Já passaram 40 anos desde que um canalizador bigodudo, de fato vermelho e chapéu na cabeça, saltou sobre o primeiro Goomba e mudou a história dos videojogos. A música alegre composta por Koji Kondo para Super Mario Bros. continua a ser reconhecida em segundos e funciona como uma cápsula do tempo: basta ouvi-la para regressar a tardes de infância em frente ao ecrã, com mundos simples, coloridos e um objetivo claro: derrotar Bowser e salvar a princesa. Este fim de semana a Nintendo lançou um programa especial de comemoração do 40.º aniversário do jogo, lançado no Japão a 13 de setembro de 1985. Mario (com ajuda do seu irmão Luigi) foi fundamental para resgatar a indústria do crash de 1983 e tornou-se rapidamente um ícone cultural e geracional, um rosto da globalização cultural promovida a todo o vapor naquela época. Unindo diferentes gerações e culturas num entretenimento pueril, Mario tornou-se tão popular quanto o rato Mickey um pouco por todo o mundo.Hoje, quando Super Mario assinala a entrada na meia idade, a indústria de videojogos é radicalmente diferente. Tal como a sociedade em que nos movemos. Os videojogos tornaram-se a maior indústria cultural do planeta, ultrapassando largamente cinema e música em faturação (184 biliões de dólares em 2024, segundo dados da Newzoo). Uma boa parte dos jogadores cresceu com os jogos e continua a consumir enquanto adulto, alimentando um ecossistema que há muito ultrapassou a dimensão de um mero escape de diversão. Com as plataformas e comunidades online, jogar é também comunicar e construir identidades sociais. E os jogos passaram a refletir questões contemporâneas tão sérias quanto identidade, meio ambiente ou ideologia política, em enredos e cenários cada vez mais complexos, bem distantes do heroísmo simples de Mario nos anos 80. O recente assassinato de Charlie Kirk, com balas onde estavam inscritos códigos e símbolos próprios do universo de videojogos, é apenas o mais recente exemplo de como fóruns e comunidades de gamers online se transformaram, em muitos casos, em terreno fértil para discursos de ódio, normalizando linguagem tóxica e criando uma espécie de códigos de pertença promovidos por grupos extremistas. Assistimos, de braços caídos, a uma gamificação da radicalização. Não são os jogos que matam, mas a subcultura tóxica que neles se enraizou ajuda a entender o crescimento de fenómenos que julgávamos tão impensáveis como este que leva a que, hoje, a violência política possa tomar de assalto o debate ideológico no país que até há bem pouco tempo entendíamos como o farol das democracias liberais do mundo ocidental. Quarenta anos depois, o potencial universalista de Super Mario parece um sonho infantil derrotado, em contraste com as distopias de uma sociedade contemporânea mais à imagem dos “Call of Duty” ou GTA que dominam hoje o mercado de videojogos. E a ideia de progresso coletivo arrisca-se a ficar tão distante quanto uma memória vintage de 8 bits.