Convidados
22 junho 2020 às 20h57

Qualquer um pode acabar num campo de deslocados

Bernardo Ivo Cruz

Nos distantes idos de 2006/07, trabalhei em Timor Leste durante a crise política, militar e de segurança que obrigou a Comunidade Internacional a enviar apoio técnico e militar e levou um sem número de ONGs a deslocarem recursos para contribuírem para o restabelecimento do sistema de governo e da paz e segurança no país.

Quando cheguei a Timor, depois de mais 24 horas de voos que me levaram de Lisboa a Frankfurt, a Singapura, a Bali e finalmente a Dili, a primeira coisa que vi, mesmo à porta do Aeroporto, foram muitas centenas de timorenses que procuravam segurança num campo gerido pela Organização Internacional das Migrações e que se abrigavam em tendas com o símbolo do Alto-Comissário para os Refugiados, ambas organizações do universo da ONU.

Algum tempo depois, visitei o chamado "Campo do Aeroporto", um de muitos campos onde viviam cerca de 10% da população de Timor Leste naqueles dias de medo, violência e incertezas. Famílias inteiras sem presente nem futuro, esperavam poderem regressar a casa, que muitas vezes ficava a poucos km de distância, mas que não podiam enquanto a situação política e de segurança não se resolvesse. Nessa visita ouvi os chefes do Campo falarem dos esforços que faziam para que as crianças continuassem a ir à escola, para que as pessoas tivessem alguma dignidade ou para que as mulheres e as raparigas não fossem molestadas quando iam à casa de banho. Ouvi também como era difícil contrariar o surgimento de poderes de facto dentro dos campos, onde a lei do mais forte ignorava os direitos daquelas pessoas que, sem qualquer culpa, tinham acabado naquele limbo de violência e angustia.

Segundo as Nações Unidas, em 2019 havia quase 80 milhões de pessoas no mundo que foram forçadas a abandonarem as suas casas para fugirem a perseguições, guerras ou fome, das quais cerca de 40% são crianças. Nestas histórias de horror, ouvimos algumas vozes que apontam o dedo aos próprios deslocados, como se culpa fosse deles ou como se alguém quisesse trocar a sua casa e a sua vida pelos perigos de atravessarem continentes e mares para acabarem a viver em campos na Turquia, na Colômbia, no Paquistão ou no Uganda, onde se concentram quase 10 milhões dos deslocados do Mundo, mas também mais perto de nós na Grécia ou na Itália.

É claro que pouco podemos fazer para evitar os efeitos de um terramoto, um tsunami ou uma tempestade desvastadora, mas a maior parte das crises de deslocados tem origem em acções ou omissões humanas e não com desastres naturais.

Para ajudar a evitar esta miséria humana criada pela guerra ou a fome, a Comunidade Internacional tem procurado criar as condições para gerir os fluxos de migrações e para que as pessoas tenham uma vida digna nos seus próprios países, contribuindo para a solução de conflitos e para o desenvolvimento social, o crescimento económico e a sustentabilidade ambiental. Desses esforços, crédito deve ser dado à Política de Cooperação para o Desenvolvimento da União Europeia, que não só é a maior contribuinte para a Ajuda Publica ao Desenvolvimento do mundo, como condiciona o acesso ao financiamento a melhorias verificáveis na qualidade dos direitos humanos e das instituições democráticas nos países que beneficiam do apoio dos contribuintes europeus.

Os esforços dos Timorenses e da Comunidade Internacional levaram às eleições de 2007 e à pacificação da sociedade em Timor Leste, permitindo que as famílias pudessem regressar às suas casas e tentassem recomeçar as suas vidas, marcadas pela memória dos meses nos campo. Outros nunca terão a oportunidade de conhecerem um dia de normalidade e ninguém está livre de ver a sua vida virada de cabeça para baixo por razões sobre as quais não tem qualquer controle. Na semana em que se assinala do Dia Internacional dos Refugiados, lembre-mo-nos que os outros poderemos vir a ser nós.

Investigador Associado do CIEP / Universidade Católica Portuguesa