Polónia: um ‘hooligan’ na presidência?

Publicado a

Um dos nossos jornais de referência não aguentou. Não valia a pena esperar pela contagem final. A alegria polaca perante a vitória declarada do “candidato europeísta” por uma margem mínima era material de capa. Infelizmente, quando o jornal saiu, na madrugada do dia 2 de Junho, já se sabia que, afinal, o resultado tinha sido outro. Nada que não se pudesse revolver com um quadradinho na capa do jornal do dia seguinte, 3 de Junho: “Conservador hooligan e anti-LGBT é o novo presidente da Polónia.” De facto, a luta pela presidência entre o “candidato europeísta” e o “conservador hooligan e anti-LGBT”, para usar a linguagem isenta do referido jornal de referência, foi renhida. Mas no Domingo, 1 de Junho, a segunda volta da eleição presidencial da Polónia deu a vitória a Karol Nawrocki, o tal “hooligan”, apoiado pelos nacionalistas conservadores do Partido da Lei e Justiça. Uma vitória curta, por 400 mil votos.

As forças em presença

Os resultados da primeira volta tinham colocado à frente, com 31,3%, o “europeísta” Trzarkowski - presidente da câmara de Varsóvia, apoiado pela coligação de centro-esquerda do primeiro-ministro Donald Tusk -, e em segundo lugar Nawrocki, com 29,5%. O terceiro classificado, com 14,8%, era Slawomir Mentzen, líder de uma coligação de partidos de direita radical, ou seja, um hooligan ainda mais hooligan do que o “presidente hooligan”. Os votos de Mentzen foram, naturalmente, para Nawrocki, que com ele acordara rejeitar aumentos de impostos, impedir o envio de tropas para a Ucrânia, vetar a entrada da Ucrânia na NATO e opôr-se ao “Green Deal” europeu. Trzakovski, “o europeísta”, também se encontrara publicamente com Mentzen, o mega-hooligan, sem que tivessem chegado a acordo.

Mas como se não bastasse, em quarto lugar, na primeira volta, com 6,3%, ainda viera alguém mais “à direita” que Mentzen: Grzegorz Braun, o hiper-mega-hooligan, presumimos.

Assim, com os seus quase 30%, os quase 15% de Mentzen e os mais de 6% de Braun, parecia que Nawrocki estava garantido. Porém, dado o que se passara na Roménia, onde também o candidato da direita nacionalista, Simeon, parecia garantido e acabara perdedor, persistia a dúvida na Polónia.

É difícil encontrar uma confrontação ideológica mais clara e simbólica do que a das eleições polacas: Nawrocki e o Lei e Justiça são pela independência nacional, pelos valores cristãos da família e pelo controlo das fronteiras; Trzakovski e a “Plataforma Cívica” fiéis de Bruxelas, belicistas na Ucrânia, entusiastas LGBT e partidários da liberalização do aborto, da eutanásia e das fronteiras abertas. Nawrocki identificou-se com Trump, que visitou na Casa Branca; Trzaskowski teve o apoio de Von der Leyen e de Macron.

Biografia de um hooligan

Karol Nawrocki é filho de um operário que gostava de ler e foi boxeur e segurança privado. Mais tarde, estudou na Faculdade de História da Universidade de Gdansk, onde se doutorou em 2013. A História é, para ele, importante também como “fábrica” da identidade nacional. Em 2017 foi nomeado director do Museu da Segunda Guerra Mundial, depois de, entre 2009 e 2017, ter dirigido o Instituto Nacional da Memória. Nos seus estudos de História da Polónia e da Segunda Guerra Mundial, dedicou-se aos custos, para o seu país, da ocupação hitleriana. Mas ao contrário de outros historiadores, não deixou de estudar os crimes do concentracionismo comunista.

É este o “hooligan” que agora preside à Polónia.

Politólogo e escritor

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Diário de Notícias
www.dn.pt