Porque é que os governos não nos defendem dos fogos? 

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Fui estudar o documento elaborado pela então muito celebrada Comissão Técnica Independente (CTI) que, depois dos trágicos incêndios de Pedrógão, em 2017, apresentou uma lista de recomendações a aplicar pelo Estado português para prevenir e combater os chamados incêndios rurais. 

Depois, li os relatórios mais recentes, referentes a 2024, produzidos por um instituto público criado por indicação dessa Comissão: a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF). 

Ultrapassada a linguagem burocrática desses oito documentos, concluo que é extensíssima a lista de coisas que continuam por fazer, oito anos depois dos 114 mortos que os fogos florestais provocaram no nosso país. 

A limpeza de matos e de florestas antes do verão é insuficiente; a abertura de faixas de gestão de combustível é deficiente; a acumulação excessiva de material combustível é evidente. As faixas limpas de proteção junto aos aglomerados populacionais são um falhanço: em 2024, 40% das irregularidades detetadas não tinham sido resolvidas. 

A compartimentação do território em manchas florestais puras, mais pequenas, intercaladas com outras de baixa inflamabilidade, está por fazer ou é incompleta. O cadastro do território florestal, sete anos depois, avançou mas está longe de ficar concluído. A identificação, pelas autarquias, das edificações de maior risco não está totalmente cumprida. 

Não se consegue fazer uma avaliação rigorosa do impacto real, positivo ou negativo, das verbas — milhares de milhões de euros — investidas em todo o sistema de prevenção e combate; a avaliação do desempenho das forças de combate aos fogos, incluindo os seus responsáveis, é deficiente ou negligente. Por exemplo: das 95 ações de melhoria de combate aos fogos anteriormente recomendadas, 47 ainda estão por iniciar. 

Está a falhar a complementaridade entre meios aéreos e terrestres. Está a falhar a capacidade de antecipar, de planear e de comunicar entre os envolvidos no combate aos incêndios. Está a falhar a relação operacional entre a Proteção Civil e os bombeiros. Está a falhar o reforço do papel das Forças Armadas e a sua integração adequada no sistema. A profissionalização, o pré-posicionamento e a deslocação eficaz de forças para zonas críticas não são adequadas. 

O valor da utilização de fogos controlados de prevenção em matos e floresta está abaixo de metade do que fora recomendado - e até a regulamentação jurídica desta matéria, sete anos depois, não está feita! 

Tudo isto está escrito e identificado pelas entidades que reportam à AGIF. E já nem quero falar dos aviões Canadair, velhos e rapidamente avariados, que o Estado alugou para ajudar no combate aos incêndios. 

Mesmo assim, a AGIF, nas “letras gordas” destes documentos, propagandeia um cenário positivo da situação, porque diminuíram as ocorrências e a área ardida. Este ano, porém, com o que está a acontecer na floresta portuguesa, esse falso otimismo cai num ridículo trágico. 

Desde 2017, depois de Pedrógão, os governos PS e PSD têm, nos documentos produzidos pelas entidades públicas que tutelam, o diagnóstico e as soluções para o país não arder desta maneira. Não as aplicam, não defendem o país dos ataques dos fogos — mas admitem gastar 3 a 5% do PIB para Portugal se defender da Rússia, ou seja lá do que a NATO tem medo. 

Jornalista

Diário de Notícias
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