"Há um futuro ameaçador que já nos bate à porta", avisa presidente do TC

Juiz conselheiro João Pedro Caupers aproveita abertura da conferência internacional organizada para celebrar os 40 anos do Tribunal Constitucional para alertar para os perigos da "normalização da devassa da privacidade dos cidadão". Quando as "pulsões securitárias" ganham força "não há liberdade que resista", avisou.
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Na Alemanha, caiu por terra recentemente a utilização pelas forças policiais de software que utiliza os chamados algoritmos preditivos - programas de inteligência artificial que podem definir uma pessoa como suspeita, analisando toda a informação disponível, mesmo antes desta ter cometido qualquer crime. No estado de Hesse esses programas já se usam desde 2017 e agora Hamburgo preparava-se para fazer o mesmo. Uma intervenção do Tribunal Constitucional alemão declarou-o ilegal.

Esta quinta-feira, na Academia das Ciências de Lisboa, o presidente do Tribunal Constitucional (TC), João Pedro Caupers, usou esta história para dizer que há "um futuro ameaçador que já nos bate à porta". E para sublinhar o "relevante papel na resolução deste grave problema" que podem ter as jurisdições constitucionais e o Tribunal de Justiça da União Europeia.

O juiz conselheiro falava na sessão de abertura da conferência internacional "O Constitucionalismo no séc. XXI" que o TC organizou para celebrar os seus 40 anos de existência. E foi muito explicito a referir a Lei dos Metadados, que regula o uso pela investigação criminal dos dados nas comunicações relativos a geolocalização, origem, destino, hora e duração (a lei foi chumbada em abril de 2022 e está agora a ser revista no Parlamento). "A acumulação de dados pessoais sobre os cidadãos, com alegado fundamento na defesa destes, dramatizou o respetivo acesso, situação que se encontra refletida na controvérsia que grassa na Europa e nas suas instituições sobre os chamados metadados." Ora o problema é que "não há liberdade que resista" quando se acentuam "pulsões securitárias" que proporcionam a "normalização da devassa da privacidade dos cidadãos", tornando-se "inevitáveis" as "restrições às liberdades até há pouco tidas como inaceitáveis".

Caupers enquadrou estes avisos no contexto das "muitas mudanças" que no seu entender estão a ocorrer na justiça constitucional. Segundo disse, as "jurisdições constitucionais" irão "ter de se reinventar" por causa destas novas questões de "equilíbrio" entre "liberdade e segurança". Mas resta a dúvida: "Saberão fazê-lo? Poderão fazê-lo? Quererão fazê-lo?"

O presidente do TC - agora a quatro dias de terminar o seu mandato - considerou ainda que a "intensificação da exposição" dos casos judiciais portugueses esconde, algumas vezes, "tentativas de pressionar os tribunais no sentido de decidir em certo sentido". No seu entender, "os casos mais relevantes pendentes nos tribunais portugueses, incluindo no Tribunal Constitucional, são abundantemente comentados, nos meios de comunicação e nas redes sociais, ainda antes de serem conhecidos".

Ora esses comentários são feitos "por quem, pouco ou nada conhecendo das questões envolvidas", emite ainda assim "juízos precipitados e mal fundados". Sendo que "não parece possível reverter esta situação", então apenas "haverá que ponderar a melhor forma de lhe fazer face, sem afetar a reserva da atividade jurisdicional e a tranquilidade indispensável à ponderação judicial".

O grupo de trabalho parlamentar sobre metadados pretende fechar um texto final daqui a duas semanas, com PS, PSD, Chega e PCP a manifestarem disponibilidade para elaborar uma proposta comum a partir dos diferentes diplomas que foram apresentados.

Numa reunião ocorrida esta quinta-feira, os deputados do grupo concordaram em agendar para dia 17 de março a votação indiciária, tendo até 15 de março para fazerem "propostas de alteração e/ou fusão das propostas que existem". Até ao momento, o PSD, Chega e PCP apresentaram diplomas para alterar a chamada lei dos metadados, a que acresce ainda uma proposta de lei do governo, depois de o Tribunal Constitucional ter declarado, em abril de 2022, algumas das suas normas inconstitucionais.

PS, PSD, Chega e PCP manifestaram disponibilidade para elaborar um texto comum a partir dos diferentes projetos apresentados. A proposta surgiu da deputada socialista Alexandra Leitão, que manifestou "o interesse e a disponibilidade do Grupo Parlamentar do PS para encontrar um texto comum, que possa ser aprovado neste grupo de trabalho e depois seguir a sua tramitação normal". "Eu acho que as audições que fizemos foram todas elas muito úteis para percebermos que caminho levar. Aqui chegados, e salientando toda a complexidade inerente a esta matéria, eu julgo que poderíamos estar em condições de fazer um texto mais ou menos consensualizado", disse.

A deputada do PSD Mónica Quintela concordou que a "solução mais sensata" seria encontrar um texto comum, que possa "consubstanciar as situações de forma a proteger ao máximo o interesse fundamental da investigação criminal".

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