Vitória da AD terminou mais de oito anos de “jejum” de poder do PSD.
Vitória da AD terminou mais de oito anos de “jejum” de poder do PSD.Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

PSD chega aos 50 anos como uma laranja amarga e doce

Governos da República, dos Açores e da Madeira têm sociais-democratas à frente, tal como a Câmara de Lisboa. E o Presidente da República é um ex-presidente do partido. Mas a hegemonia à direita nunca esteve tão posta em causa desde os primeiros anos da democracia.
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Mais de oito anos fora do Governo da República, no maior “jejum” de poder da história do PSD, terminaram com as legislativas de 10 de março, mesmo a tempo da celebração do 50.º aniversário do partido português que até hoje teve o maior número de primeiros-ministros. Mas a vitória da Aliança Democrática (AD), e a escolha do social-democrata Luís Montenegro para liderar o XXIV Governo, ao mesmo tempo que José Manuel Bolieiro preside ao Governo Regional dos Açores e Miguel Albuquerque está à frente do Governo Regional da Madeira, não escamoteia que o partido enfrenta um dos seus maiores desafios em cinco décadas.

A sucessão de ocorrências no arranque desta legislatura, começando pela dificuldade em eleger o social-democrata José Pedro Aguiar-Branco presidente da Assembleia da República, e passando pela convergência entre PS e Chega na redução de taxas de IRS e abolição de portagens nas autoestradas, demonstraram que o regresso ao poder do partido associado à laranja tem tanto de doce quanto de amargo. Fruto da mais baixa votação em eleições legislativas obtida por uma coligação pré-eleitoral liderada pelo PSD - com a AD a não ir além de 28,85%, menos de um ponto percentual à frente do PS -, os sociais-democratas só elegeram 78 deputados. Juntando os dois centristas, o Governo de Luís Montenegro fica a 36 da maioria absoluta, e com a hegemonia à direito do hemiciclo ameaçada como nunca.

Nas últimas legislativas houve 23% do eleitorado a optar pelo Chega (18,07%) e pela Iniciativa Liberal (4,94%), com o partido de André Ventura a subir de 12 para 50 deputados e o de Rui Rocha a manter os oito que tinha na Assembleia da República. Bastaria um acordo entre estas forças para constituir uma maioria parlamentar de 138  deputados, mas o “não é não” repetido por Montenegro na campanha eleitoral - e a recusa de acordos com o Chega por parte de liberais e centristas -, prometem dificultar a governação da AD. E põem em causa a continuidade do Governo para lá da votação do Orçamento do Estado para 2025.

Cavaco Silva liderou o partido e governou Portugal por uma década.
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Esta correlação de forças difícil, com a posição relativa do PSD no espaço não-socialista nos antípodas das duas maiorias absolutas de Cavaco Silva - o CDS foi reduzido a quatro deputados em 1987, e a cinco em 1991, sem mais ninguém a eleger à direita -, só encontra termo de comparação no arranque do regime democrático. Nomeadamente nas legislativas de 1976, ganhas pelo PS de Mário Soares, com 34,89%, enquanto o PSD de Sá Carneiro teve o pior resultado de sempre, com apenas 24,35%, a curta distância do CDS de Diogo Freitas do Amaral, que subiu a 15,98%. Mas com a diferença relevante de que, após uma curta experiência de governação que juntou socialistas a centristas - e três executivos de iniciativa presidencial -, houve condições para fazer a primeira coligação de centro-direita Aliança Democrática.

Francisco Sá Carneiro foi o fundador e primeiro presidente do PSD.
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Problemas nas ilhas

A coexistência de exercício de poder e dificuldades de governação também se aplica ao PSD nas regiões autónomas. Nos Açores, apesar da vitória da AD nas eleições antecipadas de 4 de fevereiro, causadas pelo chumbo do Orçamento Regional, o reconduzido Executivo de José Manuel Bolieiro garantiu somente 26 deputados entre PSD, CDS-PP e PPM, a três da maioria absoluta. Com o Chega a passar de dois (um dos quais passara a independente) para cinco parlamentares, torna-se necessário negociar arduamente com as demais forças da Assembleia Regional.

Ainda mais complicado, e com desfecho incerto, é o cenário na Madeira. Constituído arguido no âmbito de uma investigação do Ministério Público por suspeitas de corrupção, o presidente do Governo Regional e do PSD-Madeira, Miguel Albuquerque, vai liderar o partido nas eleições regionais antecipadas marcadas para 26 de maio, após ser reeleito pelos militantes sociais-democratas, derrotando o antigo secretário regional Manuel António Correia, tal qual fizera em 2014, aquando da sucessão do histórico Alberto João Jardim, uma das figuras mais marcantes deste primeiro meio século do PSD. Está por revelar como os madeirenses reagirão à tempestade que se abateu sobre o partido que até hoje sempre governou a região autónoma, embora nos dois últimos atos eleitorais tenha perdido a maioria absoluta, dependendo do CDS-PP como parceiro - e, a partir das regionais de 2023, também do voto da deputada única do PAN. Daqui a menos de três semanas será possível saber se o PSD manterá o poder, ainda que desta vez os centristas optem por listas próprias, se o PS do ex-secretário de Estado das Comunidades Portuguesas Paulo Cafôfo obterá em 2024 a vitória de que ficou próximo em 2019, ou se uma subida do Chega e de outros partidos contribuirá para um cenário de ingovernabilidade.

