Sempre há um túnel entre a Casa Branca e o Vaticano?
Assim que percebi que o americano Robert Francis Prevost era o novo papa, lembrei-me do título que dei a uma crónica no DN em 2020 com o título “Fechou-se o túnel entre a Casa Branca e o Vaticano”. Tinha que ver com a eleição de Joe Biden para presidente dos Estados Unidos e a nova normalidade que era um católico na Casa Branca.
Cito aqui o início dessa crónica como enquadramento: “Al Smith em 1928 tanto foi diabolizado como o anticristo como acusado de querer construir um túnel entre a Casa Branca e o Vaticano e perdeu as presidenciais, John Kennedy foi eleito em 1960 depois de obrigado a garantir que a sua lealdade era à América e não ao Papa, mas Joe Biden venceu agora as eleições e pouco destaque se deu ao facto de ser católico, na verdade apenas o segundo a ser presidente em quase dois séculos e meio de história.”
Bem, agora, depois do tal segundo presidente católico, os Estados Unidos têm um presidente que, após assistir em Roma ao funeral de Francisco, até brincou a dizer que queria ser papa e divulgou nas redes sociais uma imagem sua vestido de sumo pontífice gerada por inteligência artificial. Mas mais importante ainda: o protestante Trump é pela segunda vez presidente de um país que tem já mais de 20% de católicos (no Congresso são 30%, e no Supremo Tribunal a maioria), é casado com uma católica (a eslovena Melania) e tem um católico como vice-presidente (o recém-convertido JD Vance).
Não admira, pois, que Trump tenha sido rápido a dar os parabéns ao primeiro papa nascido nos Estados Unidos, mesmo que, na sequência da tal brincadeira sobre ser papa, tenha sugerido como uma boa escolha entre os americanos o cardeal de Nova Iorque, Timothy Dolan, e não Prevost. Devia talvez saber que, ainda antes de ser Leão XIV, o novo papa o criticara pela atitude da Administração americana com os imigrantes. E também, tal como Francisco, contrariou Vance por dizer que no catolicismo o amor à família é prioritário, sublinhando antes que o amor ao outro não obedece a classificações.
Agora talvez haja mesmo um túnel entre o Vaticano e a Casa Branca. Mesmo que simbólico. E seja uma dor de cabeça para Trump. Não esquecer que o presidente obteve 56% do voto católico nas eleições em que derrotou Kamala Harris. Sobre as presidenciais americanas, o falecido Francisco, muito duro, chegou a dizer, dirigindo-se aos católicos do país, que era a escolha do mal menor, pois um candidato repudiava os imigrantes e a outra defendia o aborto.