A França mostra-nos hoje os efeitos sobre a coesão das nossas sociedades da anomia política em que a Europa está a cair. Quando muitos socialistas assumem o discurso liberal e muitos liberais se sentem em boa companhia com os fascistas, não é porque a política tenha desaparecido num qualquer fim da História, é porque os poderes políticos vivem hoje na obediência estrita aos bancos e às decisões todo poderosas dos mercados financeiros e as alternativas desaparecem nas voltas da História..Não deixa, porém, de nos surpreender que um discurso como o de Christine Lagarde, perfeita reprodução das proclamações e intenções do passado governo Passos - Portas, seja renegado hoje pelo PSD, que procura fazer esquecer a sua história mais recente como campeão do empobrecimento..Não deixa também de ser curioso comparar o caminho atual da França, cheio de som e de fúria e marcado por uma violência crescente, com o processo, pacífico e subtil, que levou à implantação de um governo neo fascista em Itália. O livro de Giuliano da Empoli Os Engenheiros do Caos narra-nos o processo em que a esquerda italiana foi dizimada, a partir de Berlusconi, e desmonta a fraude de uma alegada expressão democrática por via digital, revelando a manipulação conspirativa do movimento Cinco Estrelas..Cada extrema direita na Europa escolhe os seus bodes expiatórios e os seus inimigos nos setores étnicos, culturais e religiosos que mais reações negativas provoquem nas respetivas sociedades. Em geral, é a imigração e a religião muçulmana que mais anticorpos levantam. Assinale-se a particularidade do Vox em Espanha, que combate com sanha machista o movimento das mulheres, e do Chega em Portugal, que se concentrou nos ciganos, por não encontrar (por enquanto?) na nossa sociedade mais ódios dispostos a passar da latência à afirmação violenta..O sucesso da extrema direita deriva de uma sociedade política que deixou de oferecer alternativas e de um mal estar difuso, que deriva de um ambiente social dominado pela especulação financeira, em expresso detrimento dos trabalhadores e dos empresários produtivos e exportadores..Uma granja e um Banco: eis o Portugal português proclamava em 1881 Oliveira Martins. Hoje diríamos antes uma rede de distribuição de mercearias finas e um banco. Mas, ao contrário do tempo de Oliveira Martins, não nos faltam hoje as oficinas. Estão é subalternizadas no nosso sistema económico, que faz assentar as exportações no turismo e os capitais no setor da distribuição..Mandar empobrecer os que já são pobres, como nos veio propor, com um sorriso, a Sra. Lagarde, foi a demonstração prática de quem foram e quem são hoje os "donos disto tudo". Tivémos já quem sorrisse da nossa miséria. Passámos a crise financeira, a pandemia, aguentamos os salários mais baixos da Europa Ocidental e eis que aí vem o poder dos bancos pedir-nos mais sacrifícios, que os seus accionistas andam já desconfiados com tantos apoios públicos....Não basta dizer-se social democrata quando a nossa cabeça e o nosso coração estão com as receitas austeritárias e a nossa lealdade vai para o poder dos mercados financeiros. Queremos socialismo para termos alguma força a contrapor aos poderes do dinheiro especulativo. Se for para seguir o ideário da Iniciativa Liberal, temos já muitos a isso dedicados, mas não nos venham invocar a social democracia em vão!.A verdade é que me sentei para escrever sobre os livros de poesia portuguesa mais recentes. Mas a política veio apanhar-me na volta do caminho e a indignação fez-me desperdiçar os meus carateres... Na próxima vez será.. Diplomata e escritor