Também sem maioria continua o principal autarca social-democrata, Carlos Moedas, que tem pela frente o desafio da reeleição para a presidência da Câmara de Lisboa em 2025. E, entre as restantes nove das dez maiores autarquias nacionais, apenas Cascais e Braga têm executivos camarários com presidentes sociais-democratas, num registo muito distante da hecatombe autárquica que o PSD impôs ao PS em 2001, motivando a demissão do primeiro-ministro socialista António Guterres. Nessa altura, entre outras vitórias, Santana Lopes conquistou Lisboa e Rui Rio foi eleito presidente do Porto, enquanto António Capucho e Fernando Seara se tornavam presidentes de Cascais e de Sintra, respetivamente. Nos últimos anos, pelo contrário, a Associação Nacional de Municípios Portugueses tem sido presidida por diversos socialistas, sendo a sua mais recente líder a presidente da Câmara de Matosinhos, Luísa Salgueiro. 

Também muito distante no tempo está a derradeira vitória do PSD nas eleições para o Parlamento Europeu, sendo necessário recuar até 2009, quando a lista encabeçada pelo atual ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, foi a mais votada, com 31,71%, à frente do PS, que apresentou Vital Moreira como primeiro candidato e teve apenas 26,53%. Pelo contrário, nas duas últimas eleições, nem a coligação entre PSD e CDS-PP, em 2014, evitou que os socialistas fossem os mais votados, ficando mais de dez pontos percentuais à frente dos sociais-democratas há cinco anos.

Inverter essa situação a 9 de junho seria o melhor presente que Luís Montenegro poderia desejar para iniciar as comemorações do 50.º aniversário do PSD. A aposta no comentador político Sebastião Bugalho para cabeça de lista da AD é vista como um apelo ao eleitorado jovem que foi decisivo para a vitória do centro-direita nas legislativas, mas o PS apresenta a ex-ministra Marta Temido, enquanto o Chega aponta para a vitória com uma lista encabeçada pelo embaixador Tânger Corrêa.

Ex-líderes em Belém há quatro mandatos seguidos

Demorou mais de 30 anos a concretizar-se a máxima “um Governo, uma maioria, um Presidente”, lançada pelo fundador do PSD, Sá Carneiro, na campanha para as presidenciais de 1980, quando a Aliança Democrática (AD) falhou a aposta no general Soares Carneiro para travar a reeleição de Ramalho Eanes. Foi em 2011 que Cavaco Silva, já então a cumprir o segundo mandato, deu posse ao Executivo liderado por Passos Coelho, numa coincidência social-democrata entre Belém e São Bento que só agora se repetiu, com Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro. 

Durante muito tempo, a Presidência da República foi um verdadeiro calcanhar de Aquiles para os sociais-democratas, que haviam estado entre os apoiantes de Ramalho Eanes em 1976, mas logo se incompatibilizaram com o militar de Abril, e enveredaram pela não-beligerância em 1991, facilitando a reeleição de Mário Soares para o segundo mandato, com um recorde de 70,35% dos votos. Após a derrota traumática nas presidenciais de 1980, ensombrados pela morte de Sá Carneiro, três dias antes, na queda de um avião, em Camarate, por causas nunca totalmente esclarecidas, sucedera a derrota de 1986, quando o PSD apoiou Diogo Freitas do Amaral. O fundador do CDS foi o mais votado na primeira volta, mas acabou suplantado pelo líder histórico do PS Mário Soares, numa inédita e não mais repetida segunda volta.  

Derrotado pelo socialista Jorge Sampaio em 1996, após uma década enquanto primeiro-ministro, Cavaco Silva voltou a candidatar-se à Presidência da República em 2006. E dessa vez foi eleito, com 50,64% dos votos, aproveitando a divisão entre a candidatura independente de Manuel Alegre e a candidatura oficial socialista de Mário Soares.

Aquilo que parecera vedado ao PSD passou a ser uma constante: após dois mandatos de Cavaco Silva, que em 2011 atingiu 52,95%, novamente contra Manuel Alegre, que obteve menos 300 mil votos enquanto candidato oficial do PS do que cinco anos antes, o também ex-líder social-democrata Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito em 2016, com 52%, e reeleito cinco anos depois, com 60,66%. Uma tendência que pode ser prosseguida em 2026, com Pedro Passos Coelho e Marques Mendes na linha de partida. 

Passos Coelho era até agora o último primeiro-ministro social-democrata.
Gustavo Bom / Global Imagens

Momentos

Mudança de nome 
Nascido Partido Popular Democrático, o partido iniciou o processo de mudança para Partido Social-Democrata num Conselho Nacional realizado a 3 de outubro de 1976, no Hotel Estoril-Sol. 

Cor e símbolos 
Terá sido Conceição Monteiro, militante que foi secretária de Sá Carneiro, a sugerir a cor laranja, que contrastava com o vermelho dos comunistas. Quanto às setas do símbolo, devem-se, entre outros, ao cartoonista Augusto Cid.  

Primeiro de muitos
Após o fundador (e depois líder do PSD) Mota Pinto ser primeiro-ministro, num governo de iniciativa presidencial de Ramalho Eanes, o mesmo sucedeu a Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Cavaco Silva, Durão Barroso, Santana Lopes, Passos Coelho e Luís Montenegro. 

Jantar na Estufa Fria celebra aniversário

O 50.º aniversário do PSD vai ser celebrado hoje com um jantar, organizado pela Comissão Política Nacional, na Estufa Fria, em Lisboa. O evento, que contará com a participação do presidente do partido e primeiro-ministro, Luís Montenegro, entre muitos atuaise antigos dirigentes, marca o início das comemorações dos 50 anos do PSD. Foi a 6 de maio de 1974 que Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão e Magalhães Mota apresentaram os estatutos do então Partido Popular Democrático, que se apresentava como sendo uma força política de centro-esquerda, baseada nos princípios da liberdade, igualdade e solidariedade.  

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