Querem dar mais força ao Chega, é isso?
Querer parar adversários políticos com recurso aos tribunais resulta, quase sempre, mal. Dou um exemplo: Donald Trump foi condenado em maio passado num tribunal de júri por 34 crimes, a maioria deles por falsificação de documentos para fugir ao Fisco e isso não o impediu de obter a vitória na corrida à Presidência dos Estados Unidos da América.
Há mais exemplos recentes: Lula da Silva no Brasil, Fujimori no Peru, Berlusconi na Itália, o pai Le Pen (a filha, para já, enfrenta uma acusação de desvio de fundos), bem como Nicolas Sarkozy em França. Em Portugal tivemos Isaltino Morais, indiscutível vencedor das Autárquicas de Oeiras que se seguiram ao cumprimento de uma pena de cadeia por fuga ao Fisco. Há muitos mais casos por esse mundo fora.
A investigação do Ministério Público ao Chega, na sequência de uma queixa anónima (porquê anónima?) por este partido ter pendurado uns grandes e dispendiosos pendões insultuosos nas janelas da Assembleia da República, por causa da má ideia do fim do corte de salários dos políticos, parece-me, portanto, estúpida do ponto de vista político. Ainda por cima deve ser juridicamente inviável, o que é outra estupidez.
Claro que o Chega só está a provar do veneno que ele próprio lançou, como a da absurda queixa-crime que fez para abertura de um processo, por traição, contra o Presidente da República, após a declaração de Marcelo Rebelo de Sousa sobre reparações a pagar às ex-colónias, ou quando alguns dos seus dirigentes bradaram por cadeia para os ativistas ambientais do Climáximo que, aliás, estão sujeitos a, literalmente, dezenas de acusações do Ministério Público, na sua maior parte conflituantes com o direito à manifestação e à liberdade de expressão como, ironicamente, acontece agora, pela primeira vez, com o Chega.
O Chega não gosta do 25 de Abril, gosta mais do tempo de Salazar, mas quem gosta do 25 de Abril tem de defender a liberdade de expressão que a Revolução dos Cravos trouxe também aos deputados do Chega, apesar das alarvidades, das ofensas, da má educação e do objetivo político xenófobo e autoritário - calá-lo com tribunais e polícia parece mesmo uma coisa salazarenta e, se isso acontecesse, o Chega também ganharia, porque isso quereria dizer que a democracia da liberdade de expressão estava à beira da morte, coisa que deixaria muitos cheganos satisfeitíssimos.
O Chega tem de ser vencido no combate estritamente político. Neste caso, denunciando a sua hipocrisia, mas sem entrar no chavascal oral, em que o partido ganha sempre pontos, como incautamente os deputados de outros partidos se deixam sistematicamente envolver.
Por exemplo, neste caso folclórico, obrigando-o a responder a esta pergunta: onde é que o Chega arranjou dinheiro e quem pagou para, de um dia para o outro, se fazerem os tais pendões para pendurar na Assembleia da República?
Ou esta: dos 50 deputados do Chega quantos é que estão a ganhar muito mais no Parlamento do que na sua vida anterior?
Ou esta: quais os deputados do Chega que acumulam rendimentos no Parlamento com outros e qual a sua proveniência?
Ou esta: Quais as mordomias que os deputados do Chega na realidade usam, mas cuja existência criticam ou criticaram?
Ou esta: por que é que o Chega se ofereceu várias vezes para viabilizar o Orçamento do Estado, caso o PS não o fizesse, se acha, como afirmou nos pendões, que os partidos da AD são “uma vergonha”?...