Para onde caminham as escolhas políticas e as reformas do Estado?
As escolhas políticas já não seguem os mapas antigos. A tradicional divisão entre esquerda e direita deixou de explicar o essencial. Hoje navegamos num triângulo, entre interesses individuais, apelos ao bem comum e um mundo tecnológico que avança mais depressa do que a política consegue acompanhar.
Numa outra dimensão vivemos entre dois extremos, por um lado enfrentamos o caos da fragmentação social e a ansiedade provocada por mudanças desiguais e, por outro lado, enfrentamos a ordem instável de instituições desacreditadas e promessas novas, ora progressistas, ora reacionárias.
Neste cenário, o populismo cresce onde o Estado falha, oferecendo soluções simplistas que dividem, isolam e instrumentalizam o descontentamento, sem o resolver.
Ao mesmo tempo, as exigências pessoais, por mais legítimas que sejam, começam a sobrepor-se ao que nos une enquanto comunidade. Quando o bem comum é esquecido, a democracia deixa de ser um projeto partilhado e transforma-se num campo de confronto entre egoísmos.
Neste contexto, a administração pública continua a funcionar com estruturas herdadas de um passado analógico. Milhares de pessoas ainda enfrentam burocracias inúteis, deslocações evitáveis e tempos de espera inadmissíveis. Esta ineficiência não é neutra, pois prejudica sobretudo as pessoas mais vulneráveis e alimenta o descrédito nas instituições públicas.
Contudo, sempre que se fala em “reforma do Estado”, o debate rapidamente se torna ideológico. Como se modernizar fosse sinónimo de privatizar e digitalizar fosse o mesmo que atacar o serviço público. Esta clivagem empobrece a discussão e torna-se vítima de preconceitos partidários. A verdade é que a introdução de tecnologias na administração pública não é uma questão ideológica, mas sim uma questão de sobrevivência institucional centrada no cidadão.
Usada com inteligência, a tecnologia pode tornar o Estado mais justo, transparente e próximo das pessoas. Acelerar processos, automatizar tarefas, interligar sistemas, permitir atendimento remoto, partilhar dados ou antecipar necessidades, não é “neoliberalismo”, é uma boa governação em que todos devemos estar empenhados.
Mas atenção, pois digitalizar sem critério pode acentuar as desigualdades, criar opacidades algorítmicas e desumanizar serviços. A resposta não é nem a euforia nem o medo, mas sim, um modelo que integre tecnologia com respeito e requalificação humana. Automatizar o que é repetitivo deve libertar profissionais para funções de empatia, proximidade e mediação social, e não conduzir à sua desvalorização com propostas economicistas.
É tempo de afirmar com clareza que o “reformismo” não deve ser um privilégio de alguns partidos, mas uma exigência do serviço público e uma responsabilidade coletiva em todos os quadrantes políticos. Infelizmente, o debate político continua preso a narrativas binárias. O reformismo é apresentado ora como uma ameaça, ora como uma virtude automática e inquestionável. Isso impede consensos duradouros e bloqueia mudanças estruturais.
A reforma tecnológica da administração pública é inadiável, mas só será legítima se for conduzida com responsabilidade social. Isso exige investimento contínuo na formação dos trabalhadores, diálogo com os sindicatos, escuta ativa aos anseios da sociedade e uma visão de Estado que reconverta e valorize o talento humano em vez de o desperdiçar.
Perante a aceleração tecnológica e a desorientação política, é urgente reequilibrar o que está verdadeiramente em causa. Proteger direitos individuais, sem esquecer os deveres coletivos. Reformar com inteligência e ética institucional e não com medo e preconceito ideológico. Porque o futuro, com toda a sua ordem ou todo o seu caos, será sempre o reflexo das escolhas que fizermos agora.
Especialista em governação eletrónica