Museus Nacionais - O caso de Conimbriga

Carta aberta ao ministro da Cultura
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Senhor Ministro,

Orecente anúncio da intenção de V.ª Ex.ª atribuir ao Museu Monográfico de Conimbriga o estatuto de museu nacional, gerou polémica e natural desconforto em quantos se interessam pela problemática dos museus portugueses e, em particular, por esta instituição. O profundo conhecimento que dela temos e a partilha de experiências, durante anos de colaboração, fazem-nos sentir o dever de expor a V.ª Ex.ª, publicamente, o nosso parecer que, no essencial, traduz um consenso alargado sobre o assunto
Seja-nos permitido recordar que as Ruínas de Conimbriga, classificadas como MN em 1910, foram alvo do interesse ininterrupto da comunidade científica e do Estado desde os finais do século XIX.
Exemplo desse interesse foi a criação, no âmbito da Direção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes (Ministério da Educação) do Museu Monográfico de Conimbriga, simbolicamente aberto ao público em 10 de junho de 1962, inaugurando um tipo de entidade museológica até então pouco divulgada e desconhecida em Portugal. Trata-se de um museu exclusivamente dedicado ao sítio arqueológico em que se insere e que, além da incumbência básica da defesa, proteção e apresentação das ruínas à fruição pública, tem por missão assegurar a continuidade programada das escavações, os registos, a conservação e o restauro das estruturas e dos materiais exumados, o seu estudo e divulgação.

Mercê da qualidade das infraestruturas de que soube dotar-se e do pessoal que formou, logo na década da sua criação, o Museu Monográfico afirmou-se como escola de arqueologia de campo, abrindo-se à internacionalização em matéria de investigação e partilha de competências técnica e científica.

Tendo introduzido no país a prática da ciência da conservação dos bens arqueológicos e etnográficos, cedo estendeu o seu apoio aos mais diversos sítios e museus portugueses, colaborou com a tutela na definição de carreiras e cursos de formação, incluindo a instalação da Escola Superior de Conservação e Restauro mais tarde absorvida pela Universidade Nova de Lisboa.

No campo da divulgação, Conimbriga impôs-se pela diversidade e qualidade das publicações, das soluções museográficas, dos eventos culturais e científicos, do apoio aos visitantes com particular atenção às escolas.

O estabelecimento de profícuas sinergias com a sua Liga de Amigos (LAC) e, por intermédio dela, com os mais diversos museus e as universidades, permitiu assegurar cursos de formação cujo prestígio trouxe a Conimbriga e à zona de Sicó, milhares de professores do ensino básico e secundário de todo o país, contribuindo, entre outros benefícios, para fidelizar público.

Aliás, do ponto de vista turístico como no domínio da população escolar, o raio de atração de Conimbriga atinge Portugal de lés a lés, atravessa e mobiliza as comunidades portuguesas em férias e os estrangeiros em geral, com particular incidência nos provenientes do universo lusófono, constituindo o nome do Museu Monográfico de Conimbriga uma imagem de marca que nenhum governo se deve arrogar o direito de destruir.

Ao longo dos seus 55 anos de existência, acompanhando as sucessivas reformas da administração central, Conimbriga manteve-se como serviço dependente do organismo central de tutela dos museus, tendo sido equiparado, no início da década de 80, à Direção de Serviços, como reconhecimento da importância, dimensão e complexidade da sua atuação.

O Decreto-Lei 115/2012 de 25 de maio, Anexo 1, inclui o Museu Monográfico de Conimbriga na lista dos Serviços dependentes da Direção-Geral do Património Cultural, então criada. Contudo, o Despacho 11142/2012 de 16 de agosto, cita-o como uma das unidades flexíveis em que são convertidos quatro dos serviços dependentes, abrindo-lhes a perspetiva de eventual integração na administração local.
O recente anúncio público da intenção de V.ª Ex.ª atribuir ao Museu Monográfico de Conimbriga o estatuto de museu nacional não pode deixar de ser interpretado como uma medida cautelar face à possibilidade de concretização a curto prazo da referida transferência.

Compete ao superior critério de V.ª Ex.ª interpretar e gerir a aplicação da legislação em causa e não podemos deixar de nos congratular pelo reconhecimento que V.ª Ex.ª manifesta pela importância da instituição.

Permita-nos, porém, evidenciar o valor intrínseco e de marketing da denominação histórica Museu Monográfico de Conimbriga - alterá-la seria: inadequado, na medida em que descaracterizava uma instituição e uma imagem consagradas porquanto as características deste museu não correspondem ao tradicionalmente entendido em Portugal para aquela categoria; redutor, porque no seu surpreendente paradoxo (nacional/monográfico) colocaria a Tutela numa posição ambígua face ao reconhecimento do interesse cultural da diversidade de modelos da instituição museológica.

Face ao exposto, concluiremos que o Museu Monográfico de Conimbriga deve manter o seu estatuto próprio, como Serviço dependente da Direção-Geral do Património Cultural a par dos museus nacionais e daqueles que, pela sua especificidade, a Tutela a todo tempo considere de excecional relevância e significado museológico e cultural.

Adília Alarcão é arqueóloga e António Queirós é presidente da Liga dos Amigos de Conímbriga

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