Ligado ao poder local desde 1998, José Ribau Esteves, 59 anos, prepara-se para deixar a vida autárquica com a saída da Câmara Municipal de Aveiro. Em entrevista ao DN, assume que “há diálogo” com a direção nacional do PSD para definir qual o papel que se segue. Olhando para os 12 anos à frente do município aveirense, faz um balanço “muito positivo” dos seus mandatos, que serão descritos pelo próprio num livro, prefaciado por António Costa e Luís Montenegro, que agora edita. Foram 27 anos ligado ao poder local, primeiro em Ílhavo (entre 1998 e 2013), depois em Aveiro. Que balanço faz deste período?Faço um balanço muito positivo. É uma vida muito intensa, mas com resultados muito positivos nos dois municípios onde trabalhei, que tem duas dimensões de importância: a primeira é a do desenvolvimento, da qualidade de vida e do que se consegue adicionar ao território e à vida das pessoas. Essa é a primeira grande benfeitoria que temos de entregar num mandato, ou num conjunto de mandatos. A segunda é a notoriedade e a importância política que se entrega a um município. Ílhavo não existia no mapa político português. Quando o seu presidente da câmara é também presidente da comunidade intermunicipal, isso tem um conjunto de vantagens no peso político quando se negociam fundos comunitários ou quando se fala com o Governo. No fundo, é vantajoso por tratar um conjunto de matérias de gestão do poder para procurarmos que isso tenha um efeito no tal resultado principal do desenvolvimento e da qualidade de vida. Igual em Aveiro, mas com uma diferença brutal: além da dimensão e das idiossincrasias, cada município tem uma personalidade muito própria. Quando cheguei a Ílhavo tinha dinheiro no banco, não tinha dívidas a ninguém, mas também não tinha projetos, não tinha nada. Em Aveiro era tudo ao contrário: tinha uma câmara com um problema gravíssimo em termos financeiros, em termos organizacionais e era preciso implementar-lhe uma reforma profunda para que depois pudesse, enfim, exponenciar a sua capacidade de a realizar. O primeiro mandato foi basicamente isso. Foi pôr ordem, com medidas diretas e imediatas. Depois é que surgiu o Fundo de Apoio Municipal [FAM], um instrumento financeiro de recuperação para que pudéssemos pagar dívidas de 150 milhões de euros, algumas com mais de duas décadas.Como é o caso do estádio?Sim. Mas já disse vezes demais que a culpa do estádio na dívida total da câmara de Aveiro era inferior a um terço. Não foi o estádio que arruinou a câmara de Aveiro. Tomara eu que a única dívida que tivesse fosse a do estádio. Deu o seu contributo, claro que sim, mas a culpa não foi do estádio, a culpa foi da péssima gestão de quem geriu a câmara. Eu uso uma frase muito simbólica: o presidente da câmara da altura, Alberto Souto [PS, recandidatou-se este ano], teve uma relação com o dinheiro como temos com o ar que respiramos: estamos a usar, mas não temos consciência. A câmara chegou a níveis dramáticos. Foi nesse quadro que tivemos que fazer coisas dolorosas como aumentar o IMI de 0,3 para 0,5 em dois anos, um aumento em valores absolutos de quase 70%. Mas sempre tive uma atitude pedagógica para dizer que a câmara é nossa e cada um tem de dar um contributo com a certeza de que isso vai ter um resultado. Esse resultado aconteceu, malgrado termos apanhado o embaraço da covid-19. 2020 e 2021 foram anos gravemente perturbados. Na verdade, são 12 anos a governar uma câmara em que só seis são de plena condição. No fundo, é um balanço muito positivo de um presidente de câmara realizado e feliz. Apenas não quis ser mais presidente de câmara nesta fase da minha vida.E o que se segue agora?Não sei.Já foi sondado pela direção nacional do PSD para algum cargo?Sim, mais do que sondado. Há diálogo, há objetivos. Estamos a conversar.Quer avançar com algum caminho?Não. Manterei total reserva sobre isso até que tudo esteja terminado e se possa assumir publicamente qual o caminho escolhido. Estas coisas devem ter o devido recato, e é isso que estamos a fazer. Óbvio que há uma ambiência para que a minha atividade se mantenha na política. Poderá também não ser, se as coisas não correrem bem. Mas, enfim, estão a correr bem neste espaço