Começa hoje, e continua até domingo, a cimeira anual do G7. Tem lugar em Hiroshima, no Japão, uma cidade altamente simbólica, sobretudo agora, quando políticos delirantes, e com uma ambição apocalíptica, ameaçam com a hipótese de utilizarem algum tipo de armamento nuclear. É verdade que ao fazê-lo, poderão estar apenas a agitar um papão. Mas, o risco existe. O que já levou países como a China e a Índia, com todo o peso das suas mensagens, a indicarem claramente a esses políticos que o recurso ao nuclear, e até mesmo a sua referência, são liminarmente inaceitáveis..A Índia e o Brasil foram convidados para a cimeira. Parece-me acertado, embora pense que nem um nem o outro estão prontos para um alinhamento com as políticas do G7, no que respeita aos dois temas centrais do encontro - a guerra na Ucrânia e, acima de tudo, a definição de uma política comum em relação à China..A Índia quer manter uma posição equidistante em ambos os casos. Olha para o futuro e vê o seu lugar reservado na mesa das grandes potências. Para já, joga fundamentalmente na salvaguarda dos seus interesses mais imediatos e no desenvolvimento das suas capacidades tecnológicas e de defesa. A inclinação das suas elites é para o Ocidente, sobretudo para os EUA, mas não se esquece que o seu crescimento económico e militar depende imenso da manutenção de boas relações com a Rússia e a China. O relacionamento da Índia com a Europa é uma matéria de segunda ordem. É mais forte com o Japão, mas apenas enquanto os japoneses continuarem a investir na economia indiana. Na realidade, a Índia joga em vários tabuleiros ao mesmo tempo, mas sem se comprometer a fundo com nenhum..O Brasil de Lula da Silva é diferente. Não tem uma atuação geopolítica coerente, assente numa visão do futuro partilhada pela classe dirigente. Tudo depende de quem está na presidência. Por isso, quer o G7 quer a China, ambos tentam puxar esse colosso sul-americano para o seu campo. Com Lula no poder, a China parece poder ganhar a partida. Aproveitando essa vantagem, procura estabelecer uma dependência de longo prazo. Não será fácil. O Brasil está culturalmente mais próximo do Ocidente e, por razões históricas, também de África. Continuará a ser cortejado, em simultâneo, pelo G7 e pelo arranjo desconexo, incongruente, chamado BRICS..A Austrália, as Comoros em nome da União Africana, a Coreia do Sul, as Ilhas Cook em representação do Fórum das Ilhas do Pacífico, a Indonésia, por estar na presidência da ASEAN, e o Vietname foram igualmente convidados para a cimeira. Destacaria aqui dois aspetos. Primeiro, nenhum país do mundo árabe entrou na lista dos convites. Assim foi decidido pelo governo japonês e não houve qualquer objeção vinda do resto do G7. Segundo, a presença do Vietname revela uma intenção cada vez mais clara de certos países ocidentais: transferir para o Vietname muitos dos investimentos que tradicionalmente tinham a China como destino. Também, a vontade de reforçar o relacionamento com o país, que pode ser um aliado importante e determinado numa região potencialmente explosiva. O Vietname tem cerca de 96 milhões de habitantes e uma vontade intrépida de progresso económico e social. A história mostrou repetidamente que se trata de uma nação extremamente combativa..A complexidade das relações entre a China e os países do G7 estará no centro da agenda. É uma questão fundamental para o Japão e os EUA. Veremos o que será escrito sobre o assunto no comunicado final. Entretanto, acrescento que considero um erro ver a questão chinesa apenas sob o ângulo da rivalidade, seja ela militar, económica ou tecnológica. É preciso manter um diálogo construtivo e uma cooperação prudente com a China - quer se queira quer não, trata-se de uma potência incontornável na cena mundial. Temos de ser claros em matéria de valores e saber conciliar cooperação com a segurança dos nossos interesses estratégicos..A Ucrânia é o outro tema de fundo. De entre as múltiplas questões que a agressão russa levanta, existem três que me parecem essenciais: continuar o apoio à Ucrânia, de modo coerente, em tudo o que diga respeito à legítima defesa do seu povo e território; combinar todo um leque possível de intervenções que façam compreender aos dirigentes russos que têm de pôr um fim à guerra; e permitir ao sistema das Nações Unidas que conduza um processo de paz e de restabelecimento da confiança nesta parte do mundo.. Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral-adjunto da ONU