Na boca do inferno
A dimensão da tragédia convoca-nos para uma reflexão em memória das vítimas. Como foi possível? A pergunta que fazemos não tem uma resposta óbvia, não tem sequer uma resposta única. Por isso mesmo, não podemos ter pressa à procura de culpados. Essa tem sido sempre a melhor forma de a fazer morrer solteira. E quanta da culpa é de todos nós, sem exceção?
O luto nacional, decretado pelo governo, não nos deve implicar apenas no cancelamento das festas agendadas. Obriga-nos, ou devia obrigar-nos, a refletir sobre o nosso próprio comportamento. Só seremos capazes de limpar a floresta se formos verdadeiramente obrigados a fazê-lo? Só teremos um modo de vida amigo do ambiente se nos encostarem uma pistola à cabeça?
Em Pedrógão Grande, a natureza conjugou uma série de fatores e ali o inferno abriu a boca. Numa tempestade que lança relâmpagos mas a chuva seca antes de chegar a um chão carregado de combustível natural, se há culpa, é de todos. Perante isto, era possível fazer mais para diminuir a dimensão da tragédia? Já apareceram os especialistas a dizer que sim. A coordenação da Proteção Civil, no combate ao fogo e na gestão do trânsito daquelas estradas, podia ter sido mais eficaz? Podia. Mas alguém tinha visto fogo que voa, como nos relatou ontem no DN uma testemunha na reportagem do Carlos Rodrigues Lima? Que estradas se cortam se o fogo voa para onde lhe apetece? Para onde se envia os bombeiros se o fogo parece cair do céu ao acaso?
Não faltará quem atire pedras, quem se apresse a apontar culpados, simplesmente porque não era suposto isto ser possível. O chefe do governo que demita quem quiser, a ministra sozinha ou acompanhada por mais meia dúzia de responsáveis, nada disso trará de volta quem o fogo levou. Para apagar este fogo do inferno, mais vale acudir aos familiares das vítimas, ajudar quem perdeu tudo. Mais vale escolher o silêncio, por minutos que seja, a imaginar que é possível evitar que uma tragédia destas dimensões volte a acontecer. Em memória das vítimas, mudar o mundo começa na possibilidade de cada um de nós mudar.