Habituado ao que diz ser uma “posição bastante discreta quanto à ocupação do espaço público”, Pedro Passos Coelho abriu uma notória exceção no final de tarde de abril que passou na Livraria Buchholz, em Lisboa. Convidado a apresentar o livro Identidade e Família, que reuniu dezenas de textos de autores conservadores, aproveitou para fazer uma espécie de manifesto que muitos viram como dirigido a aproximar setores da direita dificilmente conciliáveis..Falando para uma audiência que incluía os líderes do Chega e do CDS-PP, André Ventura e Nuno Melo, começou por admitir que deveria ter sido um dos autores da obra. “Não é vulgar faltar aos meus compromissos, mas não consegui mesmo”, admitiu, antes de dizer que considera fundamental a discussão em torno das questões de família e de identidade, “e da íntima conexão que existe entre esses dois conceitos”..Referindo-se aos “rótulos colocados com uma intenção clara de desqualificar aqueles que lançam as discussões”, o antigo primeiro-ministro criticou um “vício que diminui o espaço público”, reduzindo “discussões que interessam a toda a sociedade” a coisas de “gente ultramontana, ultraconservadora e outras coisas que normalmente se seguem a estas, dependendo daquilo de que estamos a falar”..Algo de que disse também ser alvo. “Quando estamos a falar de aspetos mais politizados, é fácil descambar a linguagem para rótulos de extrema-direita, radical e fascista - eu fui fascista imensas vezes, olhando às classificações que me foram atribuídas”, explicou, contrapondo que pessoas “razoavelmente seguras do que pensam e do que são” não se importam com isso. “Nunca me incomodei muito com isso, para ser sincero”, disse, sem deixar de criticar as “caricaturas excessivas” a que alguns recorrem, levando a que o debate de ideias fique “muito mais estreito” e “radicalizado”, sem haver espaço para compromissos ou para a “propalada tolerância que precisamos de ter”..Acerca dos diferentes tipos de família, Passos Coelho invocou a condição de viúvo - a sua segunda mulher, Laura Ferreira, mãe da filha mais nova, morreu em 2020, vítima de cancro - para dizer que é, “involuntariamente, o que chama um pai solteiro”, questionando que tal seja o modelo dominante. “Não era o meu ideal de família. Posso conceber que haja alguém que o tenha como ideal de família, mas não creio que seja a grande maioria das pessoas”, disse, por entre críticas a quem tem a intenção de “desqualificar”, “poder desintegrar” e “substituir por outras realidades” a família, “como uma centralidade de todo o processo de humanização , de personalização e de criação de elos de identidade pessoal e coletiva”..Também por isso, o antigo primeiro-ministro defendeu que é necessário “ajudar as famílias a resolverem os problemas da Educação e do Ensino”. E, sem se referir explicitamente à disciplina de Cidadania e Desenvolvimento - da qual, meses mais tarde, Luís Montenegro anunciou a intenção de rever programas -, Passos Coelho mencionou “uma ideologia que se pretende transmitir às crianças a partir das escolas”. E deixou muito claro que, em sua opinião, “radicalismo é atentar contra o consenso existente e que reúne a larga maioria dos cidadãos, procurando incutir nos jovens ideias e valores que são muitas vezes opostos àqueles que os seus pais querem transmitir aos filhos”.