Três factos sobre o crime

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O triplo homicídio que foi registado ontem à tarde em Lisboa não pode lançar-nos a todos num pânico coletivo quanto à segurança que existe nas nossas cidades e, em última análise, no país.

As figuras tristes de sempre foram rápidas a espalhar pelas redes sociais ideias a relacionar este crime com o aumento de imigrantes, provenientes sejam eles de onde forem. Quando os especialistas em criminalidade e segurança são trocados, nas telas nacionais, pela opinião do “cidadão na rua”, os dados, as estatísticas e os factos dão lugar a frases como “estava-se mesmo a ver”, “Lisboa está transformada numa favela brasileira” ou “é isto que dá abrir as portas aos brasileiros, aos paquistaneses, aos nepaleses” e outras nacionalidades que, na sua grande (grande, repito) maioria vêm para cá trabalhar e ganhar a vida. 

Como esse “achismo” não resistiu à realidade, trocou-se tudo por acusações à etnia cigana. O aproveitamento político que se faz do medo gerado por um crime horrível é apenas uma lamentável consequência do estado das coisas.

Os portugueses saberão, mais cedo ou mais tarde, julgar nas urnas quem o fez e quem escolheu outro caminho. É a vida da democracia: debater com aqueles de quem discordamos, não os silenciar, mas não abdicando de repor a verdade dos factos.

Facto 1: a criminalidade violenta ou grave participada às forças de segurança caiu 26,5% numa década. Em 2014 foram participados 19.088 crimes graves ou violentos - como homicídios, sequestros, violações ou roubos a bancos - contra 14.022 em 2023, indicam os relatórios da Segurança Interna. E este número até já esteve mais baixo, quando, em 2021, se registaram 11.614 casos. Há 20 anos, em 2004, eram mais de 24 mil.

Facto 2: O número de homicídios voluntários consumados em Portugal anda em torno de 100 por ano. Em 2015 foram 102 e no ano passado 90. Mas, se em 2015 a arma de fogo foi o meio mais usado para este tipo de crime (34% dos homicídios), no ano passado foi a escolhida em “apenas” 20% dos casos (as armas brancas são agora o método mais usado, totalizando 35,5% dos casos).

Facto 3: Quase metade dos homicídios voluntários consumados (47%) ocorreu no contexto de uma relação familiar ou próxima (cônjuges, família, vizinhos). Apenas em 17% dos casos não havia relação entre a vítima e o autor do crime.

A exposição destes três factos não significa que devamos desvalorizar qualquer violência; fechar os olhos aos novos tipos de violência e às suas causas; ou que devamos abstrair-nos de refletir sobre o caminho que toma a nossa sociedade, também no que diz respeito à integração de uma quantidade cada vez maior de imigrantes e expatriados que escolhem Portugal para viver e trabalhar.

Mas o aproveitamento de um crime para criar medos sem sentido e, com isso, obter ganhos políticos contará sempre com o escrutínio do DN, com factos, dados, estatísticas e com a análise cuidada de especialistas de reconhecida competência e isenção. Para que outros não torturem os números até estes confessarem aquilo que não é verdade.

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