Cada intervenção pública de Passos Coelho é pautada pelo momento em que o ex-primeiro-ministro e líder social-democrata repete palavras que grande parte da direita portuguesa tem esperança de que se gastem por excesso de utilização. “Estou fora da atividade partidária e política, e assim me tenciono manter”, voltou a dizer, no início do mês, na Cimeira Estudantil sobre Geopolítica em Portugal, na Faculdade de Economia do Porto..A vitória da Aliança Democrática nas Eleições Legislativas levou a que Passos Coelho deixasse de ser a figura com que o seu lado do espetro político contava para pôr fim ao ciclo de governação socialista - iniciado em 2015, após o seu efémero segundo Governo ser derrubado pela maioria de esquerda na Assembleia da República, seguindo-se a geringonça, que pela primeira vez impediu o líder do partido ou coligação mais votado de ser primeiro-ministro -, mas pouco demo- rou até que igual expectativa se tenha voltado para as Eleições Presidenciais, que serão disputadas em janeiro de 2026. Sobretudo à medida que as sondagens o colocam como o candidato mais bem posicionado para travar a vitória da cada vez mais provável candidatura do almirante Henrique Gouveia e Melo, popularizado enquanto coordenador da task force da vacinação contra a covid-19, que entra em 2025 livre das limitações do estatuto militar, passando à reserva após terminar o mandato de chefe do Estado-Maior da Armada..Na sondagem mais recente de intenções de voto para as Eleições Presidenciais, feita pela Intercampus no final de novembro, Gouveia e Melo seguia à frente, com 23,2%, mas logo a seguir vinha Passos Coelho, com 13,9%, acima do mais provável candidato proveniente da área social-democrata, Marques Mendes com 9,8%, do presidente do Chega, André Ventura (6,6%), e do governador do Banco de Portugal, Mário Centeno (6,4%), ainda assim o nome da área socialista com melhores indicadores. E meses antes, em setembro, uma sondagem da Aximage diferia pouco, com Gouveia e Melo nos 21%, Passos Coelho nos 14,7%, Mendes nos 10,6%, Ventura nos 8,8% e Centeno nos 8,3%. .Indicadores tão elevados em quem só interrompe o silêncio para dizer que não está interessado em avançar com uma candidatura poderão alimentar a ideia de que Passos Coelho terá interesse em afastar outros candidatos com a mera possibilidade da ida a jogo, obrigando a que Marques Mendes prolongue a sua reflexão sobre condições políticas, que Leonor Beleza se tenha apressado a afastar a possibilidade de suceder ao amigo e colega de curso Marcelo Rebelo de Sousa - avançada pelo secretário-geral e líder parlamentar do PSD, Hugo Soares - e que o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, tenha referido o compromisso de se manter a segunda figura do Estado até setembro de 2026. Mas os mais próximos do antigo primeiro-ministro afastam qualquer espécie de mal-entendido..“Pedro Passos Coelho não vai ser candidato a Presidente da República. Portanto, as pessoas do PSD, do CDS, do Chega, da Iniciativa Liberal, que estão todas numa grande nervoseira, porque acham que ele está a preparar uma candidatura, saibam que ele não está a preparar candidatura nenhuma”, garantiu o professor universitário Miguel Morgado, que foi assessor político do então primeiro-ministro entre 2011 e 2015..Tal como, antes disso, Miguel Relvas, seu antigo braço direito dentro do PSD e ministro-Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, disse que Passos Coelho “não tem nenhum dever, nem nenhuma obrigação moral de avançar nas Presidenciais”..Assim sendo, quem procura um remédio que previna a ida de Gouveia e Melo para o Palácio de Belém deverá olhar noutra direção. .Críticas e alertas.Estabelecido que Pedro Manuel Mamede Passos Coelho, professor associado convidado do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, que terá 61 anos aquando das próximas Presidenciais, tendo idade para se candidatar, declara, por sua voz e por interpostas pessoas, que não está disposto a fazê-lo, o que se pode dizer sobre as posições que o guiariam caso mudasse drasticamente de ideias daqui até 30 dias antes do ato eleitoral, entregando pelo menos 7500 assinaturas válidas no Tribunal Constitucional?.Nas suas palavras, o papel de um Presidente da República “não é o de se sobrepor aos partidos, mas estar além deles, bem como de colaboração institucional”. Assim disse, ainda na qualidade de presidente do PSD, em janeiro de 2016, ao felicitar Marcelo Rebelo de Sousa pela sua eleição, para a qual contou com apoio dos sociais-democratas, ainda não refeitos de serem retirados do poder pela geringonça de António Costa. E acrescentou que, apesar da elevada abstenção, a eleição à primeira volta lhe conferia “uma autoridade inequívoca”..Caso viesse a ser eleito para a chefia de Estado, Passos Coelho teria ocasião para a colaboração institucional com Luís Montenegro, seu