“Recorrer até ao limite”, diz Carlos Moedas

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Carlos Moedas deu uma entrevista num telejornal, alguns dias após o acidente do Elevador da Glória, onde basicamente explicou porque não assumia qualquer responsabilidade pelo desastre e insultou adversários políticos – de “sicários”, o que ultrapassa até os qualificativos mais arriscados de André Ventura! –, porque lhe recordaram que não é capaz de assumir o que exigia há pouco tempo a outros. Recorde-se: Carlos Moedas exigia a demissão de Fernando Medina, então presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), pelo envio pela CML de nomes de manifestantes à embaixada da Rússia em Lisboa. Prática que contrariava até uma ordem do presidente da autarquia, segundo se lia na imprensa na altura (decisão de António Costa, de 2013), o que nunca terá sido seguido até então, e contrariava toda a legalidade em vigor, que deveria ser tecnicamente avaliada. É legítimo exigir que o presidente da Câmara conhecesse o teor e destinatários de e-mails enviados pelos serviços a entidades externas perante a comunicação de manifestações na cidade e o quadro jurídico subjacente a essa realidade? Provavelmente não. Tal como não é legítimo exigir que o presidente da CML conhecesse agora o nível de redundâncias de segurança de um ascensor na cidade. Mas, mesmo assim, como Carlos Moedas queria “ser diferente” e “fazer outro tipo de política”, obviamente achava que Fernando Medina se deveria demitir.

Quando se esperava que falasse sobre a segurança dos demais equipamentos coletivos da cidade, que desse confiança às pessoas, que explicasse o que vai ser feito desde já preventivamente pela Carris perante uma falha evidente e terrível, sai-nos o mesmo Calimero.

Aliás, nessa entrevista, muito fraquinha, poderia ter sido perguntado a Carlos Moedas porque nomeou para o seu gabinete pessoal, já em 2022, o mesmo Encarregado de Proteção de Dados da Câmara Municipal de Lisboa e funcionário da autarquia que Fernando Medina havia demitido dessas funções, na sequência dessa falha objetiva. Algo que Carlos Moedas diz até que “é um tema que me deixou numa situação muito difícil, é um tema de um executivo anterior, que mostra, de facto, aquilo que não se fazia de bem nesse executivo”... Ou porque insiste em recorrer nos tribunais administrativos, “até ao limite”, como disse no mês passado, contra a decisão tomada pela Comissão Nacional de Proteção de Dados de aplicar contraordenações à Câmara em virtude dessa falha, que o próprio Carlos Moedas considerava muito grave e evidente. Note-se: foi o próprio a assinalar, em termos públicos e notórios, a falha grave e a total responsabilidade da CML nessa matéria. No mínimo, é litigância de má-fé. E seria útil também saber quanto está a pagar a CML à sociedade de advogados Morais Leitão para a representar nessa causa, perdida à partida. Mas, em temas de responsabilidade, já se percebeu que, ali, há uma para todos os gostos e momentos.

Confesso que eu até sou daquelas pessoas que gostaria de gostar de Carlos Moedas. Mas, infelizmente, basta ouvi-lo dois minutos e não é possível. Fico cheio de vergonha alheia. O seu nível de exploração emocional, de delicodoçura, de falta de pudor, a evidência de complexo de Deus moralista, o autoenaltecimento em cada palavra – é tudo superior em muito aos níveis fixados pelo bom-senso e pela escala implícita no serviço público. É uma caricatura de Miss Mundo dos anos 80 sob esteroides quando tem um microfone em frente, mesmo dando por adquirido que não o será, espera-se, na realidade. Ainda sou dos que preferem políticos secos e diretos, sem lagriminha no canto do olho, menos sonsos, que não acham que qualquer momento com a imprensa deve ser um episódio do “Perdoa-me”.

Nota final: seria bom confirmar-se se efetivamente Jorge Coelho, enquanto ministro, teve acesso a informação que dava conta do risco de segurança para as pessoas que a ponte de Entre-os-Rios apresentava antes do desastre e nada fez com essa informação, como disse Carlos Moedas, que usou esse dado como argumento fundamental para não se demitir. Nunca o havia escutado e, já agora, pelo dever de verdade perante os factos e perante a memória de pessoas que já cá não estão, isso deveria ser cabalmente esclarecido.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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