Tão focados andam os nossos governantes em discutir a guerra em África, a TAP, o Benfica, o TGV e outros temas de alegado extremo interesse nacional, que as relações entre Portugal e a maior economia do mundo ficam para segundo plano. Em jeito de perspetiva, em 2020 os Estados Unidos da América terminaram o ano com um modesto PIB de 20.93 Triliões de Dólares, tendo subido 4.3% no último quadrimestre. Neste momento, já crescem a uma taxa anual de 6.4%, e isto sem a bazuca Biden, superando o crescimento da larga maioria dos países europeus, incluindo França (5.8%), Itália (4.2%) e Alemanha (3.6%)..No entanto, estes números parecem não ser relevantes para quem nos governa, ou nos vem governando desde que tenho memória. Se fossem, com certeza que os sucessivos Governos portugueses, ao invés de andar a ver navios, há muito estariam empenhados em proporcionar melhores condições às empresas, aos empresários e investidores nacionais que visam embarcar neste autêntico porta-aviões económico..Particularmente emblemático da falta de visão dos nossos governantes tem sido o caso dos vistos E1 e E2. Servem estes para que possam residir nos EUA empreendedores que lá tenham negócios ou investimentos relevantes. Claro está que não se trata de uma residência definitiva (green card) mas pode ser renovada, bastando para tal demonstrar o seu motivo e pertinência..Desde o século XIX que mais de uma centena de países tem feito acordos com os EUA garantindo os referidos vistos. Portugal, porém, continua a fazer parte do clube dos excluídos. Com efeito, a lista de países com acesso aos vistos E1 e E2 só poderá causar-nos embaraço. Economias claramente menos competitivas que a nossa, como por exemplo o Togo (1967), a Libéria (1939), Marrocos (1991), Moldávia (1994), Albânia (1998), entre outros, desde o século passado que desfrutam deste benefício diplomático. Quem, entretanto, continua sem dele poder desfrutar são os já habituais paraísos de tanga - Cuba, Venezuela - e, para surpresa das surpresas (ou, talvez, sem surpresa nenhuma), Portugal..Para termos uma ideia da antiguidade destes acordos, o primeiro estabeleceu-se com o Reino Unido em 1815, logo a seguir veio a Costa Rica (1852), a Argentina (1854) e o Paraguai (1860). E também cedo se estenderam à Europa Continental, começando pela Suíça (1855) e por alguns dos países que constituíram a ex-Jugoslávia, como a Bósnia, a Sérvia, a Macedónia e Montenegro (1882)..Naturalmente, estes acordos são uma gota de água no oceano da estratégia internacional de qualquer país. Mas, é nas pequenas coisas que podemos avaliar as grandes. Que agenda internacional temos? Bem sabemos que o nosso Plano A é pedir esmolas a Bruxelas. O problema é que, aparentemente, esse é também o nosso Plano B, C, D... Z, e se mais letras houvesse no abecedário mais vezes lá iríamos de mão estendida, qual junkie dos casinos, a pedinchar aos amigos e sem outro projeto de vida senão jogar ao faz-de-conta e gastar do bolso alheio..No meio disto tudo, é verdade que também Portugal apostou recentemente em vistos, os chamados Gold Visas, e que até podem trazer algum investimento. Contudo, não deixa de ser irónico um país tão preocupado em favorecer a indústria do betão construir o seu próprio edifício económico do avesso, i.e., a partir do telhado. Resumindo, temos vistos para vender casas a ricalhaços estrangeiros, mas já não os temos para facilitar a participação dos nossos melhores empresários e investidores na maior economia do mundo..Até a nossa vizinha Espanha desde 1903 que tem acesso aos E1 e E2. Também por isto, embora ambos tenhamos uma boa classificação de passaporte, fruto da pertença simultânea à União Europeia, o de nuestros hermanos continua à nossa frente, em 4º lugar no ranking global. É que, mesmo na União Europeia, os passaportes não nascem todos iguais..Por fim, nem tudo são más notícias. Quase dois séculos depois de os EUA terem lançado os vistos E1 e E2, parece que finalmente os portugueses vão poder aceder aos seus benefícios. Contudo, até neste ponto a ironia se destaca. Pois, tal se deve, ao que parece, a mais um desenrascanço português, o tratado AMIGOS, acordado em 2019. Nada mais nada menos que na era da terrível e maléfica Presidência Trump, tendo sido aprovado pela Casa dos Representantes ainda em Dezembro de 2020. Desde então, curiosamente, tem sido a tão louvada Administração Biden quem tem estado a empatar a sua concretização, já que falta ao projeto de lei passar no Senado e ser ratificado pelo Presidente..Mas, enfim, isso é o menos. O que se passa em Washington é lá com eles, pois a eles tanto se lhes dá se o acordo passa em 2021 ou em 2050. O que é espantoso é em Portugal ninguém lhe dar a mais pequena importância. Será que alguém já perdeu tempo a pensar na oportunidade que isto significaria para as exportações portuguesas, para os nossos trabalhadores mais qualificados e competitivos, os nossos pequenos e médios empresários ou investidores?.O dinheiro continua a vir por magia, de Bruxelas, pelo que o tema não faz parte da agenda pública; daí não andar na boca dos políticos, nem da comunicação social, nem sequer da academia. Tivemos recentemente umas eleições presidenciais nos EUA à qual foi dada uma cobertura tão proeminente como se de uma eleição nacional se tratasse. No entanto, não se ouviu um pio (ou se se ouviu terá sido muito ao de leve) sobre qual dos candidatos poderia favorecer-nos relativamente a assuntos tão concretos quanto este. E o resultado está à vista: pelos vistos, ainda não temos vistos..João A.B. da Silva, Economista. M&A Advisor at Nestle Health Sciences