Sob o signo das Mariposas
O dia 25 de novembro foi escolhido para a realização da Assembleia-Geral da OEI na República Dominicana, país que atualmente tem a presidência pro tempore da Comunidade Ibero-americana. Desde 1999, as Nações Unidas reconhecem esta data como Dia Internacional da Eliminação da Violência Contra as Mulheres, em homenagem às três irmãs Maribal que foram violentamente torturadas e assassinadas naquele país em 25 de novembro de 1960 por ordem do ditador Rafael Trujillo. Minerva, Patria e Maria Teresa Maribal, conhecidas como Las Mariposas, lutavam por melhores condições de vida no seu país e a sua morte acabou por contribuir para o fim do regime.
Não é, pois, de estranhar que o Secretário-Geral da OEI, Mariano Jabonero, tenha destacado no seu discurso de reeleição para o segundo mandato de quatro anos, a criação do Programa Ibero-americano de Direitos Humanos, Democracia e Igualdade, herdeiro do Instituto de Educação em Direitos Humanos e Democracia, sedeado em Bogotá, que até agora respondia a necessidades específicas da História recente daquele país. A criação deste novo Programa reconhece que Direitos Humanos, democracia e igualdade têm de ser cada vez mais transversais em todos os países e em todas as áreas de ação da OEI, que trabalhará de forma conjunta com várias outras entidades, desde logo o sistema das Nações Unidas, mas também organismos regionais e sociedade civil.
Dados do Latinobarómetro, ONG sem fins lucrativos com sede no Chile que elabora estudos de opinião a partir da aplicação de entrevistas em 18 países da América Latina, revelam que, em 1995, um terço da população latino-americana apoiava posições autoritárias, o que aumentou para dois terços em 2019, não chegando, em alguns países, a 50% o apoio à democracia. Embora não estejam incluídos os países europeus que integram a comunidade ibero-americana (Andorra, Espanha, Portugal), temos uma generalizada perceção de tendências similares. A pandemia, os efeitos da guerra e a crise económica são fatores suficientes para mergulhar num catastrofismo que impede visões de futuro. De facto, durante os últimos dois anos, a pandemia afastou da escola 186 milhões de crianças e jovens, dos quais 60 milhões não tiveram acesso a aprendizagens. Em consequência, as competências de leitura diminuíram 10%, e o abandono no Ensino Superior cifrou-se entre 10% e 25% de acordo os países.
Contudo, como bem refere Mariano Jabonero, não é possível regressar ao passado e a uma normalidade que já não responde aos novos desafios. Há que vencer a inércia e trabalhar em soluções transformadoras e inovadoras. Não é por acaso que o Secretário-Geral da OEI, no seu discurso perante a Assembleia-Geral, cita Michel Foucault, muito crítico da instituição escolar, que nos ajudou com o seu pensamento a desconstruir as relações entre poder e saber. A escola do futuro, cujo espaço excede o edifício convencional e se estende à comunidade, prepara cidadãos que têm de se dotar das mais importantes ferramentas: espírito crítico, criatividade e sentido do coletivo. Para alcançar esses objetivos, educação, ciência, cultura e tecnologias interligam-se, desde a primeira infância até à formação ao longo da vida. E, também por isso, Direitos Humanos, democracia e igualdade de género são fios que entrelaçam toda a ação.
Num recente encontro sobre Responsabilidade Social das Organizações, em que me foi pedido que refletisse sobre Cultura, Desenvolvimento, Cooperação, apoiei-me em documentos da UNESCO, desde logo a Declaração de Hangzhou (2013), que coloca a cultura no centro das políticas do desenvolvimento sustentável e expõe linhas de atuação, que vão da necessidade de aprender com as experiências das gerações mais velhas à cultura, como fonte de criatividade e renovação, às iniciativas para a construção da paz ou ao contributo para a economia. Destaco duas questões do vivo debate que se seguiu: a primeira interrogava se a cultura era sempre um caminho para a construção de sociedades pacíficas e, a segunda, a capacidade de intervenção de uma organização internacional como a OEI.
Os números apresentados na Assembleia-Geral da OEI relativos aos últimos quatro anos são bem elucidativos da importância de trabalhar em parceria: 500 projetos em execução, 2000 convénios de cooperação, 20 milhões de beneficiários diretos. Em relação à cultura como construção da paz, Hannah Arendt (1906-1975) elucidou-nos que, tal como na educação, na ciência, na comunicação ou na tecnologia, tal só é possível se lhes associarmos a defesa dos Direitos Humanos e a igualdade entre homens e mulheres. Essa a condição para que não voltem a ser necessárias mariposas mártires em defesa de sociedades mais justas, equitativas e inclusivas.
Diretora em Portugal da Organização de Estados Ibero-Americanos