O recalque universitário 

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Se a faculdade vai acabar com a vida do teu filho, não manda ele para a faculdade”, pregou o pastor evangélico André Valadão, no dia 19 de junho.

“Criou o seu filho para quê? Criou a sua filha para quê? Para ela virar uma vagabunda? Ou você a criou para ser uma mulher santa, uma mulher digna, de família, cheia de Deus? Aí, ela tem um diploma e é rodada, é doida”, continuou o líder da Igreja Batista da Lagoinha, de Belo Horizonte.

Valadão - com perdão pela obviedade que se segue - é eleitor, apoiante e amigo de Jair Bolsonaro.

E o ex-presidente do Brasil, como o pastor, também tinha repulsa pela universidade. “Lá, os alunos fazem tudo, menos estudar”, afirmou um dia. Noutra ocasião chamou-os de “idiotas úteis” e de “massa de manobra” para delírio da massa de manobra de idiotas úteis que o apoia.

Aliás, entre os ministros da Educação do bolsonarismo, o primeiro, Ricardo Vélez, disse que “as universidades deviam ficar reservadas a uma elite intelectual”, e o último, Milton Ribeiro, que “as universidades deviam ser para poucos”. O do meio, Abraham Weintraub, revelou haver “plantações extensivas de maconha [cannabis]” nos campi.

Como despreza a ciência, o estudo, o saber, o conhecimento e a cultura, o bolsonarismo demoniza as universidades, síntese de tudo isso.

Demoniza-a, porém, à superfície porque, no íntimo, venera diplomas, títulos, canudos, patentes e cargos.

Eis exemplos: com doutoramento na Universidade de Rosário e pós-doutorado na Universidade de Wuppertal, Carlos Decotelli só não se tornou o quarto dos ministros da Educação de Bolsonaro porque, às vésperas da posse, se descobriu que não tinha doutoramento na Universidade de Rosário nem pós-doutoramento na Universidade de Wuppertal.

Ricardo Salles, o ministro do Ambiente investigado por contrabando de madeira ilegal da Amazónia para os EUA e Europa, assinou um artigo no jornal Folha de S. Paulo como “mestre em direito público por Yale” sem nunca ter pisado a universidade. “Erro da assessoria”, culpou.

Damares Alves, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que agiu para impedir que uma menina de 10 anos cuja gravidez fora fruto de violação abortasse, apresenta-se como “mestre em educação, em direito constitucional e da família” mesmo sem ter frequentado o ensino superior. “Nas igrejas cristãs é chamado mestre todo aquele que é dedicado ao ensino bíblico”, justificou-se.

Wilson Witzel, ex-governador do Rio de Janeiro alvo de impeachment, em votação unânime, por fraudes no combate à covid, adicionou ao currículo um intercâmbio falso em Harvard. Disse o bolsonarista ferrenho, até a família presidencial romper com ele, que não cometeu nenhum erro porque projetou estudar em Harvard - só não o fez por falta de tempo.

Para o Supremo, Bolsonaro procurou nomear um juiz cujo currículo fosse “beber cerveja” com ele e encontrou em Kassio Nunes Marques a escolha ideal. Mas Marques, além de beber cerveja, tinha no currículo canudos de universidades na Corunha e em Messina que as instituições desconheciam.

E, até Valadão, o pastor que achava dia 19 que a universidade forma vagabundas, publicou nas redes sociais logo no dia 24, uma foto ao lado dos filhos... em Harvard. “Olha aqui na localização onde estou hoje”, escreveu, com aquele sorriso subalterno que os bolsonaristas fazem sempre que vão aos idolatrados EUA. 

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