Quem quer o bloco central?

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Há mais de 20 - talvez 30 - anos, que não se ouvia falar tanto da expressão Bloco Central. Até a retórica do PCP - que amiúde recorria à imagem do "bloco central de interesses" quando queria, como quase sempre faz, colocar no mesmo saco PS e PSD - deixou, há muito, de utilizar a metáfora.

Nas últimas semanas, chumbado um orçamento desengonçado, estilhaçada a geringonça informal, que implodiu sozinha sem precisar de ajuda "da direita", aberta uma crise política e marcadas eleições, os palavrões da retórica voltaram todos. A "governabilidade", a "estabilidade", o "interesse nacional", a necessidade de "entendimentos" para acautelar "o crescimento". No fundo, a formação de "maiorias", sejam elas "reforçadas", "claras" ou "absolutas". Ou, como disse uma vez António Vitorino, num comício de final de campanha, "uma maioria absolutamente inequívoca".

Entretanto, os políticos andam entretidos com jogos de palavras, numa disputa entre esquerda/direita, "certo/errado", público/privado ou na discussão de quem é o maior responsável pela crise política. Ainda dura o passa-culpas do PS a dizer que é do Bloco e do PCP, do PCP a dizer que é do governo e do PS, do Bloco a dizer que é do PCP, do governo e do PS. Em simultâneo, PCP e Bloco já anunciaram disponibilidade para uma nova geringonça, reabertura do diálogo, novos caminhos para a esquerda. A sentença de Catarina é que "a direita não pode ganhar".

No centro, ou centrão, ou bloco central, discute-se se é possível PS e PSD suportarem governos minoritários um do outro, respeitando, lá está, a vontade dos eleitores.

Rio diz que sim, que suporta um governo minoritário do PS e pergunta se o PS fará o mesmo. Não tem resposta. Rangel deixa claro que não, que não suportará o PS. Costa manda recados por Carlos César e por José Luís Carneiro. E voltamos aos malabarismos feitos com as palavras que servem para tudo e para nada. Mas, nesta fase, são apenas instrumento para enganar tolos e nada dizer. O PS diz que "não rejeita outros entendimentos", que está em causa a "governabilidade", a "estabilidade", "o interesse nacional".

Onde já ouvimos isto? E quantas vezes?

Mas quanto a clarificação, dizer ao certo o que podem esperar os eleitores, o que farão os partidos se... bem, as respostas também são antigas e sempre as mesmas. Dizem logo que não respondem a cenários, não antecipam resultados, não sabem com o que contar no dia 31 de janeiro. Bem faz, afinal, Catarina, que já sabe que "a direita não pode ganhar".

Com dez partidos representados no parlamento, que traduzem fielmente as escolhas feitas em eleições - democráticas, convém recordar -, a pulverização de votos revela uma nova realidade a que o chamado "sistema político" português não estava habituado. Nos primeiros quase 30 anos de democracia a representação dividiu-se por quatro, nos últimos 20, por cinco.

Então, e o bloco central?

Se a solução não foi famosa nem muito apreciada em meados nos anos 1980, e dela nunca mais se voltou a falar, o que leva, agora, ao regresso da narrativa de que só com "entendimentos" entre PS e PSD é possível governar o país?

Para a direita, a razão é simples. Quer PCP e Bloco fora da solução, depois de seis anos de compromisso que acabou numa crise política a meio de uma crise sanitária e económica.

Para o PS, a possibilidade de a "direita" ter de contar com o Chega, seja em que modelo for, faz soar - e bem - as campainhas.

Talvez os eleitores, na sua imensa sabedoria, se tenham encarregado de mandar, através do voto, que é, em democracia, a arma dos povos, o recado de que se calhar vale a pena pensar, de facto, num bloco central. Seja ele mais ou menos formal, de suporte parlamentar ou com um governo a meias. Ou com outras fórmulas mais ou menos criativas, como a que o antigo líder do PSD Marcelo Rebelo de Sousa usou, e já recordou, quando era líder do PSD e Guterres minoritário.

Depois do "a bem da nação", da ditadura, do "governo de salvação nacional", do PREC, podemos entrar em 2022, no tempo do "interesse nacional". Seja lá isso o que for. Porque o conceito é amplo, cabe lá tudo e o seu contrário e pode - e tem sido - ser usado como dá mais jeito ao "interesse" de cada um em cada momento. Ou seja, tem sido mais "interesse" do que "nacional".

Jornalista

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