Depois do virtual empate nas eleições de 23 de julho, esta é a pergunta que nós, espanhóis, nos fazemos e, sem dúvida, também a que circula nos media portugueses. A eurodeputada do PSD Maria da Graça Carvalho escreveu no DN que em Espanha "existem realidades infinitamente mais complexas" do que as de Portugal. Acho que não é bem assim. Existe uma coincidência na maioria dos "eixos" de análise das "realidades" de Espanha e Portugal. Há uma no eixo das liberdades civis (respeito pelas minorias e suas preferências em matéria sexual, moral e cultural, direitos das mulheres ou imigrantes e proteção do Estado de Direito e do meio ambiente); e há também uma no eixo do enquadramento na União Europeia e na defesa dos seus valores face às ameaças externas (UE e NATO). Sobre essas questões, apenas as Extremas Direita e Esquerda de ambos os países apresentam divergências substanciais e, às vezes, estridentes. Não há, portanto, muita diferença no que nos preocupa em ambos os lados da fronteira..No que diz respeito às políticas económicas contra o endividamento, a inflação, o desemprego, a produtividade, os novos cenários tecnológicos e a concorrência internacional (que, felizmente, no substancial não são decididas a nível nacional, mas a nível europeu) existem, evidentemente, diferentes alternativas liberais ou social-democratas e modelos de gestão mais ou menos eficazes em ambos os países (o mais eficaz é Portugal). Mas, à parte a boa gestão portuguesa e a fraca gestão socialista em Espanha, a realidade é que existe uma margem de divergência bastante estreita nas soluções propostas pelos principais partidos dos dois países. Em todo o caso, essas divergências não explicam a amargura, a polarização e a tensão política que alguns líderes espanhóis demonstraram tanto à Direita, como à Esquerda na recente campanha eleitoral..Onde está então a realidade que ameaça bloquear o sistema político espanhol? Maria da Graça Carvalho, depois de recordar que tanto Rui Rio como Luís Montenegro foram igualmente claros na recusa de integrar o Chega num Governo por eles liderado, lembrou que em Espanha não tem bastado a Feijoó fazer o mesmo (na verdade não o deixou tão claro), e que esse fator (Extrema-Direita) condiciona a alternância política de que toda a democracia precisa. Trata-se, portanto, de mais uma coincidência entre os nossos dois países, que têm, sim, uma agravante no caso de Espanha: o problema do separatismo. Aqui reside a chave do bloqueio e da amargura da política espanhola..Graça Carvalho citou a existência de "sonhos separatistas" numa parte da população espanhola e um passado não muito distante de violência associada a esses sentimentos como parte da "realidade infinitamente mais complexa" de Espanha. Nada melhor que o título do artigo também publicado no DN pelo colega do Partido Socialista, para poder concordar com esta apreciação de Graça Carvalho. "Na Ibéria não passarão" foi o título do artigo de Pedro Marques, também eurodeputado, utilizando um lema da defesa de Madrid na Guerra Civil, que infelizmente continua na memória de muitos (os militantes do PSOE também o entoaram perante Sánchez na noite eleitoral). Isto (a memória da Guerra Civil), juntamente com o fantasma do separatismo, são os dois problemas que Portugal não tem e que nós ainda temos. A "complexidade infinita" de que fala Graça Carvalho e que explica o eventual bloqueio..Tem sido o medo do Vox que, com efeito, tem desempenhado um papel essencial no empate prático entre os dois blocos de poder e no facto de, apesar de vencer, o PP não poder governar e não se poder verificar uma alternância normal numa democracia. Mas esse medo, ao contrário do que acontece em Portugal, não tem jogado fundamentalmente no campo dos direitos das minorias, da comunidade LGBTI, dos emigrantes ou do feminismo, que Sánchez tem usado na campanha para não afundar nestas eleições, mas no do grande problema espanhol: o separatismo. Ainda estava presente o espetro do golpe à democracia que a declaração unilateral de independência contra a nossa Constituição e as fogueiras de Barcelona acarretaram, de que os portugueses se lembrarão muito bem; e, caso não