Todo o homem tem duas pátrias: o seu país e a França Thomas Jefferson.Adorno, que era um filósofo maldisposto, considerava que o fascínio pela Inglaterra assentava numa nostalgia reprimida do feudalismo. Quando nos recordamos da declaração de amor de João Carlos Espada aos smokings ingleses, obrigatórios nos jantares do seu clube, ponderamos se a reação contra a cultura francesa no nosso país não terá partido de uma secreta aversão à cultura republicana..É certo que o domínio do inglês no comércio de bens e de ideias a nível mundial já pouco tem que ver com o Reino Unido, entretido hoje com as festas privadas de um pobre homem que se quer equiparar a Churchill, antes tem que ver com a hegemonia norte americana e com a facilidade com que, não o inglês de Shakespeare, Keats e Chesterton, mas o globish anémico que passa por língua inglesa se tornou a língua franca dos nossos dias..A minha geração passou de um tempo em que a cultura e o espírito falavam ainda francês para um ambiente em que a língua francesa é tida por uma esquisitice que ninguém partilha e em que muitos consideram, sem sequer os ler, que nenhum dos escritores franceses do presente merece o nosso tempo e a nossa paciência..A França fez por isso: o decréscimo da sua presença cultural entre nós, por frias razões financeiras, o tratamento que fez do ensino da língua portuguesa em França, considerada não uma língua de cultura (como o italiano), mas uma língua de migrantes, a que se não podem conceder direitos que se querem recusar ao árabe, uma certa convicção de si que a leva a dar o seu papel no mundo como adquirido para sempre, contribuíram certamente para este declínio..Mas, como dizia um clássico, "é a vida". Se, como cantava Caetano Veloso, só se pode filosofar em alemão, a verdade é que hoje só se pode viver no mundo em inglês. Em inglês nos entendemos com a nova potência chinesa, com russos, com árabes, com japoneses e com persas. Mas a nostalgia da língua francesa assoma em nós como um apelo ao que fomos quando jovens e ousados, ao que sonhávamos quando nos pretendíamos independentes, ao que projetávamos quando nos queríamos soberanos..Saberá a França, onde vivem e trabalham dois milhões de portugueses e descendentes de portugueses, ouvir este apelo à pluralidade das línguas e culturas, que ecoa o famoso e inesquecível "Vive le Québec libre" do general De Gaulle? Não sei. Vi os diplomatas franceses mais desejosos de mostrar o seu domínio da língua inglesa do que, como antigamente, reivindicar o uso do francês. Chocou-me, nas minhas andanças diplomáticas, ver uma festa da Francofonia em que o presidente daquela organização no país onde eu estava colocado... só falava inglês! Chocou-me a recusa obstinada de escandinavos e leste europeus falarem francês no Conselho da Europa. Chocou-me que num determinado país em que o primeiro ministro se exprimia melhor em francês e quis usar essa língua nas reuniões com os embaixadores da União Europeia, isso lhe fosse recusado, porque a maior parte desses embaixadores só falava ... globish! - e acabámos por falar através de um intérprete....Se a língua da Europa é a tradução, como dizia Umberto Eco, falemos então orgulhosamente cada uma das nossas línguas (que todas elas são de cultura, monsieur le ministre) e não façamos a ofensa às nossas raízes latinas de falarmos inglês com os italianos, como eu vejo fazer-se, ou de vermos franceses de ascendência portuguesa chegarem ao país de origem dos seus avós e terem que falar inglês para se fazer entender..Mas eu sou de outros tempos: o meu coração continua em Paris!.Diplomata e escritor