Eva Cruzeiro, deputada socialista.
Eva Cruzeiro, deputada socialista. Foto: D.R.

“Gritou-me: vai para a tua terra.” Deputada Eva Cruzeiro (PS) pede abertura de inquérito a Filipe Melo (Chega) por racismo e xenofobia

A queixa foi feita em carta dirigida ao presidente da Assembleia da República. Esta é a segunda participação contra este deputado, depois do episódio do beijinho à também socialista Isabel Moreira.
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A deputada socialista Eva Cruzeiro solicitou a abertura de um inquérito a Filipe Melo, do Chega, através da Comissão Parlamentar de Transparência. O pedido foi feito em carta enviado a José Pedro Aguiar-Branco, presidente da Assembleia da República, de acordo com uma notícia da agência Lusa, que teve acesso ao documento.

Em causa estarão palavras, que Eva Cruzeiro definiu como racistas e xenófobas, que o deputado do partido de André Ventura lhe terá gritado a 29 de outubro, durante uma audição a António Leitão Amaro, ministro da Presidência, quando se debatia a questão da imigração.

“Gritou-me: 'vai para a tua terra'”, refere a deputada do PS na referida carta.

A confirmar-se o inquérito, este não será o primeiro que Filipe Melo terá na Comissão de Transparência, que já tem em sua posse uma outra queixa da também deputada socialista Isabel Moreira, que acusa o deputado do Chega de lhe ter dirigido “gestos considerados desrespeitosos, designadamente, mandado beijos, e feito sinais para se calar, numa alegada tentativa de silenciamento”.

Neste novo caso, Eva Cruzeiro refere que os alegados insultos terão acontecido na sequência de uma sua intervenção durante a audição a Leitão Amaro, que teve posterior resposta de Pedro Pinto, presidente da bancada do Chega, que a acusou “de forma infundada de ter proferido um discurso de ódio”.

“Durante e após essa intervenção [de Pedro Pinto], vários deputados do Chega proferiram expressões e adotaram comportamentos que considero justificar uma análise detalhada das gravações das câmaras no plenário. Ademais, houve um episódio particularmente evidente e percetível a todos os presentes: o senhor deputado Filipe Melo, membro da Mesa da Assembleia da República, visivelmente exaltado e de pé, proferiu de forma reiterada insultos dirigidos à bancada do PS. E, concretamente, gritou-me: 'volta para a tua terra', acompanhando a referida expressão com gestos explícitos que indicavam a minha expulsão”, refere a deputada, considerando tratar-se de “um agravamento do discurso racista e xenófobo no espaço público, legitimado e difundido pela extrema-direita”.

Eva Cruzeiro considera, desta forma, que “os factos descritos violam o princípio de urbanidade e lealdade institucional, consagrado no artigo 5.º do Código de Conduta dos Deputados, e o dever de os deputados intervirem com urbanidade, abstendo-se de comportamentos que não prestigiam e respeitem a dignidade da instituição”, acrescentando depois que, apesar de Filipe Melo beneficiar de imunidade parlamentar, “os factos em apreço revestem uma gravidade tal que, em qualquer outro contexto fora do exercício de funções parlamentares, poderiam consubstanciar responsabilidade criminal (…), que pune as condutas de discriminação e incitamento ao ódio ou à violência com base em raça, cor ou origem étnica e nacional”.

Eva Cruzeiro indica que a declaração “volta para a tua terra” dirigida a uma cidadã portuguesa e baseada na sua origem racial, “viola simultaneamente o princípio da igualdade, ao negar cidadania plena com base na raça; o direito à identidade pessoal, ao questionar a identidade nacional da cidadã visada; e o fundamento da dignidade humana, ao tratá-la como cidadã de segunda classe”.

“É evidente que o “volta para a tua terra” que me foi dirigido não se referia à cidade de Lisboa, onde estávamos e onde nasci, mas a África, como sucede sempre que uma pessoa negra portuguesa é atacada desta forma”, indica.

Para Eva Cruzeiro, “o racismo e a xenofobia são inaceitáveis em qualquer circunstância e continuam a afetar, de forma profunda e persistente, milhares de pessoas no país, desde a infância até ao fim da vida”.

“Solicito que este caso seja analisado com a atenção que exige, isto é, não apenas como um episódio individual, mas como expressão de um problema que a Assembleia da República tem o dever moral e constitucional de repudiar e corrigir. Cabe-nos, enquanto representantes do povo português, dar o exemplo de que em Portugal nenhuma manifestação de racismo, xenofobia ou qualquer outro tipo de discriminação, é tolerada e de que todas as vítimas deste tipo de ataques podem contar com a defesa intransigente da lei, dos seus representantes e das instituições”, conclui.

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