicação Política na Universidade do Porto - função que acumula com a de chefe de gabinete do presidente da câmara do Porto, Rui Moreira - alinha pelo mesmo diapasão..Segundo afirma, os tempos de antena são agora “muito menos importantes” porque se entrou num período de “híper fragmentação da opinião pública”. Isto significa que, embora “a televisão continue a ser o meio mais importante” para o eleitor se apetrechar com a informação necessária para fazer uma escolha, a verdade é que agora, com a massificação da internet e das respetivas redes sociais, as fontes de conhecimento se estilhaçaram em mil e um fragmentos..O mais importante, diz - também com o conhecimento que adquiriu em múltiplas experiências de assessoria de imprensa - é que os conteúdos produzidos pelos partidos para a sua propaganda sejam “multiplicados pelas redes”. E isto significa, de facto, que os tempos de antena já não são - embora continuem a parecê-lo - um produto exclusivo para as televisões generalistas ou meia dúzia de estações de rádio: tanto o que é produzido lá pode depois ser usado online como aquilo que é produzido para as redes sociais pode depois ser usado nos tempos de antena convencionais..“Anacronismos que se perpetuam, como o dia de reflexão.” É assim, numa frase, que Rita Figueiras, outra especialista universitária em comunicação política (professora e investigadora na Universidade Católica), qualifica aquilo que significam hoje em dia os tempos de antena. Sintonizada, portanto, com as opinião de Paula do Espírito Santo e Vasco Ribeiro, salienta até que o facto de os tempos de antena não terem merecido na academia grande atenção resulta diretamente da sua “pouca visibilidade e impacto público”. “Não têm expressão e quanto mais vias alternativas de contacto, e mais sedutoras, existirem para os eleitores, menos importância têm.”.Porém, reconhece, “para os partidos pequeninos podem ter a sua utilidade” porque, na prática, significam o seu acesso à televisão e à rádio, de outra forma quase insignificante (o jornalismo tende a dar aos partidos uma importância relacionada com o seu peso eleitoral, perpetuando a pequenez dos “pequeninos”)..Em 1995, por exemplo, o quase sucesso da eleição de Francisco Louçã como deputado do PSR radicou, em parte, numa novidade introduzida pelo partido nos seus tempos de antena: o humor. O que eram antes, nos outros partidos todos, conteúdos sérios e pesados, foram nessa altura divertidos. E esse humor passou em 1999 para o Bloco de Esquerda, partido criado nesse ano por aquilo que acabaria por ser uma fusão entre o PSR, a UDP e a Política XXI (dissidentes do PCP)..Nas legislativas desse ano, com os seus tempos de antena conduzidos pelo realizador Edgar Pêra a partir do seu estúdio no Ginjal (margem sul do Tejo), o Bloco de Esquerda conseguia eleger os seus primeiros dois deputados, Francisco Louçã e Luís Fazenda. O humor seria, mais recentemente, uma arma da propaganda da Iniciativa Liberal e na atual campanha expandiu-se para alguma produção do PAN (há dias produziu um outdoor onde, ao lado da fotografia de uma cama de casal desfeita aparece a mensagem “Touradas só na cama - e com consentimento”)..Seja como for, a utilização do humor já tinha sido tentada antes, em 1987, pelo PS, como arma de comunicação negativa, no caso contra o PRD e o seu principal inspirador, o general Ramalho Eanes. Este era retratado como o “General Balança”, salientando-lhe as indecisões e a influência da mulher, Manuela Eanes. O líder socialista de então, Vítor Constâncio, ficou assustado com o potencial de controvérsia que aquela produção poderia gerar. E mandou cancelar a emissão de vários episódios já prontos para serem televisionados..Hoje, sendo um produto de outra era, os tempos de antena voltam à rádio e à televisão. Ao consenso de que são anacrónicos soma-se no entanto um outro: não se conhece ninguém que defenda a sua substituição por compra de espaço comercial pelas candidaturas, como se de publicidade normal se tratasse, como acontece nos EUA. O tempo não está para os gastos milionários que isso implica.