antigo líder parlamentar. Entre os dois sociais-democratas haveria óbvios pontos em comum, mas também divergências políticas. Desde logo, o “não é não” ao Chega, posição do primeiro-ministro que condiciona a construção de uma maioria parlamentar estável quando André Ventura é um de entre 50 deputados do partido nascido após Rui Rio suceder a Passos Coelho no PSD - tal como a Iniciativa Liberal, com oito eleitos. Os próximos do antigo primeiro-ministro admitem que ele tem uma posição mais flexível quanto ao líder partidário que escolheu como candidato do PSD à Câmara de Loures em 2017. .Em abril deste ano, ao apresentar o livro Identidade e Família, que reuniu textos de dezenas de autores conservadores (ver texto na página seguinte), referiu-se às “pessoas que deram um sinal muito claro nas últimas eleições de que estão cansadas” daquilo que designou como “expressões radiciais do ponto de vista social”, apontando para ataques da esquerda a valores tradicionais. E apelou a que “todos aqueles que receberam um voto de confiança muito forte para pôr um fim a isso ponham realmente um fim a isso e ofereçam às pessoas razões para acreditarem que vale a pena fazer um jogo diferente”..As diferenças de tom entre Passos Coelho e Luís Montenegro ficaram patentes na campanha eleitoral para as Legislativas. Num comício na Escola de Hotelaria e Turismo de Faro, no qual foi o convidado-surpresa, disse que “precisamos de ter um país aberto à imigração, mas também um país seguro”. Apesar de a intervenção ter abrangido outros temas, nomeadamente as suas críticas à “perspetiva miserável de crescimento” que atribuiu aos Governos socialistas, tal como o maior empenho nas “contas certas” do que na resolução de problemas na Saúde, Ensino e Habitação, o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, e os restantes partidos de esquerda, focaram-se no que anteciparam ser uma aproximação ao Chega para o caso de a Aliança Democrática vencer as eleições sem maioria absoluta. Um cenário que se verificou, com a coligação de centro-direita a não ir além de 80 deputados, só mais dois do que o PS, mas sem negociar qualquer entendimento com o partido de André Ventura..Contra o populismo já se posicionou Passos Coelho, embora o tenha detetado na governação socialista. A propósito da extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, transformado pelo Executivo de António Costa na Agência para a Integração, Migrações e Asilo, o seu antecessor à frente do Governo disse que se tratou de “uma fuga em frente”, em mais uma “ideia meramente simbólica, frequentemente demagógica e, portanto, populista, de que se está a resolver os problemas cortando o mal pela raiz”..Também na apresentação de Identidade e Família, livro coordenado por Bagão Félix, Pedro Afonso, Paulo Otero e Victor Gil, Passos Coelho abordou questões de segurança e imigração. “Eu sei que há pessoas sensíveis e que acham que um ex-primeiro-ministro não pode misturar na mesma frase imigração e segurança, apesar de uma parte significativa das políticas públicas que tratam das questões de imigração estejam no Sistema de Segurança Interna”, disse então, acrescentando que a imigração “não se reduz a problemas de segurança, mas há problemas de segurança que têm de ser acautelados quando temos processos mais intensos de imigração”..Realçando que a Europa “tardiamente se está a preocupar com estas coisas”, garantiu que não se deve “confundir isto com qualquer noção de que os imigrantes não são bem-vindos e de que não precisamos de imigração e de que a sociedade não precisa de se revivificar”..Também muito presente nas intervenções públicas de Passos Coelho estão os alertas para a caída de Portugal “na cauda da Europa no bem-estar, progresso e desenvolvimento”. E, no que diz respeito a questões económicas, dedicou a sua palestra na Faculdade de Economia do Porto - que decorreu à porta fechada, com o Expresso a ter acesso a uma gravação - às preocupações que lhe suscitam a forma como a União Europeia enfrentou as crises das dívidas soberanas e da pandemia de covid-19, defendendo que se está a adiar a resolução de problemas estruturais, prevalecendo a degradação dos saldos estruturais, com acumulação de dívida pública. “O problema é que a dívida está lá e quando o seu preço subir, é uma chatice”, advertiu..Antevendo a instabilidade política na Alemanha, que terá eleições antecipadas, e em França, onde foi necessária uma nova solução governativa, o antigo primeiro-ministro disse que a Europa “pode passar um mau bocado”, exigindo-se coragem aos líderes políticos para fazerem as reformas necessárias, ainda que levem a derrotas eleitorais. .De igual forma, quando a conjuntura política era diferente, dizia que Portugal “não aproveitou bem os mecanismos de convergência”, constatando a ultrapassagem por outros países beneficiários de fundos europeus.