Dirigentes “retornados” do Chega eleitos para a presidência de concelhias do CDS
Dois dos militantes centristas que saíram do partido para aderir ao Chega e depois fizeram o trajeto inverso ao desiludirem-se com a “falta de democracia” que dizem ter encontrado no partido de André Ventura acabam de ser eleitos presidentes de concelhias do CDS. Desde quinta-feira que Fernando Arriscado e João Leitão lideram o partido na Póvoa de Varzim e na Maia, respetivamente, assumindo o desafio de aumentar o peso eleitoral em dois concelhos do distrito do Porto que já tiveram presidentes de câmara do partido.
Em comum, além do desafio e do percurso de quem saiu de um dos partidos fundadores do regime democrático, ingressou na força que mais desafiou o domínio do PSD e PS, mas regressou ao ponto de partida, Arriscado e Leitão têm as memórias de um partido que, nas suas palavras, “de democrático não tem nada”. E de terem trazido consigo, no regresso ao CDS, “dezenas de militantes”, também desiludidos com o que encontraram no Chega.
Para João Leitão, que esteve ligado à criação da concelhia do Chega na Maia, sair do CDS foi uma escolha ditada por não se identificar “com a forma de atuar e gerir o partido de Francisco Rodrigues dos Santos”, mas também com o que hoje diz ter sido o erro de ter acreditado num “discurso motivacional para captar pessoas”, apresentando um partido de direita empenhado em lutar contra a corrupção. “Na verdade, nada disso é real”, admite. “O Chega é um partido de um homem só, que não é um partido e sim uma seita”, acusa, vincando que se arrepende de ter aderido ao partido, que se apresentava “quase como se fosse um CDS II”, sendo decisivo para o corte com aquilo que descreve como a falta de democracia interna simbolizada na Comissão de Ética, criada “para suspender os militantes sem nenhuma razão válida”.
Também Arriscado, que foi vice-presidente da concelhia do Chega na Póvoa de Varzim, inicia as memórias da passagem pelo partido de Ventura com a perspetiva de uma “mudança pela positiva na direita portuguesa”. Até porque via inação no partido em que militava há décadas, o que só piorou com a liderança de Assunção Cristas, que descreve como “uma ótima ministra, mas péssima presidente do CDS”.
Pelo contrário, via em Ventura alguém capaz de fazer oposição à governação do PS, “tirando a parte ridícula” do discurso anticiganos, “de tal maneira exagerado que só servia para aparecer nas notícias”. Mas não tardou “a perceber que ele era um cata-vento”, apresentando como exemplo os ziguezagues na TAP, para a qual começou por advogar a privatização para depois defender uma providência cautelar que travasse a entrada de privados.
Decisivo para o corte de Arriscado com o partido que o levou a afastar-se do CDS foi o funcionamento interno. Com estruturas concelhias nomeadas em vez de serem eleitas, apesar de Ventura lhe ter prometido mudanças, foi exonerado por Rui Afonso, que sucedeu a José Lourenço à frente da distrital do Porto. Aliás, também João Leitão realça o “descalabro total” decorrente de tal alteração. “Rui Afonso usa e abusa dos seus poderes para nomear ou exonerar quem quiser”, acusa.
Rotulando o Chega de “partido sem identidade, que a única coisa que faz é contestar”, Leitão diz que “tão depressa cresceu como vai cair”, mas sem desaparecer, “pois os mais extremistas vão continuar a rever-se”. Arriscado reforça: “Houve uma grande debandada do Chega para o CDS, mas hoje sentimos o inverso: uma grande debandada do Chega para voltar ao CDS.” O teste serão as autárquicas de 2025, nas quais os agora líderes concelhios centristas querem recuperar terreno perdido na Maia e na Póvoa de Varzim.