de diálogo e cooperação, de alguém que tem um património de conhecimento e que, em princípio, gostaria de o manter ao serviço dos cidadãos e no espaço público. Partimos para uma nova fase que não está ainda definida, mas é o fim desta etapa.Quando termina o mandato de forma oficial?No dia 31 de outubro. Nessa data, o meu sucessor [Luís Souto] assume todas as minhas funções, exceto uma: a vice-presidência do conselho diretivo da Associação Nacional de Municípios (ANMP), que só cessará em congresso. Sei que é uma matéria que exige moderação e algum recato, mas quem considera estar capacitado para presidir à ANMP?Vou continuar a defender que o pior serviço que podemos prestar à ANMP e ao poder local é estar a discutir nomes na praça pública. É muito importante ter uma ANMP forte e capaz politicamente. Há gente a discutir nomes em praça pública, não o vou fazer. Discuto, isso sim, o perfil.Santana Lopes é um bom perfil, por exemplo?Pedro Santana Lopes foi o primeiro a falar sobre isso, e entretanto já falou novamente. Para mim, há um perfil claro: alguém que esteja no segundo ou terceiro mandato, nunca no primeiro. Uma câmara é um mundo muito complexo. O presidente da ANMP tem de entregar muito trabalho à instituição, bem como energia e tempo. Se não for assim, as coisas não são capazes de andar. Exercer a função de presidente da ANMP também exige jovialidade e saúde para exercer a função. Este é o quadro que entendo que a ANMP deve ter. Já partilhei, obviamente, os meus nomes com quem de direito, mas ninguém me ouvir a falar sobre qualquer nome na praça pública.Luís Filipe Menezes [autarca reeleito de Vila Nova de Gaia] também se adequa?Luís Felipe Menezes é um novo presidente de câmara, embora com muita experiência do seu primeiro ciclo. É bom termos essa noção. Luís Filipe Menezes regressa 12 anos depois de ter saído. O mundo do poder local mudou de uma forma imensa. Esta coisa de ter sido muito bom há 12 anos - e Luís Felipe Menezes foi um excelente presidente de câmara, em Gaia - mas voltar agora não tem nada a ver. O mundo de hoje do poder local não tem nada a ver com o que era há 12 anos..“O Chega teve um bom resultado autárquico. Um partido que, em quatro anos, passa de 19 vereadores para 137, consegue candidaturas em todas as câmaras municipais e ganha três… É um excelente resultado, é uma excelente evolução.”.Que reação faz aos resultados autárquicos deste ano?Há três notas. Em primeiro lugar, a vitória do PSD. Ganha as eleições nas duas dimensões que normalmente referenciamos: a dimensão quantitativa, onde tem o maior número de câmaras e de juntas de freguesia. E, na dimensão qualitativa - Porto, Lisboa, Vila Nova de Gaia, Sintra e Cascais, foram ganhas pelo PSD. Dessas, o PS perdeu duas (Sintra e Gaia). A segunda nota, é a derrota do PS, que perde as eleições, mas tem uma derrota boa. Tem um líder ameaçado de uma derrota pesada nas autárquicas, que se salva disso com algumas vitórias: Bragança, Coimbra, Viseu e Évora e Faro. É uma nota muito interessante para o PS. A terceira nota é o notável resultado do Chega. Não pertenço ao grupo dos que acham que o Chega teve uma grande derrota. Por um motivo muito simples: comparar resultados legislativos com autárquicas é apenas um total absurdo. Um partido que, em quatro anos, passa de 19 vereadores para 137, consegue candidaturas em todas as câmaras municipais e ganha três… É um excelente resultado, é uma excelente evolução. Acho que ao nível do poder local o Chega está a implantar-se. Por isso, é preciso que o trabalho político dos outros tenha uma qualidade mais apurada para cuidar deste fenómeno.Em Aveiro, o PSD também venceu, mas o processo de escolha do candidato não foi pacífico. Que perspetivas faz para o mandato do seu sucessor?Na política, às vezes, diabolizamos as diferenças de opinião. Somos todos muito democratas, mas quando temos uma diferença de opinião, há um problema gravíssimo. Isto é contraditório e é em si democraticamente absurdo. Defendi que o melhor candidato que tínhamos era o meu vice-presidente [Rogério Carlos]. A decisão foi outra e Luís Souto é uma pessoa que bem conheço, foi presidente da Assembleia Municipal nos últimos oito