Portugal e a sua história colonial em África: o início de uma conversa necessária

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Portugal deve assumir com responsabilidade o que foi o seu colonialismo. Reescrever o cânone historiográfico dominante sobre a presença de Portugal em África até às independências dos novos Estados, sem a intenção de substituir narrativas ainda dominantes, mas de as equilibrar, referindo e ampliando situações, pessoas e realidades ainda invisíveis pode ser o início de uma conversa necessária. 

Na sociedade portuguesa circulam, sem contraditório efetivo e horizontal, narrativas, crenças e projeções sobre o colonialismo em que não figuram as pessoas que foram racialmente discriminadas, politicamente perseguidas, socialmente diminuídas e pessoalmente humilhadas. 

Exercer contraditório, apresentar narrativas diferentes, partir de pontos de vista diversos, colocar-se no lugar dos outros é fundamental para um diálogo necessário sobre como o Passado colonial marcou diferenças no acesso aos direitos e aos bens e que se projeta no nosso Presente.

Essa responsabilidade é em primeira linha de professores, historiadores, escritores que devem estar contra perspetivas unilaterais e parciais – sejam elas quais forem. 

As camadas de invisibilidade acumuladas no processo histórico das colonizações levaram a ignorâncias e insensibilidades deste lado do Atlântico que é preciso recuperar sem culpabilizações coletivas, anacronismos oportunistas, traumas geracionais ou medos indemnizatórios. É preciso conhecer o Passado para não o repetir no Presente. É necessário assumir as responsabilidades daí resultantes com a coragem das respostas políticas dirigidas aos povos colonizados e às pessoas em quem essa herança ainda pesa, numa Democracia europeia que respeita a civilidade jurídica do século XXI, prevenindo e combatendo a xenofobia e o racismo. Aqui “eu sou outro” (Rimbaud).

Comecemos por colocar as coisas onde elas devem estar, dando importância aos testemunhos de colonizados confrontando-os com os de colonizadores, depoimentos de autoridades e declarações de pessoas comuns, de resistentes e de opressores, contando as histórias pessoais de sofrimento e dor, evitando imagens estereotipadas, jargões de oportunidade, discursos politicamente corretos e condicionamentos ideológicos. 

Publicar uma coleção documental com compilação de fontes identificadas e classificadas para o estudo do colonialismo português em África, num trabalho de equipas multidisciplinares e multinacionais. Convocar os pedagogos e educadores para saber o que ensinar nas escolas, dos consensos possíveis sobre esse passado tão dividido nas suas narrativas, passando assim às gerações futuras um testemunho plural, que previna a transmissão de preconceitos e de antagonismos herdados das políticas discriminatórias do colonialismo e da sua propaganda. 

A luta pela Justiça através do Direito é a melhor forma de atingir a paz na nossa sociedade. Dar aos cidadãos dos Estados dos povos colonizados igualdade de acesso a direitos, promovendo a sua plena integração na sociedade portuguesa através de uma política pública que efetive a igualdade de tratamento e de acesso a direitos, a concessão do estatuto de cidadão da CPLP, trabalhar na questão dos vistos articulada com a União Europeia que permita uma circulação de pessoas e bens com um mínimo de barreiras/burocracias entre os Estados que integram a comunidade.  

Os cidadãos dos Estados africanos, cujos povos foram colonizados por Portugal, os portugueses descendentes dos povos africanos colonizados, os africanos descendentes de portugueses que combateram o colonialismo precisam de ser plenamente aceites, ouvidos e respeitados em Portugal.

Este é o início de uma conversa que deve ser feita para que a descolonização comece, finalmente, 50 anos depois das independências.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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