Os terríveis fogos da Califórnia, floresta e casas de madeira

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As imagens devastadoras que chegam da Califórnia são perturbadoras e convidam à reflexão sobre duas questões que me são especialmente próximas: a gestão das florestas e a construção em madeira.

Existem alguns “mitos urbanos”, nomeadamente alguns ditos na comunicação social, tais como: “ainda por cima as casas são de madeira”, como se fosse esse o problema, ou até mesmo que as casas estão “no meio da floresta”, como se a culpa dos incêndios fosse da floresta.

Levamos as casas para a floresta para desfrutar do enorme bem-estar que ela nos propicia, em termos de amenização climatérica, abrigo para todo o tipo de fauna, sombra, o filtro da luz solar e muitos outros fatores que nos geram condições de atratividade para construirmos casas tão próximo quanto possível. Isso, em si mesmo, é uma opção inteligente na procura de bem-estar e de boas condições de habitabilidade.

Construirmos casas de madeira, com tudo o que elas têm de bom. Não é de todo a causa, nem sequer fator de agravamento, de risco perante o fogo. Existe a sensação bem presente de que a madeira arde, o que é uma evidência. Tecnicamente sabemos que arde a uma taxa de combustão conhecida, podemos dimensionar para que resista algumas horas ao fogo, mas nunca resistirá a um fogo com a dimensão daquele que vemos em Los Angeles, como não resiste o betão e o aço. Os danos provocados pelo fogo são proporcionais à carga combustível no interior das habitações (mobiliário, sofás, roupa, tapetes e tudo o mais) e à ventilação existente aumentada quando existem grandes vãos de luz que, com aumento da temperatura, quebram e propiciam grandes volumes de oxigénio que potenciam brutalmente a combustão, com libertação de calor e o

consequente aumento da temperatura que causa o colapso das estruturas. Seguramente, naqueles bairros que vemos todos destruídos, algumas casas haveriam de existir construídas com outros materiais que não a madeira e nem por isso resistiram, infelizmente.

Com o aumento da temperatura é gerada uma excitação molecular nos materiais que provoca a sua dilatação/expansão que causa desequilíbrio nas estruturas e as faz colapsar, apesar de não arderem. Pelo contrário, a madeira arde, mas é muito estável a altas temperaturas.

Neste tipo de eventos, os fatores críticos são, infelizmente, as condições climatéricas extremas que, quando conjugados, tornam os fogos incontroláveis e causam uma devastação brutal, em poucos dias, como nós bem nos recordamos e que também tivemos em 2017.

Infelizmente, estas condições repetir-se-ão num qualquer lugar, num outro qualquer momento e o desafio é como vamos adaptar-nos a estas condições. Não creio que por medo ou risco passemos a construir as nossas casas em “terraplana” ou no deserto, mas teremos de fazer um enorme investimento em ciência e tecnologia para minimizar este risco por demais evidente. Acredito sempre no enorme potencial da ciência para encontrar soluções para problemas novos. Teremos de aprender como “domesticar” fogos extremos, quer seja na prevenção, quer seja no combate, quer seja no tratamento dos materiais contra o fogo, para que continuemos a desfrutar das nossas casas, também de madeira se possível, ladeada de árvores. Teremos de gerir a floresta circundante de forma mais responsável e preventiva, teremos de fazer um enorme investimento na educação e na formação das pessoas para agirem de forma consciente perante fatores climatéricos extremos, sem dúvida.

Mas tem de ser sobretudo canalizado investimento em I&D para encontrar soluções para um problema novo e sermos mais resilientes perante condições climatéricas extremas.

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