Quando lerem esta carta deverei estar na cozinha a fazer o almoço ou na casa de banho, que é para onde costumo fugir (estaria doente se precisasse de ir tantas vezes à casa de banho). Meus filhos, escrevo-vos porque cheguei à conclusão de que os filhos não percebem os pais. Ao contrário do que se pensa, não são vocês os incompreendidos, somos nós. Somos nós que vivemos crises de identidade, de insegurança, de opressão, vá. Esta carta serve, por isso, para vos explicar como funcionamos. Primeiro, é preciso que saibam que nós, pais, estamos sempre cansados. E como estamos sempre cansados estamos sempre a querer descansar. Daí os gritos. Gritamos apenas por isso. Outro dado importante que precisam de reter tem a ver com a nossa ignorância. Filhos, nós não sabemos um décimo das coisas que vocês nos perguntam e a nossa genialidade deve-se apenas ao Google. Por outro lado, e uma coisa leva a outra, saibam que nós somos muito, mas mesmo muito, inseguros. Temos dúvidas sobre absolutamente tudo. Basta consultarem os grupos de mães nas redes sociais para percebem o que eu quero dizer. Estão lá todas as dúvidas: o tamanho das borbulhas que aparecem nos vossos rabos, se há reação às vacinas um ano depois de as levarem, o dia em que cai o quinto dente, cão: sim ou não, etc. Imaginem um teste de Matemática. É pior. Também vos devo confessar que os pais não confiam nos filhos (esta dói, eu sei). Mas a verdade é que nós não confiamos que vocês consigam subir ao escorrega com 3 anos e muito menos que saibam distinguir vitaminas de speeds com 21. Por isso somos paranoicos. E também é por isso que estamos sempre a dizer Não. Aliás, já devem ter percebido que Não e Parem são as nossas palavras preferidas. Por último, é importante que saibam o porquê da nossa obsessão com as notas, a arrumação, a sopa, as saídas à noite, as horas no computador e na televisão, etc.: é que nós acreditamos mesmo que somos último reduto entre vocês e o caos. Como veem também somos ingénuos. E é tudo..Beijos da vossa Mãe.(trancada na casa de banho)