anos. Entre PS e PSD quem tinha melhores condições para ser presidente da câmara? Sobre isso a minha opinião nunca teve qualquer dúvida. Até me rio, de vez em quando, por acharem que eu acreditava que seria o doutor Alberto Souto, que destruiu a câmara, a pessoa indicada para me suceder. Só se, de facto, não se esteve atento minimamente aos meus 12 anos de trabalho, e à situação péssima da câmara municipal por responsabilidade dele. Ganhou o doutor Luís Souto e ganhou bem. É evidente que é um bom resultado. Não é excelente como o nosso nas últimas eleições, com uma maioria absoluta de seis vereadores contra três e ganhando com maioria todas as juntas de freguesia. Este foi um bom resultado, com o PSD a ter quatro vereadores, o PS outros quatro e o Chega um. Agora vamos ver, obviamente, como é que o presidente Luís Souto organiza a governação e a atitude da oposição. Há também maioria absoluta na Assembleia Municipal, por efeito da entrada dos presidentes de junta, porque sem eles não havia. Há condições para governar num modelo em que Aveiro tem pouca experiência. Nestes quase 50 anos de democracia só tivemos um mandato sem maioria no executivo municipal. Este vai ser o segundo..“[O que se segue?] Não sei. Há diálogo, há objetivos (...). Manterei total reserva sobre isso até que tudo esteja terminado e se possa assumir publicamente qual o caminho escolhido. Estas coisas devem ter o devido recato, e é isso que estamos a fazer.”.E foi bem-sucedido?Nem por isso. O primeiro foi um mandato muito taticista, porque logo à partida o PS estabeleceu um acordo de governação com o CDS e uma parte do PSD. Neste final de mandato, vai também lançar um livro em jeito de balanço. Li, nos meios locais, que foi bastante criticado por ter financiado a obra com meios da câmara. Porquê lançar este livro e porquê essa questão de usar dinheiro da câmara para o financiar?Espero que o mais importante do livro seja o livro. Sei que ele vai dar trabalho a ler, são mais de 400 páginas, portanto vai ser preciso investir tempo e inteligência para o ler. Durante 12 anos, ouvi permanentemente estas coisas, por parte da oposição, sobre a obra A, sobre a obra B, sobre a viagem X, sobre tudo e mais alguma coisa. Não há sequer nenhuma originalidade. Volto à democracia e ao respeito por isso. Depois dos problemas resolvidos, Aveiro passou a ser um município que edita livros importantes para contar a história e partilhar um conhecimento mais profundo de matérias que consideramos importantes. Como obras principais. Por exemplo, o Rossio tem referências documentais com mais de dez séculos, ou a Avenida Lourenço Peixinho tem mais de 100 anos e nunca existiu uma obra a contar a história destes locais de Aveiro. Uma terra que é culta, que foi capital portuguesa da cultura em 2024, que se candidatou para ser capital europeia em 2027, tem de cuidar daquilo a que eu chamo “solidariedade cultural”. Portanto, uma câmara que tem qualidade, que quer ter expressão cultural e deixar a sua história contada a quem é vivo hoje, e às próximas gerações, tem de ter este tipo de investimento. Entendemos que, nesse quadro, tinha todo o sentido o presidente da câmara de um período muito diverso, único e complexo, deixasse uma obra pela sua própria mão. Tirei cerca de 300 horas da minha vida, de março a final de setembro deste ano, sábados, domingos, noites, viagens de avião, para o escrever eu próprio, pela minha mão. Deixo assim uma peça que vai ser muito útil para as pessoas conhecerem algumas componentes da governação que não conheceram. Em vez de ler 12 relatórios de contas, 12 planos de orçamentos, centenas de atas, quem quiser aprofundar o conhecimento tem um livro. É uma edição da câmara, mas a editora pediu para a colocar no circuito comercial. As Edições Afrontamento pediram-nos isso e demos luz verde. Tenho a honra de ter dois dos meus primeiros-ministros a escrever no prefácio (António Costa, durante mais tempo, e Luís Montenegro, há quase dois anos). O livro tem valor político e histórico. Custou dinheiro? Tudo custa, mas é uma peça importante como instrumento de conhecimento de um período da nossa história, e, obviamente, fazemos isto com toda a naturalidade.