estivesse, o líder do Vox, Abascal, encarregou-se de lembrar os eleitores alguns dias antes, não descartando que a Catalunha pudesse pegar fogo novamente porque eles, é claro, seriam "firmes" ..Ninguém quer em Espanha que o separatismo nos volte a explodir na cara e é por isso que aconteceram uma série de resultados convergentes. Para os ver melhor, é conveniente usar três eixos de análise muito diferentes daqueles que mencionei no início deste artigo. Acho que isso ajudará o leitor a entender a "complexidade infinita" (Graça Carvalho tem alguma razão) dos seus vizinhos espanhóis. Um deles é comum aos dois países (o eixo Direita-Esquerda), os outros dois são exclusivos de Espanha: o eixo constitucionalismo-separatismo, que agrupa de um lado aqueles que querem uma solução para a questão nacional dentro da atual Constituição (os partidos centrais - PSOE, PP, Sumar e Vox) contra os independentistas periféricos no canto oposto; e o eixo a que poderíamos chamar nacionalismo periférico versus nacionalismo espanhol, onde encontramos, por um lado, os que procuram uma solução a partir do ponto de vista do nacionalismo periférico (PSOE, Sumar e independentistas bascos, catalães e galegos) e, por outro, aqueles que pensam que "a saída" deve ser encontrada naquilo que nos une a todos, entre outras coisas, a língua espanhola e a História comum (PP, e Vox e partidos como UPN e CCa, mas nenhum à Esquerda)..Vejamos qual é a correlação de forças nestes três eixos. Se no primeiro, no eixo Esquerda-Direita, se somam os votos dos partidos de Centro-Direita e Direita (PP e Vox, mas também o PNV basco e o Junts per Catalunya), o resultado é que o Centro-Direita e a Direita obtiveram 11.960.482 votos contra 11.723.548 da Centro-Esquerda e da Esquerda. Praticamente um empate..Se formos ao eixo constitucionalismo-separatismo, veremos que os independentistas (o PNV, Bildu - os herdeiros da ETA -, Junts per Catalunya, Ezquerra Republicana de Catalunya, a extremista CUP e o Bloco Nacionalista Galego) com apenas 1.715.782 votos contrastam com os 22.067.042 dos constitucionalistas, ou seja, com a grande maioria do país (aqui estão todos os outros, tanto de Esquerda como de Direita, PSOE, Sumar, PP, Vox, CCa, UPN)..Por fim, no eixo nacionalismos periféricos versus nacionalismo espanhol, onde provavelmente se acordará um Governo para Sánchez, os resultados são 12.391.964 votos para os separatistas e para os que os entendem e apostam numa Espanha plurinacional (PSOE e Sumar ) contra os 11.292.066 dos que acreditam na nação espanhola como um país de cidadãos iguais perante a lei (PP e Vox, fundamentalmente). Aqui, se houver uma diferença será de um milhão de votos. Se tivermos em conta que os independentistas bascos, catalães e galegos somam 1.715.782 sozinhos. Fazendo as contas fica claro que são eles que "fazem essa diferença" e que irão fazer pender a balança..A Espanha está, portanto, a caminhar para um entendimento com os independentistas que forçarão (isso sim, dentro da Constituição) todas as costuras necessárias para fortalecer esta corrente no país. Esse é o Governo-progressista-de-coligação (Frankenstein II) que Sánchez negociará neste verão. Nada relacionado, portanto, com o eixo dos direitos civis ou com a Europa, nem com a NATO, nem com a política económica, nem com a emigração, nem com o travão à Extrema-Direita de que falávamos no início. Será pura negociação territorial. Se falhar, haverá novas eleições em dezembro. O único "progresso" que Sánchez trará para Espanha será, portanto, o passo para a Espanha plurinacional. Esta questão que nos divide, meio a meio, aos espanhóis, já que muitos de nós não acreditamos que esse "avanço" possa ser chamado "progressista"..A ironia do destino é que o medo de a Catalunha se incendiar novamente colocou o destino desta questão nas mãos de quem a incendiou. Claro, para isso terão de dizer sim a um Governo constitucional. Empresários catalães já estão a correr para Waterloo para convencer Puigdemont a fazê-lo. Por isso, na realidade, a verdadeira chave está na nossa Constituição e em nós que a trouxemos para Espanha. Uff. Menos mal..Doutor em Sociologia e jornalista