Peço desculpa…
A História é a ciência que estuda a acção no tempo e no espaço do ser humano; analisa processos e eventos ocorridos no passado, isto é, conta-nos tudo o que se passou desde o início dos tempos até o tempo presente e conta-nos à luz de documentos e registos, cruzando dados e o uso das diversas fontes que estão acessíveis a quem quer estudar o passado e transmiti-lo às gerações vindouras.
Os Historiadores contam a História à luz das fontes que vão consultando, mas também um pouco à luz das suas convicções pessoais, isto é, utilizam o presente para procurar respostas sobre o passado, podendo o presente influenciar a forma como o passado é descrito.
De um ponto de vista actual, a História transmite aspectos que podem ser encarados como indignos do tempo presente, mas que eram genericamente aceites nos tempos em que foram vividos.
A consciência cívica de hoje faz com que se considerem menos próprios alguns dos comportamentos dos nossos antepassados e faz com que alguns activistas actuais tenham desenvolvido pedidos de desculpa por factos e comportamentos das sociedades de antanho, em jeito de vergonha pela culpa alheia.
Não me considerando um activista, não quero no entanto deixa de juntar a minha voz às desculpas pedidas por factos passados.
Faço-o sem qualquer sentimento de culpa, nem pelo presente, nem pelo passado não vivenciado, e muito menos pelo futuro (sendo o meu tempo o hoje!)
Peço desculpa em primeiro lugar pela estupidez humana que não cessa de me surpreender.
Peço desculpa por Portugal, pelo Infante D. Henrique, Homem que pôs o seu País a dar novos mundos ao Mundo! Fê-lo levando consigo a sua cultura, a cultura de um País avançado no tempo, inovador em muitos aspectos, iniciando assim uma época de prosperidade que durou vários séculos. Mas peço desculpa também pelos efeitos das descobertas iniciadas pelo Infante que levaram à colonização de territórios e de povos com tradições e crenças diferentes, com maleitas que perduraram no tempo até hoje.
Peço desculpa por uma descolonização que poderia ter sido exemplar e que de exemplar pouco deixou como exemplo.
Peço desculpa pelas grandes guerras do Século passado e pelas atrocidades cometidas em nome de ideologias que não poderiam existir, mas que existiram e foram caucionadas pelos responsáveis de então.
Peço desculpa aos injuriados por uma Inquisição que falando em nome de Deus torturou e sacrificou milhares de crentes só por não partilharem a filosofia reinante, mas tenho de pedir desculpa também pelos tempos de Idade Média que alguns povos ainda vivem hoje, com padrões acusatórios conducentes a um estado de terror imposto ao mundo inteiro.
Peço desculpa pelas atitudes de violência doméstica sofrida pela Mãe de D. Afonso Henriques sem a qual Portugal não existiria como o conhecemos actualmente.
Peço desculpa aos Iberos, invadidos pelos romanos que lhes impuseram as suas regras e crenças, com as quais vamos vivendo há centenas de anos.
Peço desculpa pelos cristãos que foram sacrificados pelos romanos só porque começavam a acreditar num Deus diferente daqueles a que estavam habituados.
Peço desculpa pelos desmandos dos fariseus que vendo em Cristo uma ameaça, torturaram-No e mataram-No, bem como aos seus discípulos e aos discípulos dos discípulos.
Peço desculpa pela escravatura a que os egípcios submeteram o povo de Moisés e pelo que sofreram no deserto durante 40 anos até chegarem à terra prometida.
Peço desculpa por tanta, tanta coisa, que já nem sei a que mais pedir desculpa, a não ser pedir desculpa a Eva por Adão ter sucumbido aos prazeres de trincar uma maçã proibida, privando-a, e a todos nós seus descendentes, de usufruir do paraíso que nos estaria destinado.
Peço desculpa por todas as desculpas não pedidas por cristãos, muçulmanos, fascistas e comunistas, terroristas e outros assim, por todas as atrocidades cometidas em nome de ideologias e religiões que, propagando a paz e o bem comum, não fazem mais do que atropelar precisamente a paz e o bem comum.
Mas há uma coisa que não faço.
Não peço desculpa à História!
Não peço desculpa à História por ser a História que foi, por ser a História que é!
Com todos os defeitos e virtudes, com todos os feitos e façanhas feitos numa realidade que não nos compete compreender em concordância com o que temos como regras hoje, mas sim aceitar à luz dos conhecimentos e regras existentes na época em que se desenrolaram os factos.
Pedir desculpa é um acto de humildade perante um erro cometido, mas não altera o erro, não altera o passado. Dá-nos a capacidade de podermos aprender com os erros de antes para não os passarmos para um futuro que já não será nosso.
Por isso, para que possamos reconhecer e aprender com toda a vivência passada, temos de aceitar a História como ela foi, a História como ela é, olhando-a como ela foi vivida na altura em que os factos ocorreram e não à luz dos conhecimentos e regas aceites pelas sociedades desenvolvidas do actualmente.
E a quem quer alterar o curso da História para apaziguar uma consciência pessoal feita de ignorância e preconceito, isso, eu não desculpo!
*Médico