Quando as aranhas tecem juntas

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"Quando as aranhas tecem juntas, podem matar um leão” é um antigo provérbio etíope que exalta o poder da cooperação, do trabalho em conjunto e da superação face a um adversário muitíssimo mais poderoso. Tal como todos os bons provérbios, tem igualmente uma função de advertência: nunca subestimar um risco, por muito pequeno ou insignificante que possa parecer, já que a determinação de milhares de minúsculos aracnídeos podem eliminar um enorme predador.

Neste domingo, 1 de junho, a Ucrânia fez isso mesmo. Numa operação cuidadosamente planeada ao longo de muitos meses, os militares ucranianos infiltraram drones em território russo, escondidos sob os telhados de várias barracas de madeira. Estas barracas foram levadas de camião para perto de bases aéreas do inimigo e, a uma hora determinada no domingo, os telhados abriram-se eletronicamente para deixar partir os drones, armadilhados com explosivos. À caça do leão.

As múltiplas explosões danificaram ou neutralizaram dezenas de bombardeiros estratégicos russos Tupolev Tu-95, os aparelhos que transportam e lançam os mísseis de cruzeiro com que Moscovo tem atacado Kiev e outras cidades ucranianas. Mais importante, são os aviões que têm como uma das funções o lançamento de ogivas nucleares.

Do lado ucraniano fala-se no “mais destrutivo ataque ucraniano contra alvos militares russos em três anos”, num estrago calculado em mais de sete mil milhões de dólares em material. Já os analistas e bloggers pró-Moscovo muito ativos no Telegram passaram a designar o ataque como “o Pearl Harbor russo”.

Além de ter todos os ingredientes para, um dia destes, vir a ser um filme no Netflix ou noutra plataforma, a Operação Teia de Aranha é todo um compêndio. De inovação, usando 117 drones coordenados e guiados por satélite. De alocação apropriada de recursos, recorrendo a tecnologia barata para destruir aparelhos que valem, cada um, milhares de vezes o que custa cada uma das “aranhas”. De engenho e planeamento: ter a ideia, executá-la sem falhas, em tempo útil, e mantê-la secreta durante meses. De coragem: porque a retaliação russa - incluindo contra civis, como tem vindo a fazer - virá, e virá em força, nem que seja para salvar a face.

“Esperemos que a resposta seja igual à que os Estados Unidos deram ao ataque a Pearl Harbor, ou mais dura ainda”, escreveu no Telegram o blogger russo Roman Alekhin. O Dva Mayora, canal também pró-Moscovo, escreveu que a operação é “razão suficiente para lançar ataques nucleares contra a Ucrânia”.

No atual contexto, mais importante do que saber qual será a demonstração de força que a Rússia tem reservada para os ucranianos, é perceber qual será a posição dos Estados Unidos e de Donald Trump face a este ataque. Ou seja, se vão, mais uma vez, ajudar a narrativa russa e tentar conter o entusiasmo dos ucranianos.

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